“Viver é perigoso”, dizia Riobaldo, pelejando nos Grandes Sertões Veredas, de Guimarães Rosa. Dizia isso e lutava para se manter vivo no sertão. “Eu quero é viver!” – disse Irmão Vicente Cañas, na recordação que o antropólogo jesuíta Adalberto Holanda Pereira fazia em nossa subida ao rio Juruena, em 1996, guiado pelos Minki em direção ao barraco de Kiwxi, como chamavam Vicente carinhosamente os Enauenê-Nauê. Kiwxi foi assassinado no início de abril de 1987 e encontrado ressequido, uns 40 dias depois. Os acusados pelo assassinato foram a júri popular vinte anos depois, em Cuiabá, e foram absolvidos.
Lutar pela vida é a única maneira de se manter vivo. O sabe a natureza que teima ressurgir com vida entre as cinzas. O sabem os peixes que se debatem e correm mil perigos para chegarem às cabeceiras dos rios, a fim de se reproduzirem. O sabem animais e humanos.
Na luta pela vida a luta pela terra esteve no centro dos conflitos ao longo de toda a história. Foi assim na Guerra de Canudos e na Guerra do Contestado no final do século XIX e início do século XX, e continua assim no início do século XXI na luta dos povos indígenas e quilombolas por seus territórios e das camponesas e dos camponeses por um pedaço de chão para produzir alimentos saudáveis.
Lutar pela terra e pelo ambiente tornou-se muito perigoso nos últimos anos, atesta relatório da ONG de Direitos Humanos Global Witness em relatório publicado dia 15 de abril de 2014. Segundo o documento publicado pela Comissão Pastoral da Terra – CPT, “as mortes de pessoas que protegem o ambiente e o direito de utilização de terras sofreram um aumento acentuado entre 2002 e 2013, devido à intensificação de disputas por recursos naturais. Durante este período, há conhecimento de 908 mortes, relacionadas com disputas relativas à exploração industrial de florestas, minas e direitos de utilização de terras, como principais fatores. As áreas geográficas mais afetadas são a América Latina e Ásia-Pacífico.” O documento aponta ainda que “o Brasil é o país mais perigoso para quem defende o direito à terra e do meio ambiente, registrando 448 assassinatos, cerca de metade das mortes em todo o mundo entre 2002 e 2013”.
Outra conclusão a que chega o relatório é que “a impunidade é a regra para estes crimes: foram condenados apenas 10 criminosos entre 2002 e 2013 – pouco mais de um por cento da incidência geral de homicídios”, o que explica o aumento da violência.
Estes dados se confirmam na publicação anual da CPT Conflitos no Campo Brasil 2013, em sua 29ª edição, que será lançada em Brasília e Cuiabá, respectivamente nos dias 29 e 30 de abril próximo. Segundo o relatório, “o que chama a atenção em 2013 é que 15 dos 34 assassinatos registrados são de indígenas (…), o crescimento expressivo do número de conflitos pela água, 32% a mais que em 2012”, e que “a Amazônia continua o principal palco dos conflitos. Nela se concentram 20 dos 34 assassinatos, 174 das 241 pessoas ameaçadas de morte, 63 dos 143 presos, e 129 dos 243 agredidos. Das Populações Tradicionais que, em 2013, foram vítimas de algum tipo de violência, 55% se localizavam na Amazônia.”
“Navegar é preciso”, diz o poeta. Mas não para qualquer direção, nem mesmo ao léu, mas para uma direção certa, na direção dos conceitos agroecológicos e agroflorestais; nadando contra a corrente, como fazem os peixes na época da piracema; na teimosia pela terra, como fazem os e as camponesas na luta pela reforma agrária popular e na produção agroecológica, contra a mal propagada “revolução verde”, como o mostra muito bem o documentário de Silvio Tendler, “O Veneno está na Mesa 2”, que será lançado em Mato Grosso dia 30 de abril.
“Não tá morto quem peleia”, diz um ditado do sul. “Avancem!” diz o profeta Moisés ao povo encurralado entre o deserto e mar vermelho, abrindo passagem pascal. “Não tenhais medo. Ele não está aqui. Ele ressuscitou e vai à vossa frente”, diz o anjo às mulheres que haviam chegado ao túmulo para cuidar do corpo do Messias.
Teimar é preciso! Como teimaram os jovens que resistiram ao golpe militar, cuja verdade vem à luz, após 50 anos do golpe e 21 anos de ditadura; como teimou Chico Mendes que tombou mártir há 25 anos e nos inspira a continuar teimando na luta socioambiental, na certeza de que a vida triunfa sobre a morte.
* Secretário executivo do Fórum Mato-Grossense de Meio ambiente e Desenvolvimento – FORMAD. Publicado em 23 de abril de 2014