A reinvindicação das mulheres é por uma EMBRAPA que busque somar formas de convivência com a natureza, aproveitando a sabedoria popular para fazer pesquisa e subsidiar políticas públicas em benefício da maioria dos trabalhadores e trabalhadoras do campo.
A reportagem e a carta foi publicada no sítio Marcha Mundial das Mulheres dia 19 de maio de 2014. Segue o artigo.
Dentro da programação do III ENA, na manhã de hoje, 19, cerca de 150 mulheres de diversos movimentos feministas e do GT de Mulheres da ANA realizam ato irreverente em frente ao escritório do Centro de Pesquisa Agropecuária do Trópico Semiárido da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – EMBRAPA, situado em Petrolina, PE, inaugurando uma EMBRAPA Agroecologia.
O objetivo do ato público é chamar a atenção da EMBRAPA para a necessidade de investir na pesquisa para agricultores e agricultoras familiares. Segundo Beth Cardoso (CTA e GT de Mulheres da ANA), “empresas privadas financiam as pesquisas e exercem forte poder na EMBRAPA, influenciando nas decisões políticas do órgão público que deve estar a serviço da maior parte da população, pequenos agricultores, e não do agronegócio”.
A EMBRAPA com o objetivo de, conforme declarou a própria empresa, fomentar o desenvolvimento de tecnologia nacional para a produção de plantas transgênicas e buscar a inovação tecnológica nesse setor, aprovou liberação do feijão transgênico. Tal medida é fortemente criticada por agricultores e agricultoras familiares do nordeste brasileiro, pois, para eles e elas, o feijão que é alterado geneticamente compõe uma ameaça às variedades hoje cultivadas, sendo prejudicial à segurança e à soberania alimentar e à agrobiodiversidade.
Conceição Dantas (MMM – RN) diz que “o agronegócio e o patriarcado são aliados que buscam impedir a autonomia das mulheres. Quando o agronegócio expande, reduz a terra dos pequenos agricultores e, consequentemente, o espaço de produção das mulheres que geralmente é o quintal. São as mulheres que mais sofrem com o agronegócio, porque estão mais expostas ao agrotóxico. São as mulheres que ficam com os trabalhos mais degradantes, sem falar no acúmulo dos trabalhos domésticos e do cuidado com a família”.
A reinvindicação das mulheres é por uma EMBRAPA que busque somar formas de convivência com a natureza, aproveitando a sabedoria popular para fazer pesquisa e subsidiar políticas públicas em benefício da maioria dos trabalhadores e trabalhadoras do campo.
Junto com o ato, as mulheres prepararam uma carta para ser entregue ao diretor da EMBRAPA, Maurício Antônio Lopes, via Pedro Carlos Gama da Silva, chefe geral do Centro de Pesquisa Agropecuária do Trópico Semiárido.
Na carta, as mulheres expressam sua vontade de que a EMBRAPA trabalhe voltada para a construção da agroecologia considerando a importância das mulheres nesse processo: “Queremos uma EMBRAPA que se dedique à construção de conhecimentos e tecnologias em bases agroecológicas, que reconheça a sabedoria das mulheres agricultoras e das comunidades tradicionais, e que estabeleça processos conjuntos para responder aos desafios de se plantar e colher em um ambiente já bastante destruído pela ação do agronegócio”. E complementam sobre o desejo de como seja atuação da empresa: “Queremos uma EMBRAPA que se insira numa atuação mundial do governo brasileiro baseada na integração dos povos com princípios de solidariedade, reciprocidade e justiça ambiental”.
Confira abaixo a íntegra da Carta das Mulheres para a Embrapa:
Ao Exmo. Sr. Maurício Antônio Lopes – Diretor Presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
Somos mais de mil mulheres presentes no III Encontro Nacional de Agroecologia que acontece em Juazeiro/BA de 16 a 19 de maio de 2014. Somos muitas mais, mulheres que participaram de 14 caravanas agroecológicas e culturais que prepararam este momento.
Somos muitas mais ainda, mulheres que produzimos alimentos saudáveis, convivemos com a natureza e garantimos o bem estar de nossas comunidades. Somos mulheres que resistem ao avanço das monoculturas, dos venenos, da perda de nossas terras e das condições para produzir. Somos mulheres que combatem a desigualdade no acesso à terra, à água, na sobrecarga de trabalho e no acesso às políticas. Estas desigualdades têm marcas de classe: os grandes proprietários e as empresas transnacionais concentram mais recursos que a agricultura familiar e camponesa; têm marcas de gênero: os homens têm mais acesso as políticas e aos recursos do que as mulheres; e têm marcas de raça e etnia, sendo que os povos indígenas, quilombolas, e comunidades tradicionais têm seus territórios atacados e sua voz pouco ouvida.
Entendemos que é papel do Estado atuar com firme vontade política para reverter estas desigualdades, mobilizando seus organismos, programas, orçamento para fortalecer os setores considerados vulneráveis, mas que na verdade têm a fortaleza de inventar maneiras de conviver com a natureza que aumentam a sociobiodiversidade e que constroem relações respeitosas entre as pessoas.
Valorizamos que o Estado brasileiro tenha uma empresa pública de pesquisa, a EMBRAPA, e, nós mulheres que produzimos conhecimento cotidianamente sabemos os desafios que isto implica, expressamos que EMBRAPA queremos. Ainda mais neste momento em que a EMBRAPA assume a responsabilidade de capacitar técnicas e técnicos da Assistência Técnica e Extensão Rural.
Não queremos uma EMBRAPA que dedique uma prioridade orçamentária, tempo e conhecimento de seus e suas pesquisadores/as para desenvolver tecnologias que contaminam o meio ambiente, promova a concentração de terras e piore as condições de trabalho. Este é o caso da fruticultura irrigada, que só é viável economicamente porque se utiliza da superexploração do trabalho das mulheres, causando problemas de saúde decorrentes da contaminação pelo manejo de agrotóxicos e dos esforços repetitivos, com salários ínfimos frente ao lucro das empresas e muitas vezes sem direitos trabalhistas.
Não queremos uma EMBRAPA que receba recursos de empresas transnacionais e que atue defendendo os interesses das mesmas. É imprescindível a transparência quanto aos acordos e supostas parcerias firmadas entre a EMBRAPA e as empresas privadas. Não queremos uma EMBRAPA que dedique esforços a tecnologias de transgenia e “melhoramento” como a biofortificação de sementes, que favorecem o monopólio das sementes e ao final, da própria produção de alimentos. Muito menos que atue em lobby no Congresso Brasileiro, na CTNBio e outras instâncias para tentar a liberação de transgênicos e da tecnologia terminator.
Nós mulheres não somos álibi para tecnologias que só buscam substituir a riqueza cultural e produtiva dos povos por territórios ocupados por um só produto, com sementes e insumos vendidos por uma só empresa. Ainda mais, não aceitamos que nossas irmãs africanas sejam usadas como argumento para legitimar ações que terminam na ocupação de suas terras e no retorno de tradições patriarcais já praticamente extintas. As mulheres africanas, nem as de qualquer povo, não precisam e nem querem um alimento biofortificado, elas querem cultivar e coletar a diversidade de alimentos que conhecem e que suas avós conheciam.
Queremos uma EMBRAPA que se dedique à construção de conhecimentos e tecnologias em bases agroecológicas, que reconheça a sabedoria das mulheres agricultoras e das comunidades tradicionais, e que estabeleça processos conjuntos para responder aos desafios de se plantar e colher em um ambiente já bastante destruído pela ação do agronegócio.
Queremos uma EMBRAPA que se insira numa atuação mundial do governo brasileiro baseada na integração dos povos com princípios de solidariedade, reciprocidade e justiça ambiental. Por isto, hoje, nós mulheres inauguramos, simbolicamente, esta Embrapa Agroecologia, a EMBRAPA que queremos e que sabemos será muito mais útil para a sociedade brasileira.
Via Exmo. Sr. Pedro Carlos Gama da Silva – Chefe Geral do Centro de Pesquisa Agropecuária do Trópico Semiárido.
Petrolina/PE, 19 de maio de 2014.
Foto: Galeria de fotos – III ENA Postado em 21/05/2014