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Justiça suspende licenciamento da usina de São Manoel (MT) e exige consulta prévia aos povos indígenas

Povos Apiaká, Kayabi e Munduruku, diretamente impactados pela usina no rio Teles Pires, devem ser consultados.
Mel Mendes/Formad

A Justiça Federal no Mato Grosso determinou a suspensão do licenciamento da usina hidrelétrica São Manoel, no rio Teles Pires, entre os estados de Mato Grosso e Pará, acatando pedido de liminar feito pelo Ministério Público Federal (MPF). A decisão se baseia no descumprimento da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que prevê a realização de consulta prévia, livre e informada aos povos afetados por qualquer tipo de projeto.

A construção da barragem de São Manoel está planejada para menos de um quilômetro de distância da Terra Indígena Kayabi, onde vivem Kayabi e Munduruku, e afetará também os Apiaká, povo em situação de isolamento voluntário na região. Ainda assim o procedimento de licenciamento da usina está em curso, sem que os indígenas tenham sido consultados, configurando grave irregularidade no processo e desrespeito total à vida e aos direitos desses povos.

A advogada analista de direito ambiental do Instituto Centro de Vida (ICV), Edilene Fernandes, lembra que esta é a quinta vez que o licenciamento de São Manoel é paralisado judicialmente por desrespeitar os direitos das populações atingidas. Segundo ela, o processo de implantação da usina é marcado por atropelo das leis ambientais e violações de direitos fundamentais das comunidades. “Desde o início do licenciamento os empreendedores não reconhecem que o impacto aos povos indígenas é direto e alegam que eles não precisam ser consultados” informa a advogada

Na liminar, o juiz da 1ª Vara Federal de Mato Grosso, Ilan Presser, dá um prazo máximo de 90 dias para o início das consultas e afirma que “a consulta se faz necessária tendo em vista que o empreendimento causará interferência direta nos povos indígenas e, ainda, trará danos iminentes e irreversíveis para sua qualidade de vida e seu patrimônio cultural”. Defende ainda a paralisação imediata do licenciamento para evitar que os impactos ocasionados pela obra “se resolvam em futuras compensações meramente patrimoniais, diante da irreversibilidade da construção do empreendimento, com a consumação de um etnocídio, culminando-se em crônica de uma tragédia anunciada”.

Apesar de a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e o Instituo Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), rés do processo, afirmarem que as consultas foram realizadas, a decisão judicial deixa claro que a mera divulgação da decisão, de realizar a obra, aos povos afetados não se confunde com o direito de consulta previsto na Convenção 169/89 da OIT. Edilene afirma que, na realidade, foram feitas audiência públicas e não a consulta prévia exigida por lei. “A consulta não pode ser um dia de reunião, ela é um processo. Compreende dar as informações às populações, capacitá-las para que compreendam o projeto, suas etapas e consequências, para que, a partir dai, possam emitir um parecer sobre o empreendimento”, explica.

A liminar levanta ainda outra questão importante: a lei é clara ao afirmar que as comunidades devem ser consultadas antes de serem tomadas quaisquer decisões que afetem sua forma de vida, ainda assim as etapas do licenciamento estão sendo invertidas. “O que temos visto em todas as obras de construção de hidrelétricas é que os processos andam sem que esse direito seja garantido, e tanto as empresas quanto o Governo só consideram realizar as consultas quando são pressionados por decisão judicial”, concorda Edilene.

“A vontade da Convenção 169 da OIT, e do art. 231, Parágrafo 3º, da Constituição é de, a partir do exercício do direito de consulta, seja permitida a preservação e fomento do multiculturalismo; e não a produção de um assimilacionismo e integracionismo, de matriz colonialista, impostos pela vontade da cultura dominante em detrimento dos modos de criar, fazer e viver dos povos indígenas”, diz a liminar.

Violações e arbitrariedades

Infelizmente São Manoel não é o único caso. Essa situação se repete em licenciamentos de grandes projetos em todo o Brasil. Como exemplo, Edilene aponta a usina de Teles Pires, também no Mato Grosso, que, apesar das diversas ações civis públicas pelo cumprimento da lei, avança sem que vários procedimentos legais tenham sido respeitados. “Teles Pires já está em fase de licença de instalação, mas nem sequer conseguiu solucionar os problemas das etapas anteriores. Além disso, os impactos estão sendo maiores que os previstos, as compensações e medidas mitigatórias não estão sendo realizadas e as cidades na área de influência da usina encontram-se em situação de caos social”, declara Edilene Fernandes.

Para a advogada, essa liminar reflete a maneira como os licenciamentos ambientais têm sido realizados no país, e a arbitrariedade do Governo Federal: “A implantação desses projetos no Brasil, de forma geral, atropelam direitos. Não tem uma hidrelétrica construída no Mato Grosso, por exemplo, na qual não existam casos de desrespeito aos direitos das pessoas e ilegalidades no licenciamento”, declara Edilene. “As hidrelétricas estão sendo empurradas goela abaixo e não importa  quantos direitos estejam envolvidos, quantos povos sacrificados e o quão respaldado você esteja juridicamente, o que prevalece é a vontade do governo e das empresas. São decisões extremamente arbitrárias”, conclui.

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