No dia 4 de agosto de 2015, o município de Campo Verde, MT sediou uma audiência púbica sobre o uso de agrotóxicos nas lavouras mato-grossenses. O evento aconteceu no período da manhã, no Fórum da Comarca de Campo Verde, e o que chamou atenção foi a superlotação do auditório. Não havendo acomodação para todos os que ali estavam, muitos tiveram que ficar parados do lado de fora. O fato demonstra que a sociedade está interessada em discutir o uso dos agrotóxicos. Antes mesmo dos profissionais iniciarem a exposição dos dados, já haviam pessoas inscritas para falar.
O evento foi possível graças ao empenho de vários profissionais através da iniciativa do Comitê Multi-Institucional do Sistema Judicial de Mato Grosso, que propôs um amplo debate sobre o uso desses venenos nas lavouras do Estado. Mais discussões deverão ocorrer em outros municípios do Estado.
Estiveram presentes professores da UFMT, produtores agrícolas, autoridades públicas e representantes da sociedade civil, de entidades ligadas ao agronegócio (Famato, Andef, Aprosoja, Senar/MT) e das secretarias estaduais de Meio Ambiente (Sema), de Justiça e Direitos Humanos (Sejudh), de Saúde (SES) e de Agricultura Familiar e Regularização Fundiária (Seaf).
Após a abertura da audiência pela Dra. Maria Lúcia, os trabalhos foram conduzidos pela desembargadora Beatriz Theodoro, vice-presidente do TRT de Mato Grosso, que solicitou aos convidados da mesa, palestrarem em até dez minutos. Os inscritos para falar na sequência teriam apenas três minutos para fazer uso da palavra.
O procurador do trabalho, o Dr. Leomar Daroncho, discorreu sobre os impactos dos agrotóxicos em MT, apresentando slides com dados de pesquisas sobre produção de milho, algodão e soja e sobre a exposição dos agricultores aos agrotóxicos na produção. Enfatizou sobre dados obtidos com o Hospital Câncer de Mato Grosso, que indicam que grande parte dos pacientes tratados são das regiões que mais consomem agrotóxicos. O Dr. comentou: “vejo os produtores rurais como vítimas” e destacou que temos a segunda pior educação do Brasil, o que acentua a dificuldade de interpretação das figuras presentes nos rótulos das embalagens de agrotóxicos, causando intoxicação dos que manipulam os venenos. Em um artigo publicado dias antes sobre “Agrotóxicos: uma discussão inadiável”, Leomar afirma que “há farta produção científica e acadêmica indicando a correlação entre a exposição a agrotóxicos e o surgimento ou elevação dos índices de doenças crônicas”, e que estas “informações, de extrema gravidade, foram confirmadas em março de 2015 pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC)”.
O médico toxicologista, Dr. Wanderlei Pignati, professor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) realiza pesquisas sobre os agrotóxicos há 15 anos, e foi um dos palestrantes convidados. Ele reforçou a fala do procurador sobre a alta correlação entre as regiões com grande consumo de agrotóxicos e os pacientes que desenvolveram o câncer, assinalando uma maior incidência de casos de depressão, aborto, parto precoce e mesmo má-formação de feto, além de outras doenças provenientes da desregulação endócrina. O professor chamou atenção sobre o fato que apesar desses dados, cada ano aumenta o uso de agrotóxicos. Em 2014 foram jogados 140 milhões de litros de agrotóxicos nas lavouras mato-grossenses e a estimativa para 2015 é de 170 milhões de litros.
O representante do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar/MT) Walter Valverde, destacou que o uso dos agrotóxicos tem possibilitado o aumento da produção agrícola no campo. Ele afirmou que pesquisas recentes possibilitaram a produção de defensivos de menor impacto e defendeu também um aumento de discussões e parcerias entre o poder público e iniciativa privada, para buscar soluções compartilhadas e ampliar as ações já realizadas.
O vereador Carlos Zanata, médico veterinário representante da Famato, enfatizou que tudo reside no uso correto de agrotóxicos e que já os produtores rurais estão abertos ao diálogo, é porque acreditam que é possível encontrar um equilíbrio sem ideologia entre ambas as partes.
Após as palestras, foi possível subir à tribuna para apresentar diferentes pontos de vista. Alguns defenderam a redução do uso de agrotóxicos e a transição para uma agricultura ecológica, outros defenderam a importância dos ‘defensivos’ como ferramenta de aumento da produção de plantio e de colheita.
A maior parte das falas foram de produtores rurais e representes de entidades que defendem ao uso de “defensivos agrícolas”, argumentando que o termo “agrotóxico” é muito pesado. Sendo assim,eles preconizam um uso correto do veneno, para reduzir os custos de produção. Alguns deles questionaram os dados que correlacionam dos defensivos com o surgimento de doenças e outros. Alguns inclusive ousaram dizer que os slides apresentados estavam com informações distorcidas, incorretas, e que não poderiam discutir baseando-se em “achismos” e “sensacionalismo”.
A Dra. Débora Calheiros, pesquisadora da EMBRAPA, que estuda resíduos de agrotóxicos nas bacias hidrográficas da região, exigiu respeito frente à desqualificação das pesquisas realizadas pela UFMT e pela FIOCRUZ. Ela expressou sua indignação quanto ao desrespeito mostrado aos pesquisadores que estão preocupados com a saúde da população exposta aos efeitos dos agrotóxicos.
O procurador Dr. Luiz Scaloppe fez um apelo aos produtores que apliquem o excedente econômico em Mato Grosso, reafirmando que os dados apresentados pelo professor Pignati são verdadeiros.
João Inácio Wenzel, representando o Fórum Mato-Grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento – Formad apresentou o infográfico Batalha contra os Agrotóxicos (disponível para download) e enfatizou que é importante um uso correto dos agrotóxicos, mas que isso não é suficiente. É preciso adotar urgentemente o programa nacional de redução de agrotóxicos (Pronara) com metas claras, a exemplo de outros países. “É possível produzir sem agrotóxicos e há vários exemplos de produtores que já o fazem em larga escala” disse João Inácio.
Ao ter a oportunidade de responder aos questionamentos e acusações sobre dados incorretos, o Dr. Pignati enfatizou sobre a necessidade de se discutir “ciência com ciência”, esclarecendo que as pesquisas realizadas pela UFMT em parceria com a FIOCRUZ são fundamentadas pela OMS (Organização Mundial de Saúde), e já foram publicadas em diversas revistas internacionais. Por exemplo, a metodologia utilizada na pesquisa em Lucas do Rio Verde sobre o leite materno foi replicada nos Estados Unidos com os mesmos resultados.
Uma nova audiência pública ficou agendada para o dia 21 de setembro, às 15h, na Assembleia Legislativa do Estado do Mato Grosso, para debater os níveis de contaminação por agrotóxicos.