Leia abaixo a análise do Instituto Humanitas Unisinos*
Código Florestal atropela Rio+20
A presidente Dilma Rousseff corre contra o tempo. Precisa desativar uma bomba de efeito devastador a curtíssimo prazo. Daqui a pouco mais de um mês, o país sediará a Rio+20 e a aprovação do retalhamento do Código Florestal às vésperas da Conferência sobre Desenvolvimento Sustentável empurra o país para uma situação delicada uma vez que é o anfitrião do evento. Da pretensa “vanguarda” no debate mundial sobre a mitigação do aquecimento global, o país pode correr o risco de passar vexame. A decisão está nas mãos de Dilma.
Rompendo acordo com o governo, os ruralistas aprovaram o retalhamento do Código ampliando ainda mais os retrocessos do texto aprovado no Senado.
O resultado foi uma derrota para o governo que defendia a aprovação na íntegra do texto definido no final do ano passado. Reiteradas falas do governo anunciaram que o texto dos senadores não era o ideal, mas o possível de ser alcançado pela mediação dos interesses presentes no Congresso Nacional. A bancada ruralista, entretanto, mantendo-se fiel aos seus interesses de classe desconsiderou a posição do Palácio do Planalto e atropelou a tudo e a todos.
Agora o governo encontra-se numa saia justa. A participação do país na Rio+20 – ousadia ou vexame – está condicionada à postura que a presidente Dilma adotará em relação às alterações do Código Florestal. Organizações ambientalistas internacionais já afirmam que o Brasil pode estar perdendo a liderança no movimento ecológico global caso mantenha as alterações no Código Florestal.
Representantes da WWF e do Greenpeace disseram que o Brasil sempre foi visto como um dos países mais ativos na promoção de ideias ambientais em fóruns internacionais, como as reuniões sobre mudanças climáticas da ONU. Mas, a aprovação do texto do deputado Paulo Piau (PMDB-MG) pode provocar uma mudança nessa percepção. “É um choque estarem alterando o Código Florestal que protege a floresta amazônica. Com a proximidade da Rio+20, isso bota muita pressão sobre a presidente Dilma Rousseff. Será muito difícil para ela se apresentar como defensora do ambiente”, disse Sarah Shoraka, ativista especialista em florestas do Greenpeace do Reino Unido.
“Durante a campanha ela [Dilma Rousseff] havia dito que não apoiaria nenhuma legislação que aumentasse o desmatamento e que desse anistia a criminosos, mas a proposta atual faz exatamente essas duas coisas. Agora é tudo uma questão da credibilidade dela, e o quanto ela está disposta a mudar”, reafirmou Sarah Shoraka. Segundo ela, “o Brasil tem uma trajetória de país moderno, que sempre esteve na liderança dos compromissos ambientais tendo em vista a sua posição na Conferência de Mudanças Climáticas de Copenhague [2009]. O país sempre esteve na frente e puxando os outros países. A aprovação deste texto é um retrocesso”, disse a ativista.
E agora Dilma?
Para os ambientalistas que acompanharam o embate em Brasília, o sentimento é de tristeza. “Estamos tentando digerir o que aconteceu. Estamos nos preparando para ajudar a presidente Dilma a exercer poder de veto completo”, afirmou Maria Cecilia Wey de Brito, secretária-geral. Para ela, “a mensagem para a sociedade brasileira é negativa. Fica claro que os deputados acham aceitável que as pessoas que cometem ilegalidade sejam perdoadas. E quem sempre cumpriu a lei fica se achando injustiçado”.
Sobre as mudanças no Código Florestal, a ex-ministra Marina Silva afirma que “as avaliações são unânimes em dizer que foi o maior retrocesso no arcabouço institucional das políticas socioambientais no Brasil desde a ditadura”. “Agora é a hora de se confirmar para quem esse governo foi eleito”, destaca o jornalista Leonardo Sakamoto. Segundo ele, “seja qual for a decisão que Dilma tomar sobre o novo Código Florestal, aprovado pela Câmara dos Deputados, ela será emblemática. Mostrará o que será o resto do seu mandato presidencial”.
Com o peso de ter sido ministra do meio ambiente e forte credibilidade internacional, Marina Silva, comentou que “o novo Código Florestal aprovado pela Câmara é tudo, menos florestal”. Segundo a ex-ministra, “a presidente Dilma terá que decidir qual modelo de desenvolvimento quer para o país. Não dá para ter na mesma base de apoio o sonido da motosserra e o canto do uirapuru. Agora, resta a ela usar seu poder de veto ou compactuar com o que está posto. Chegou a hora da verdade. Veta, Dilma. Veta tudo, não pela metade”, pede ela.
Marina Silva, tendo presente a proximidade da Rio+20 e provável pré-candidata à presidência em 2014, dá uma estocada em Dilma: “Temos todas as condições de liderar o processo de transição para o desenvolvimento sustentável. O Brasil pode ser para o século XXI o que os Estados Unidos foram para o mundo no século XX. Mas são necessárias visão antecipatória e determinação de perseguir nosso destino de grande potência socioambiental. Não é fácil fazer a melhor escolha, porém é na pressão dos grandes dilemas que se forja a têmpera dos que estão afiados a talhar os avanços da história”.
A proximidade da Rio+20 e o impacto da decisão da Câmara dos Deputados é também destacada pelo deputado Alfredo Sirkis (PV-RJ): “Vivemos aqui um momento importante, vai ser votado, com os olhos do mundo em nós, esse retrocesso espantoso na política ambiental. Estamos a dois meses da Rio+20, e esta casa se prepara para dar um espetáculo deprimente de farsa. Farsa quando se pretende defender aqui os pequenos proprietários. Aqui, o que está em questão é interesse de especuladores de terra que vão ganhar fortuna quando não houver necessidade de se recompor áreas de preservação permanente”.
O deputado acrescentou que “diante desse desafio à sua autoridade, e do vexame que o Brasil irá sofrer perante o mundo com a aprovação da proposta, só restará à presidente Dilma vetar o relatório”.
A decisão de Dilma não será fácil. “Se Dilma vetar a maior parte do texto, estará apoiando os que atuam na defesa de um desenvolvimento minimamente sustentável e na garantia da qualidade de vida das gerações futuras. Isso vai satisfazer ambientalistas, cientistas, parte dos formadores de opinião e da sociedade civil, alguns ministros” diz Sakamoto. Porém, acrescenta ele, “comprará uma boa briga com a Frente Parlamentar da Agricultura, vulgo Bancada Ruralista, federações de produtores rurais, outros ministros e grandes empresas do agronegócio – que veem no instrumento uma forma de facilitar seus processos produtivos e aumentar seu poder de concorrência e ou sua taxa de lucro”.
Se sancionar o Código Florestal, entretanto, diz o jornalista “vai mandar um recado claro: as políticas sociais e ambientais, declaradas como prioritárias, serão aplicadas desde que dentro de limites impostos pela governabilidade. Ou seja, cada situação tem sua implicação. Agora é a hora de se confirmar para quem esse governo foi eleito”, conclui.
Dilma não vem sendo poupada pelo retalhamento do Código Florestal. Para o ex-secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente João Paulo Capobianco, o Código representa um retrocesso jamais visto, após muitas tentativas fracassadas. Ele afirma que, pela primeira vez, um governo cedeu, por omissão, e abriu a porteira para as demandas dos conservadores: “Eu diria que a presidente Dilma, entre o desenvolvimento acelerado e a conservação ambiental, ela não pensa na compatibilização. Suas ações recentes mostram claramente isso. Ela compartilha, inclusive, com o resultado da negociação do Código no Senado, que era um enorme retrocesso também”.
Diante da forte repercussão negativa da aprovação do novo Código – basta dar uma olhada nas tuitadas -, o ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, disse que a presidente Dilma Rousseff vai analisar o novo Código Florestal com “sangue frio e tranquilidade”. “Como nos é dado pela Constituição o direito do veto, a presidente vai analisar com muita serenidade, sem animosidade, sem adiantar nenhuma solução”, afirmou.
Há sinais, entretanto, dada a forte repercussão negativa e a proximidade com a Rio+20 que a presidente vai vetar os artigos mais polêmicos do Código Florestal. Entre eles, os que tratam da recomposição das matas ciliares e da “anistia” a desmatadores. “Ela vai meter a caneta e chegar à Rio+20 carregada”, diz um influente líder do PT, destaca a imprensa.
Gilberto Carvalho disse que a Rio+20 deve pesar na decisão da presidente, mas nem tanto: “Menos, porque é um episódio. Mais importante é o nosso cuidado com a preservação e o modelo de desenvolvimento sustentável que nós pregamos”, disse. “Importante é o crescimento, a inclusão social e o cuidado com a natureza. É a preservação pensando no presente e nas gerações futuras. Isso sim e, evidentemente, os compromissos que ela assumiu durante a campanha serão os parâmetros que vão nos orientar”.
Representantes da bancada ruralista, porém, tem desafiado a presidente e prometem resistir no caso de um veto. O deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), paradoxalmente um dos líderes do governo na Câmara dos Deputados e dos que mais se empenharam pelas alterações no Código Florestal, redigido por Piau, disse que “o governo é ambientalista, mas também é ruralista, é pecuarista”, numa indicação do forte corporativismo do agronegócio na Câmara do Deputados . O relator do retalhamento do Código Paulo Piau (PMDB-MG), disse por sua vez que espera “que a presidente não queira dar satisfação para o mundo e para a opinião pública nacional”.
No caso de um eventual veto parcial Dilma, o ministro do Desenvolvimento Agrário, Pepe Vargas, que esteve reunido com a presidente pós-alteração no Código Florestal, não crê em derrubada de veto por parte do Congresso. Para derrubar um possível veto da presidente é preciso maioria absoluta tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado Federal, ou seja, o aval de 257 deputados e 41 senadores.
Código Florestal e suas implicações do local para o global
Aprovação da flexibilização do Código Florestal é um enorme retrocesso quando se tem presente o debate sobre a crise climática e, ainda mais grave, quando se está às vésperas da maior Conferência mundial que debaterá como transitar para uma economia de baixo carbono. O fato do Brasil sediar a Conferência aumenta suas responsabilidades.
Já está claro que muito se avançou na consciência planetária da gravidade sobre a crise climática. Contribuiu decisivamente para essa nova consciência o relatório do IPCC de 2007 ao afirmar que já não há mais contestação de que o responsável pela evolução acelerada da tragédia ambiental é a ação antropogênica sobre a Terra. Os pesquisadores e cientistas à época foram categóricos e não deixaram espaço para dúvidas ao afirmar de forma contundente – o relatório utilizou a expressão “inequívoca” – que o aquecimento global se deve à intervenção humana sobre o planeta.
De lá para cá, porém, aumentou ainda mais a percepção da gravidade da crise climática. O próprio IPCC num relatório de março de 2012 intitulado “Relatório Especial sobre Gerenciamento de Riscos de Eventos Extremos e Desastres para o Avanço da Adaptação Climática (SREX)” alerta que o momento é de se preparar para “os eventos extremos que já são inevitáveis”.
O quadro hoje seria pior do que o alardeado pelos cientistas no relatório de 2007 e alguns limites planetários já foram ultrapassados: os do aquecimento global, a extinção de espécies e o ciclo do nitrogênio. Outros quatro estariam próximos: uso da água doce, conversão de florestas em plantações, acidificação dos oceanos e ciclo do fósforo. Os outros dois são a contaminação química e a carga de aerossóis na atmosfera.
Dados sobre o ano de 2011, apresentados pelo Escritório das Nações Unidas para a Redução de Riscos de Desastres (UNISDR), por exemplo, dão conta de que ocorreram “302 desastres naturais, que mataram 29.782 pessoas, principalmente na Ásia”. No caso do Brasil, registrou-se 900 mortes “causadas pelos impactos das inundações e dos deslizamentos de terras provocados pela chuva”. Todos esses desastres, além de ceifarem vidas, geraram prejuízos de US$ 366 bilhões.
A responsabilidade do agravamento está diretamente vinculado ao tipo de desenvolvimento econômico implantado, especialmente, ao longo dos últimos dois séculos, baseado no paradigma do crescimento econômico ilimitado, na ideia de progresso infinito e na concepção de que os recursos naturais seriam inesgotáveis e de que a nossa intervenção sobre a natureza se daria de maneira neutra. Na origem da crise ecológica, portanto encontra-se o “modo de produção” e o “modo de consumo” que se tornaram insustentáveis e incompatíveis com os limites do nosso Planeta.
É a partir desse contexto que deve ser interpretada a decisão sobre o Código Florestal e a importância da Rio+20.
Nos últimos dias, um documento assinado por dezessete grandes cientistas ganhadores do prestigioso Prêmio Planeta Azul, reafirmam que “o sistema atual está falido” e sugerem que “o mundo reduza rapidamente suas emissões de gases do efeito estufa, troquem o PIB (produto interno bruto) por uma medida mais holística de bem-estar nacional, desassociem a destruição ambiental do consumo, reduzam os subsídios para combustíveis fósseis e práticas agrícolas ambientalmente destrutivas, coloquem um valor de mercado em serviços de biodiversidade e ecossistema, trabalhem com movimentos de base para criar uma ação de baixo para cima, e finalmente, combatam a superpopulação”. Os cientistas e ambientalistas dizem que é preciso combater o “mito de que economias podem crescer para sempre”.
A tese de que o Planeta não é sustentável sem controle do consumo e da população vem ganhando força. Estudo recém publicado pela Royal Society (associação britânica de cientistas) afirma que o consumo excessivo em países ricos e o rápido crescimento populacional nos países mais pobres precisam ser controlados para que a humanidade possa viver de forma sustentável.
A afirmação é polêmica, porém, outros estudos vão na mesma linha ao afirmarem que o crescente aumento da população e o seu poder de consumo levarão os recursos naturais do Planeta ao esgotamento. Philip Stephens, editor e comentarista político do Financial Times, destaca que o crescimento do poder de consumo de países com China, Índia e Brasil mudarão a geopolítica do consumo e “em 20 anos, o mundo que agora é pobre de forma predominante passará a ser em sua maioria de classe média”.
Os números brutos estão delineados em um relatório intitulado Tendências Mundiais 2030 – recém -publicado pelo Instituto de Estudos de Segurança (ISS, na sigla em inglês), com sede em Paris. Sobre o relatório, diz o jornalista: “Pelas tendências atuais, destaca o informe, as fileiras da classe média mundial passarão das cerca de 2 bilhões de pessoas atuais para 3,2 bilhões em 2020 e para 4,9 bilhões em 2030, quando a população mundial total seria de pouco mais de 8 bilhões. Dito de outra forma, pela primeira vez na história humana, haveria mais pessoas na classe média do que na pobre”.
Philip Stephens cita, entre outros, o caso brasileiro: “Quase 70% dos brasileiros deverão estar na classe média em 2030. No mesmo ano, a América Central e América Latina terão tantos consumidores da classe média quanto a América do Norte. A transição será mais lenta na África, mas mesmo lá os números deverão mais do que dobrar em relação a 2030”.
Ora, as implicações dessa transformação serão profundas quando pensadas sob a perspectiva da crise climática. Destaque-se aqui novamente a intuição do documento dos cientistas ganhadores do prêmio Planeta Azul: “Há uma necessidade urgente de quebrar a ligação entre a produção e o consumo e a destruição ambiental (…) Um crescimento material indefinido em um planeta com recursos naturais finitos e frequentemente frágeis seria insustentável”, escrevem eles.
O capital e o mercado já têm sua proposta para superar esse eventual impasse, a “economia verde”. O significado desse conceito que estará entre os principais temas da Rio+20 abordaremos proximamente em outra ‘Conjuntura da Semana’.
A carta na manga brasileira para a Rio+20 pode virar um mico
Com a aprovação da flexibilização do Código Florestal, a estratégia do governo para a Rio+20 foi por água abaixo. O governo já vinha sendo acusado de pouca ousadia, mas tinha uma carta na manga.
Aumentam agora as expectativas de como se comportará o Brasil como anfitrião do evento. Se carregará o fardo de conivente com uma legislação que vai na contramão de tudo o que se defende internacionalmente ou se terá coragem de enfrentar os setores conservadores. As expectativas são a de que o país tenha um papel protagonista e impulsione acordos ousados e não meramente protocolares.
Ainda antes da bomba das mudanças no Código Florestal, o país já vinha sendo cobrado a adotar uma postura mais ousada nas negociações. Várias ONGs criticavam a falta de ousadia do país em assumir a liderança na defesa da sustentabilidade.
O coro da cobrança vinha ainda de setores da imprensa para quem o “governo brasileiro precisa assumir papel de liderança se quiser evitar fiasco político da conferência sobre desenvolvimento sustentável” e do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – Pnuma, através do seu diretor executivo Achim Steiner, para quem “o Brasil, como país anfitrião, não pode deixar que a cúpula apenas reafirme os compromissos de 1992. Isso será um fracasso. Já negociamos convenções demais. A Rio+20 é sobre implementação”, cobrou. “Este é um momento difícil no mundo para se fazer uma cúpula sobre desenvolvimento sustentável”, continuou, “mas não podemos trazer 190 países e esperar pelo melhor, não se trata de um desfile de chefes de Estado”, disse o relator do Pnuma.
Ciente da necessidade de maior ousadia na Rio+20 e das críticas em relação ao pouco entusiasmo com a Conferência, o Brasil estaria guardando uma carta na manga para se sair bem. Trata-se da proposta de criação de um piso mundial de proteção socioambiental preparada pelo país.
A proposta assemelha-se a uma espécie de Bolsa-Família em âmbito global já incorporado como experiência-modelo pela Organização das Nações Unidas (ONU). A ideia guarda elementos de outro programa, o Bolsa Verde, que remunera famílias que vivem em unidades de conservação na Amazônia e adotam práticas ambientais sustentáveis. Além de garantir uma renda mínima para combater a extrema pobreza, o piso socioambiental proporcionaria uma remuneração extra aos pobres pela proteção de florestas e a recuperação de áreas degradadas.
Essa proposta é coerente com a postura do país em não separar a questão social da temática ambiental. É no casamento das agendas de combate à pobreza extrema e de proteção do meio ambiente que o governo Dilma Rousseff aposta ganhar uma certa liderança para o Brasil nos próximos debates do desenvolvimento sustentável.
O problema agora, é que com a aprovação do retalhamento do Código Florestal falar em uma espécie de Bolsa Verde para proteger o meio ambiente manifesta profunda incoerência. Como o país se dispõe a pagar pela proteção do meio-ambiente se ele mesmo é leniente com uma legislação que destrói o que a “Bolsa Verde” se propõe a proteger.
A única forma do país não sofrer um constrangimento maior é o veto ao menos parcial da presidente Dilma Rousseff as alterações do Código Florestal, principalmente aos artigos da anistia aos desmatadores, recomposição e preservação de matas ciliares nos rios e intocabilidade das APP’s – considerados áreas que protegem as margens dos rios, encostas, topos de morro, restingas, mangues e biomas específicos.
Há, porém, outro problema para o Brasil como anfitrião do evento: o risco do seu esvaziamento. A chanceler alemã Angela Merkel já avisou ao governo brasileiro que não virá para a Rio+20; o primeiro-ministro britânico, David Cameron também não virá. Além do desfalque da maior economia europeia, é incerta também a presença do presidente dos Estados Unidos Barack Obama na conferência que marca os 20 anos da Eco-92. A ausência de Merkel pode representar um temor que começa a transparecer nas falas de negociadores europeus, de que a Rio+20 não terá resultados fortes o bastante.
#Veta Dilma. Onde está o movimento social?
Cresce o movimento para que Dilma vete as alterações no Código Florestal. Quem puxa o movimento são as organizações ambientalistas que desde o começo têm tido uma postura mais determinada na luta contra os retrocessos no Código Florestal.
Essas organizações apesar de sua crescente influência na sociedade têm ainda um poder de fogo limitado. Chegam sobretudo aos setores da classe média e têm dificuldade de um maior enraizamento popular. Usam a emergência da Internet com suas redes sociais e seus espaços para o compartilhamento de dados e informações como ferramenta de pressão e mobilização, mas ficam muitas vezes isoladas e não conseguem o apoio e articulação de outros movimentos.
Cumprem mesmo assim um papel importantíssimo e estão puxando a resistência às alterações no Código Florestal. É dessas organizações que vem a chamada para que Dilma vete as mudanças e vete tudo!
Outras organizações sociais não demonstram a mesma energia nessa luta. O Movimento Sem Terra – MST desde o início se manifestou contra a flexibilização do Código Florestal. Nesses dias publicou nota em seu portal afirmando que Dilma “precisa vetar todas as mudanças no Código Florestal para proteger natureza”. Apesar dessa postura, o tema não entrou com força na agenda do “Abril vermelho”, quando muito, lateralmente.
A Central Única dos Trabalhadores – CUT também não tem priorizado essa pauta. Nos últimos dias se manifestou pelo seu portal, mas a sensação é que se trata muito mais de uma postura protocolar, não há nenhum indício de mobilização sobre o tema. A Conlutas e a Intersindical, organizações que se denominam mais a esquerda no espectro sindical, tampouco tem se mobilizado com o tema. Aguardemos o 1º de maio para ver se o Código Florestal será abordado nas manifestações.
Quem também tem decepcionado na luta contra o retalhamento do Código Florestal é a Conferência Nacional dos Bispos Brasileiros – CNBB. Apesar de ter abordado o tema numa Campanha da Fraternidade específica – a CF 2011 – “Fraternidade e a Vida no Planeta”, o que se vê é que a entidade tem dedicado muito das suas energias a temas como o aborto e a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) que se realizará em 2013 no Brasil. Reunidos nos últimos dias em sua 50ª Assembleia Geral em Aparecida (SP) não houve nenhuma manifestação institucional sobre o Código Florestal.
Houve, porém, um comunicado oficial da criação de uma comissão para acompanhar o trabalho de reforma do Código penal Brasileiro. Segundo dom Dimas Lara Barbosa, presidente da Comissão Episcopal de Pastoral para a Comunicação da CNBB, como se trata de um tema abrangente e delicado, as questões levantadas por alguns setores preocupam a Igreja. “Aqueles que defendem a redução da maioridade penal, a pena de morte, a descriminalização do aborto e alguns outros temas que não levam em conta em primeiro lugar a pessoa humana”, disse o bispo.
As pastorais sociais, por sua vez, encontram-se fragilizadas e até mesmo a Comissão Caridade, Justiça e Paz da CNBB não tem conseguido uma maior articulação das pastorais sociais no debate sobre o tema e influenciado os bispos para que se posicionem.
Dessa forma, a campanha pelo # Veta Dilma deverá crescer nas redes sociais, mas nas ruas será frágil. A aposta para que Dilma vete ao menos parcialmente o retalhamento do Código é a promessa da presidente ainda na Campanha eleitoral. Na época Dilma se colocou contra os principais pontos do texto do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) e em especial o que anistia quem desmatou ilegalmente.
Confira o que prometeu a então candidata à Presidência Dilma Roussef: “a eventual conversão de multas só deve ocorrer após ações efetivas de recuperação das áreas desmatadas ilegalmente”, e citou o Programa Mais Ambiente do governo federal como um caminho seguro para a regularização ambiental das propriedades agrícolas. Dilma diz não acreditar que a atual legislação ambiental seja um entrave à expansão agropecuária. “O Brasil pode expandir sua produção agrícola sem desmatar. Hoje existem 60 milhões de hectares de pasto mal utilizados ou subutilizados que precisam ser recuperados”.
Agora é a hora de Dilma honrar sua promessa e vetar o estrago feito pela bancada ruralista.
FONTE: Instituto Humanitas Unisinos – IHU
*A análise da conjuntura da semana é uma (re)leitura das “Notícias do Dia’ publicadas diariamente no sítio do IHU. A análise é elaborada, em fina sintonia com o Instituto Humanitas Unisinos – IHU, pelos colegas do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores – CEPAT, parceiro estratégico do IHU, com sede em Curitiba-PR e por Cesar Sanson, professor na Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, parceiro do IHU na elaboração das Notícias do Dia.