POR: João Inácio Wenzel
Há muitos anos venho buscando uma alimentação mais saudável, mas está cada vez mais difícil conseguir estes alimentos. Peregrinamos pelos quatro maiores redes de supermercados de Cuiabá – Atacadão, Modelo, Comper e Biglar – e não encontramos sequer um óleo de soja, nem fubá de milho não Transgênica. Somente no Biglar, encontrávamos óleo não transgênico, a um preço três a quatro vezes mais caro, mas desta vez nada encontramos. Estranho! Quase não dá para se aventurar pelas BRs 163 e 364, de tanta carreta carregando soja ou milho para os grandes portos, mas não encontramos óleo de soja, nem fubá de milho não transgênico em nenhum mercado. “Que país é este?” Temos liberdade de ir e vir, mas não temos liberdade de escolher o que comer!
Esta peregrinação inglória me fez lembrar a história da besta do livro do apocalipse de São João, capítulo 13: “Vi depois outra Besta sair da terra: tinha dois chifres como um Cordeiro, mas falava como um dragão… Graças às maravilhas que lhe foi concedido realizar em presença da (primeira) Besta (a que saiu do meio do Mar e simboliza o império romano), ela seduz os habitantes da terra, incitando-os a fazerem uma imagem em honra da Besta que tinha sido ferida pela espada, mas voltou à vida… Faz também com que todos, pequenos e grandes, ricos e pobres, livres e escravos recebem uma marca na mão direita ou na fronte, para que ninguém possa comprar ou vender se não tiver a marca, o nome da Besta ou o número de seu nome. Aqui é preciso discernimento! Quem é inteligente calcule o número da Besta, pois é um número de homem: seu número é 666!”
As notas de rodapé das edições das Bíblias explicam que em grego e no hebraico, cada letra do alfabeto tinha um valor numérico. Assim, a soma das letras do nome César-Neron, escrito em hebraico, dá exatamente o número 666. Desta forma, as comunidades cristãs, ao nomearem a besta, perdiam o medo e resistiam às forças de morte do império romano até à morte. Tinham a firme convicção de que aqueles que lutam pela vida, ainda que sejam mortos, vivem para sempre, pois aquele que veio “para que todos tenham vida” e que fora assassinado na cruz, estava vivo no meio deles.
A Besta tem dois chifres como o Cordeiro, mas sua prática não engana, pois sua fala é como a do Dragão. Confundem-se, na aparência. Apresenta-se como se ela fosse a salvadora do universo. Mas ela é o falso Cristo.
Parece-me que hoje, onde se lê 666, poder-se-ia ler OGM, Organismo Geneticamente Modificado, os transgênicos. Aparentemente os grãos são iguais às outras. Mas por dentro levam o número da Besta, um gene de outra espécie que a torna resistente a herbicidas, fungicidas ou pesticidas. Ainda bem que a lei de defesa do consumidor exige que os pacotes dos supermercados que contém produtos geneticamente modificados sejam assinalados com a letra T, num triângulo de fundo amarelo.
No texto do apocalipse, o número 666, escrito na mão direita ou na cabeça, simboliza as ações do império e a sua inteligência para convencer a população da necessidade da “paz e segurança” imposta pelo império. O império neoliberal de hoje seduz a população com argumentos ideológicos e ações políticas e econômicas para impor seu modelo de produção agrário como único capaz de resolver todos os problemas do mundo. Primeiro disseram que era para produzir alimentos suficientes para acabar com fome do mundo, mas com todo o aumento da produção, dois bilhões de pessoas continuam a passar fome. O problema não está na falta de alimentos, mas na distribuição dos mesmos.
Depois, introduziram as sementes geneticamente modificadas, dizendo que com isso iria diminuir o uso de agrotóxicos. No entanto, as vendas desses produtos aumentaram mais de 72% entre 2006 e 2012 – de 480,1 mil para 826,7 mil toneladas -, segundo dados do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Agrícola (Sindag). Disseram também que os OGM eram inofensivos à saúde humana, mas estudos recentes do biólogo Gilles-Éric Séralini, da universidade de Caen, na França, comprova que ratos submetidos por dois anos a uma dieta de milho geneticamente modificado, desenvolvem duas a três vezes mais tumores dos que aqueles alimentados com milho orgânico.
Aos argumentos e à pressão político-econômica sucumbiu a mídia, o governo popular do Lula e o atual governo e a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) que deveria realizar um papel de fiscalização. Segundo a entrevista de Leonardo Melgarejo concedida ao IHU online, representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário na CTNBio, a comissão técnica não faz análises independentes nem testes a longo prazo. Diz ele que “a única maneira de assegurar ausência ou, pelo menos, redução no consumo de transgênicos, isso na alimentação de qualquer família, reside na aproximação com redes de produtores orgânicos”.
A essa mesma pressão sucumbem igualmente os atuais candidatos a prefeito de Cuiabá. O comitê contra os agrotóxicos de Cuiabá levou pessoalmente uma carta a todos os candidatos, através dos comitês eleitorais, exigindo um compromisso do candidato para estabelecer legislação proibindo o uso no município dos agrotóxicos e ingredientes ativos já banidos em outros países, proibir a pulverização aérea de agrotóxicos no município e construir políticas públicas de incentivo à agroecologia, mas até hoje (28/09) nenhum candidato assinou o compromisso. Será que todos são financiados pelo agronegócio?
Não vi nenhum candidato a vereador propor uma fiscalização para averiguar a aplicação da lei que exige que, no mínimo, 30% da merenda escolar seja fornecida pela agricultura familiar. Não vi nenhuma proposta de aumentar o mínimo que exige a lei, quem sabe, de 30 para até 100%, como já é feito em alguns municípios, como Mirassol do Oeste. E porque não incentivar a agroecologia para que se produza alimentos saudáveis não só para as crianças, mas para toda cidade?
Diante disso tudo, o que fazer?
Em tempos de vacas gordas para o agronegócio e de vacas magras para a agricultura familiar e orgânica, o que se pode fazer é resistir, como o fizeram as comunidades do apocalipse, no final do primeiro século. Deram nome à besta e mostraram o mal que ela fazia. Sabiam que, quem luta pela vida, vive para sempre.
Da mesma forma, somente denunciando os efeitos nefastos e rastros de morte que deixa a monocultura transgênica e a “revolução verde” à base de venenos que matam, é possível mudar o modelo hegemônico de produção agrícola. Forjar políticas públicas que revertam este jogo, que apostem em territórios livres de transgênicos e agrotóxicos é um caminho viável.
O consumidor pode fazer a diferença, na medida em que ele se aproxima mais das redes de produção orgânica, e exige que o mercado apresente opções de produtos orgânicos a preço justo.
*Pesquisador do Fórum Mato-grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento – FORMAD