Conselho Estadual de Pesca para, sem explicação

Desrespeitando Regimento Interno, Sema interrompe atividades do Cepesca sem avisar conselheiros.

A política de pesca de Mato Grosso está prejudicada, desde o mês de outubro de 2020, por conta da interrupção das atividades do Conselho de Pesca (Cepesca), órgão vinculado à Secretaria de Estado de Meio Ambiente de Mato Grosso (Sema-MT). De acordo com conselheiros que representam organizações não governamentais vinculadas ao Fórum Mato-grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento (Formad), o calendário de reuniões ordinárias de 2020 não foi cumprido pela Sema. Além disso, a secretaria-executiva do conselho está sem nenhum representante, que deve ser indicado pelo executivo.

A paralisação fere o regimento interno do Cepesca que determina a reunião ordinária a cada dois meses. A interrupção dos trabalhos prejudica a indicação de políticas públicas para a proteção de ambientes aquáticos em regiões de Cerrado, Amazônia e Pantanal e das atividades de todos os segmentos da pesca. O Cepesca também é responsável por definir a época de piracema, único tema deliberativo do conselho.

Para Luciano Pereira da Silva, arqueólogo, professor universitário e membro da Associação Xaraiés, é urgente retomar os trabalhos do conselho e considerar o cenário atual para definir as diretrizes, levando em conta os impactos ambientais que interferem nos estoques pesqueiros de Mato Grosso.

Ele cita dois exemplos recentes: a morte de 40 toneladas de peixes em decorrência das atividades da Usina Hidrelétrica de Sinop e dos efeitos da decoada decorrente dos incêndios no Pantanal. “Existem pesquisadores da área que anualmente estudam peixes e compartilham avaliações e pareceres no Cepesca para definir o período de defeso. Sem as reuniões do conselho em 2020, o período da piracema foi o mesmo de 2019/2020, mas a lógica climática e outras alterações ambientais podem fazer diferença, entretanto, ressalta-se que assunto de tal relevância deve ser colocado em debate dentro do órgão colegiado que detém tal atribuição”, diz.

O conselheiro Ricardo Carvalho, engenheiro de pesca e indigenista da Operação Amazônia Nativa (OPAN), explica que as orientações do conselho à sociedade são baseadas em estudos científicos e qualificadas pelo conjunto de representantes do conselho, envolvendo colônias de pesca, pescadores esportivos, ambientalistas, populações tradicionais e organizações da sociedade civil e do poder público.  “Este é um conselho bem representativo e com discussões amplas”, avalia.

Luciano reitera a importância do conselho na regulamentação de temas de interesse da sociedade mato-grossense, e destaca o caráter democrático e inclusivo do Cepesca. “Em 2018, por exemplo, o conselho cumpriu um papel inédito, histórico e de extrema relevância social durante a regulamentação do uso de barracos e taboados por pescadores. O grupo de trabalho reuniu diversas instituições durante um ano que foram agrupadas graças ao Cepesca”, relembra. “O que difere o Cepesca dos outros conselhos é que a sociedade civil ali representada conseguiu em 2018 inserir e discutir pautas propositivas, de interesse e relevância para o dia a dia das comunidades que se dedicam à pesca de subsistência, artesanal ou ainda relacionada à pesca amadora.”

Atribuições do Cepesca comprometidas

Parte das ações do Cepesca são realizadas em Grupos de Trabalho (GTs). As recomendações desses grupos também ficaram paradas de outubro para cá. O representante da OPAN, Ricardo Carvalho, contou que um desses GTs realizou um trabalho importante para a elaboração de um programa de monitoramento de recurso pesqueiros envolvendo eixos da Biologia, Ecologia e Educação Ambiental e as bacias hidrográficas do Araguaia e da Amazônia, além do Pantanal, que já vem sendo melhor monitorado. O trabalho foi concluído com previsão de início já em 2022, e enviado à Sema para captação de recursos visando a execução das atividades, mas ainda aguarda movimentações por parte do órgão estadual.

“Em 2021, temos pautas imprescindíveis para serem definidas pelo Cepesca, dentre elas, o período de defeso 2021/2022. A outra pauta que será apresentada pelas organizações não governamentais do conselho consiste na proposição de um termo de referência para a pesca artesanal no licenciamento de empreendimentos hidrelétricos. Esse tema deve ser articulado com os outros conselhos (Cehidro e Consema)”, explica a bióloga Luciana Ferraz, conselheira e representante do Fórum Nacional da Sociedade Civil nos Comitês de Bacias Hidrográficas (FONASC).

O secretário-executivo do Fórum Mato-grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento (Formad), Herman Oliveira, afirma que, a exemplo do Conselho de Meio Ambiente (Consema) e do Conselho Estadual de Recursos Hídricos (Cehidro),  a Sema não tem cumprido o regulamento do Cepesca. “As decisões dos conselhos devem ser feitas com a participação da sociedade civil, por meio dos conselheiros, e de acordo com os regimentos internos. Quando o governo deixa de agir no sentido de fortalecimento desses espaços de controle social, os conselhos, ele alija a sociedade da capacidade de observar o que está acontecendo, de entender o caráter excepcional que nós estamos vivendo e agir no sentido de contribuir com o próprio governo”, afirma.

Procurada pelo Formad, a assessoria de comunicação da Sema informou que a próxima reunião do Cepesca está agendada para o dia 17 de março, quando será definido o novo calendário anual das reuniões ordinárias. A secretaria também respondeu que os conselheiros serão comunicados hoje, 1º/3, sobre a reunião e, ainda, que já foi escolhida a nova secretaria-executiva do conselho, a ser nomeada oficialmente.

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