Por Bruna Pinheiro/Formad
No mês em que é celebrada a agroecologia e sua importância para a soberania alimentar e desenvolvimento sustentável, foi realizado o 2º módulo do Curso de Formação “Agroecologia Pé no Chão”, da FASE Mato Grosso. A etapa contou com a participação de cerca de 30 agricultores e agricultoras familiares de oito municípios mato-grossenses, com dinâmicas de grupos, mapeamento de sistemas produtivos, aferição do solo, e visitas a Sistemas Agroflorestais (SAFs). As atividades foram realizadas no Centro de Formação e Pesquisa Olga Benário (CECAPE-VG), em Várzea Grande, de 14 a 16 de outubro.
Para este módulo da formação, o conceito de lote/propriedade como um agroecossistema foi abordado com os agricultores e agricultoras. O objetivo, explica o educador da FASE-MT, Leonel Wohlfahrt, é ampliar os conhecimentos das famílias a respeito da importância do solo, da terra plantada, da qualidade de vida e o entendimento de que a agricultura familiar prioriza a vida, diferentemente do modelo do agronegócio. “Esta formação trabalha o conhecimento acumulado das pessoas. No primeiro módulo, construímos o básico. Agora a ideia é que eles se considerem e se entendam como agricultores familiares. Entender como é o agroecossistema em que estão situados, as relações dos sistemas produtivos e as diferenças da agricultura familiar para o agronegócio”, explica Leonel.
Já na primeira dinâmica, os participantes foram divididos em grupos para mapeamento de seus territórios e sistemas produtivos. Estiveram no curso, agricultores e agricultoras de Cáceres, Cuiabá, Chapada dos Guimarães, Mirassol D’Oeste, Poconé, Pontes e Lacerda, Nossa Senhora do Livramento e São José do Quatro Marcos. Durante a atividade, eles apresentaram como funciona a produção, a estrutura das comunidades, a divisão de trabalho e trocaram experiências sobre o que têm em comum. Alguns problemas como a perda de nascentes e matas ciliares, avanço do garimpo e desequilíbrio ambiental também foram discutidos.
O curso contou também com a exposição de conceitos de agroecossistemas, agrossilvicultura, SATs, manejo integrado de insetos e doenças e atividades práticas como a aferição das camadas de solo, visitas a SAFs e produção de fertilizantes orgânicos. Nos próximos módulos, serão abordadas as relações do agroecossistema com o entorno dos territórios, armazenamento para consumo e comercialização.
Para a moradora da Comunidade São Manoel do Pari, em Nossa Senhora do Livramento, Miguelina de Oliveira Campos, uma das mais importantes lições é a conscientização das populações a respeito do uso de agrotóxicos. “Desde que eu me entendo por gente, eu já trabalhava com agricultura e era sem veneno. Com o tempo, fomos convencidos de que usar veneno era melhor. Daí vimos que isso não dá certo. Hoje, todo mundo está se conscientizando que faz mal. Mata a terra, a planta, o dono. Na minha comunidade quase todos produzem sem veneno. Antes dar pouca produção, mas com saúde”, conta.
Agricultura x agronegócio
O conceito de “agri+cultura” x “agro+negócio” também fez parte das discussões do curso. Enquanto o primeiro refere-se à diversidade do campo, o segundo representa o negócio/lucro no meio rural. “A agricultura trata o campo dentro de um sistema cultural, respeitando o jeito que as pessoas vivem, o modo de produção. São relações que precisam conviver em harmonia, com troca. Estas pessoas precisam conhecer o solo, entender o que há nele, reconhecer o local e o potencial em que estão, para que se vejam como agricultores e saibam o que estão fazendo”, acrescenta Leonel Wohlfahrt, da FASE-MT.
Além dos quatro módulos do curso, há também “tarefas intermódulos”, que estimulam a pesquisa dos agricultores e agricultoras. Para a próxima etapa, os participantes serão desafiados à realização de um levantamento das ervas medicinais encontradas em seus territórios. O resultado será uma bibliografia registrada desta pesquisa. Outro ponto de destaque do curso é a “Troca de sementes”, com o objetivo de manter a diversidade do solo.
“Há uma erosão genética muito grande por conta da agressão ambiental, e do agronegócio, que acabam com a diversidade. Precisamos manter isso para garantir a vida. A troca de sementes é a melhor forma de evitar a perda de material genético”, explica Leonel.
Juventude na agroecologia
De acordo com um levantamento feito pela FASE-MT, a projeção para 2030 é de que a população que reside no meio rural seja de até 10%. Os últimos dados apontam um índice de 16% no país. Diante deste cenário, a esperança de sobrevivência da agricultura familiar está na juventude interessada na agroecologia. Na maioria dos relatos de agricultores familiares, a participação de jovens está cada vez menor, com os filhos e netos deixando o campo para tentarem a vida na cidade. As dificuldades para manter e vender a produção, com a falta de incentivos e políticas públicas estão entre as principais barreiras para a adesão de jovens.
Com quatro filhos criados e trabalhando na roça desde os 13 anos, Sebastião de Arruda, da Comunidade Quilombola Morrinhos, em Poconé, conta apenas com a esposa na produção. Juntos, eles produzem banha de porco, queijo, rapadura, melado, cana de açúcar, criam gado e ainda mantém a horta, sendo a venda destes produtos a única renda familiar. “Nenhum deles nunca se interessou pela terra.”
Enquanto alguns deixam o campo para a cidade, outros como a Maria Rita Schmitt Silva, fazem o contrário. Formada em Gestão Ambiental, desde 2019, ela mora no sítio da família, em Cáceres, onde tem investido na agroecologia. Já são duas agroflorestas plantadas e a ideia é começar outra ainda este ano. Na terra, ela e a família produzem abacaxi, banana e feijão, com o foco também na recuperação da terra degradada. “Quando você começa a automatizar o campo e as pessoas não fazem mais parte do processo, o sistema começa a ruir. Decidi fazer a única coisa que faria sentido para mim e transformar a minha vida em algo que eu realmente acredito.”
Sobre a oportunidade de trocar experiências e adquirir conhecimentos sobre modelos de produção agroecológicas, a jovem acredita ser de extrema importância. “Estes encontros são as grandes aulas de vida que não tive na universidade. Essas pessoas que estão aqui têm a solução para o aquecimento global, por exemplo, porque há muito tempo elas já não participam do que fez o planeta entrar em total desequilíbrio. É nada mais do que a minha obrigação dar voz a isso.”
O Curso de Formação de Multiplicadores – “Agroecologia Pé no Chão” é dividido em quatro módulos e faz parte do projeto Amazônia Agroecológica, desenvolvido pela FASE-MT e Amazônia. A primeira etapa foi realizada em setembro de 2021, no Quilombo Ribeirão da Mutuca, em Nossa Senhora do Livramento (MT). O próximo módulo está previsto ainda para 2022.