O Código Florestal e os caçadores de borboletas

Leia o artigo de Leonardo Sakamoto* "Cabíamos todos dentro de uma kombi. Éramos vistos como caçadores de borboletas ou algo semelhante.”

Anos atrás, ouvi de Paulo Nogueira Neto, um dos precursores da luta pela defesa do meio ambiente no país, que afirmar nos anos 60 que a preservação de um bando de araucárias era mais relevante que o “progresso” trazido por uma fábrica causava indignação, não só em empresários e governo, mas também entre a sociedade civil. O resultado disso é que, hoje, ecossistemas como o da Araucaria brasilienses se encontram à beira da extinção.

Houve ao longo dos anos uma mudança na forma como encaramos o impacto de nossas ações no meio ambiente. Continuamos destruindo, ferozmente e velozmente. Mas passamos a ter consciência de onde isso vai nos levar.

Já discuti isso aqui anteriormente, mas acho que vale a pena retomar por conta do veto presidencial a artigos do novo Código Florestal. Então, perdoem-me pela repetição.

A humanidade enfrenta a pior crise ambiental de sua história, correndo o risco de entrar em colapso com o esgotamento e a degradação dos recursos naturais. Os países da periferia recebem a culpa pelo desequilíbrio ecológico mundial, criticados pelo modelo de desenvolvimento que adotam, agressivo ao meio ambiente. O julgamento parte das nações mais ricas que, por mais de dois séculos, destruíram seus patrimônios naturais e continuam poluindo. As elites dos países periféricos clamam, por sua vez, pelo seu direito de também poluir, a fim de poder alcançar o mesmo nível de consumo das sociedades do centro.

Em algumas décadas, não haverá água potável o suficiente para suprir as necessidades de dois terços da população mundial – regiões metropolitanas, como a Grande São Paulo, já vivem crises periódicas de abastecimento. O efeito estufa está aumentando a temperatura global e provocando mudanças climáticas, enquanto a desertificação de áreas cultiváveis piora a fome. Uma nuvem de poluição paira sobre o Sudeste Asiático, levando crianças e idosos aos hospitais.

Um marco importante para a percepção de que o mundo caminhava no sentido errado se deu com a Conferência das Nações Unidas, em Estocolmo, em junho de 1972, que teve como resultado a Declaração do Meio Ambiente. Ela proclama que “a proteção e melhora do meio ambiente é uma questão fundamental que afeta o bem-estar dos povos e o desenvolvimento econômico do mundo”, sendo um desejo urgente das sociedades e um dever dos governos. Seus 26 princípios fundamentais influenciaram várias constituições, inclusive a brasileira de 1988, sob a forma do artigo 225.

Um ano após a conferência, criou-se a Secretaria Especial do Meio Ambiente (Sema), ligada ao Ministério do Interior, para orientar a conservação e o uso racional dos recursos naturais. Em 1981, foi estabelecida a Política Nacional do Meio Ambiente, orientando as ações do poder público na preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental e compatibilizando-as com o desenvolvimento econômico e social. Com ela e com a posterior implementação do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), as responsabilidades governamentais e os deveres da sociedade civil tornaram-se mais claras.

No início dos anos 70, começam as primeiras ações ambientalistas, ainda que de forma pontual e isolada. Os protestos de trabalhadores de uma fábrica de cimento em Perus, bairro paulistano, contra a poluição, e os desfiles do artista plástico espanhol Emílio Miguel Abellá em São Paulo com máscaras de gás são alguns exemplos. A atuação das universidades fez surgir uma massa crítica, necessária ao desenvolvimento da ecologia no país. Parte dos formados voltava-se às pesquisas. O resto seguia para pôr em prática a teoria.

Com a Anistia, em 1979, exilados políticos puderam retornar ao Brasil, trazendo consigo a vanguarda do debate ecológico europeu. O fim da ditadura e o processo de democratização possibilitaram um aumento na quantidade de informações disponíveis, atingindo um público que antes desconhecia o problema.

Nos anos que antecederam a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Eco 92, no Rio de Janeiro, o trabalho de defesa do meio passou a contar com uma visão mais integrada e profissional para enfrentar os novos tempos. Surge organizações não-governamentais, como a Fundação SOS Mata Atlântica. Chegam ao Brasil entidades internacionais com os mesmos objetivos. Biodiversidade, conservação, meio ambiente começavam a deixar de ser coisas de bicho-grilo e passavam a constar da preocupação da classe média.

A Eco 92 reafirmou Estocolmo, acrescentando o desenvolvimento sustentável como um dos princípios fundamentais. Deixou claro que o crescimento deve ser feito de forma a garantir a qualidade de vida às gerações presentes e futuras. E que os países são soberanos para escolher o melhor caminho para explorar os seus recursos naturais, tendo o cuidado de não causar danos a outros Estados. A mensagem de que é possível crescer em comunhão com o meio foi clara, mas fraca. Como a ONU não possui força afirmativa real para pôr em prática os princípios da Declaração do Rio de Janeiro, o apelo caiu por terra na década seguinte. Até porque os maiores poluidores, como os Estados Unidos, Japão e parte da Europa não acenaram com mudanças no seu modelo de desenvolvimento.

A chegada desses eventos gera a necessidade entre os governantes do país de mostrar alguma coisa. Hoje, Dilma vetou parcialmente o Código Florestal aprovado pelo Congresso, que fragiliza a proteção às florestas do país com medo da repercussão negativa. Fernando Henrique Cardoso chegou à Cúpula Mundial para o Desenvolvimento Sustentável, a Rio+10, realizada em Johannesburgo, África do Sul, em 2002, com a notícia da criação do maior parque nacional do mundo, o das Montanhas de Tumucumaque, entre o Amapá e Pará, com uma área equivalente a da Bélgica.

A Rio+10, como era esperado, foi um fracasso, com poucos compromissos assumidos pelos países desenvolvidos. Mesmo temor que ronda a Rio+20, com o apoio das nações emergentes.

Apesar de ser reconhecido internacionalmente por bons projetos de desenvolvimento sustentável, o Brasil gosta de passar por vexames, como o assassinato por fazendeiros do líder sindicalista e seringueiro Chico Mendes em 1988 ao defender a preservação da floresta em Xapuri, no Acre. Ainda não se encara o meio ambiente como algo integrado entre homem e natureza. Estamos longe de garantir meios para a sobrevivência da população dependente desses ecossistemas. Na pobreza e sem perspectivas, acabam por dilapidar o patrimônio natural para o sustento de seus filhos, através da captura de animais silvestres no Pantanal ou da coleta de palmito na Mata Atlântica.

O país possui uma das mais modernas legislações ambientais do mundo. A Lei de Crimes Ambientais, de 1998, estipula multas de alto valor e até prisão em caso de agressão ao meio. O problema é que muitas vezes a lei é deixada de lado ou é mal aplicada por incompetência ou conivência. Há, por exemplo, denúncias de Estudos e Relatórios de Impacto que teriam sido comprados para facilitar a aprovação de grandes obras pelos órgãos responsáveis. Além disso, mesmo com os avanços ao longo dos anos, entre elas a criação de um ministério dedicado apenas ao meio ambiente, o governo continua com uma contradição entre ação e discurso. De um lado, brada-se pela preservação da Amazônia, do outro financia-se projetos que desmatam a floresta. Dá-se com uma mão, tira-se com a outra.

E isso sem contar as tentativas por parte do Congresso de tornar essa legislação inóqua em nome do crescimento econômico não sustentável.

A discussão sobre o meio ambiente emerge no século 21 como uma discussão sobre a qualidade de vida, não tratando apenas de rios poluídos e derramamentos de petróleo, mas também do atual modelo de desenvolvimento – com sua tecnologia e sua postura consumista – que não está conseguindo dar respostas satisfatórias à sociedade. Faz parte dessa discussão a busca por modelos alternativos de desenvolvimento humano. Que só serão efetivos caso não excluam a população dos benefícios trazidos pela exploração atual e futura dos recursos naturais do planeta.

Desenvolvimento sustentável não é mais visto como coisa de hippie ou de caçador de borboletas. Mas tendo em vista a falta de coragem de nossos governantes para tomar decisões completas e da falta de escrúpulos de parte do empresariado nacional ao defender políticas de terra arrasada, o discurso do desenvolvimento sustentável passou a ser como um vaso bonito. Todo mundo quer ter em casa mas, na prática, não serve lá para muita coisa porque ninguém sabe onde colocá-lo.

FONTE: Leornado Sakamoto – Blog

*Leonardo Sakamoto é jornalista e doutor em Ciência Política. Cobriu conflitos armados e o desrespeito aos direitos humanos em Timor Leste, Angola e no Paquistão. Professor de Jornalismo na PUC-SP, é coordenador da ONG Repórter Brasil e seu representante na Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo.

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