Anos atrás, ouvi de Paulo Nogueira Neto, um dos precursores da luta pela defesa do meio ambiente no país, que afirmar nos anos 60 que a preservação de um bando de araucárias era mais relevante que o “progresso” trazido por uma fábrica causava indignação, não só em empresários e governo, mas também entre a sociedade civil. O resultado disso é que, hoje, ecossistemas como o da Araucaria brasilienses se encontram à beira da extinção.
Houve ao longo dos anos uma mudança na forma como encaramos o impacto de nossas ações no meio ambiente. Continuamos destruindo, ferozmente e velozmente. Mas passamos a ter consciência de onde isso vai nos levar.
Já discuti isso aqui anteriormente, mas acho que vale a pena retomar por conta do veto presidencial a artigos do novo Código Florestal. Então, perdoem-me pela repetição.
A humanidade enfrenta a pior crise ambiental de sua história, correndo o risco de entrar em colapso com o esgotamento e a degradação dos recursos naturais. Os países da periferia recebem a culpa pelo desequilíbrio ecológico mundial, criticados pelo modelo de desenvolvimento que adotam, agressivo ao meio ambiente. O julgamento parte das nações mais ricas que, por mais de dois séculos, destruíram seus patrimônios naturais e continuam poluindo. As elites dos países periféricos clamam, por sua vez, pelo seu direito de também poluir, a fim de poder alcançar o mesmo nível de consumo das sociedades do centro.
Em algumas décadas, não haverá água potável o suficiente para suprir as necessidades de dois terços da população mundial – regiões metropolitanas, como a Grande São Paulo, já vivem crises periódicas de abastecimento. O efeito estufa está aumentando a temperatura global e provocando mudanças climáticas, enquanto a desertificação de áreas cultiváveis piora a fome. Uma nuvem de poluição paira sobre o Sudeste Asiático, levando crianças e idosos aos hospitais.
Um marco importante para a percepção de que o mundo caminhava no sentido errado se deu com a Conferência das Nações Unidas, em Estocolmo, em junho de 1972, que teve como resultado a Declaração do Meio Ambiente. Ela proclama que “a proteção e melhora do meio ambiente é uma questão fundamental que afeta o bem-estar dos povos e o desenvolvimento econômico do mundo”, sendo um desejo urgente das sociedades e um dever dos governos. Seus 26 princípios fundamentais influenciaram várias constituições, inclusive a brasileira de 1988, sob a forma do artigo 225.
Um ano após a conferência, criou-se a Secretaria Especial do Meio Ambiente (Sema), ligada ao Ministério do Interior, para orientar a conservação e o uso racional dos recursos naturais. Em 1981, foi estabelecida a Política Nacional do Meio Ambiente, orientando as ações do poder público na preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental e compatibilizando-as com o desenvolvimento econômico e social. Com ela e com a posterior implementação do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), as responsabilidades governamentais e os deveres da sociedade civil tornaram-se mais claras.
No início dos anos 70, começam as primeiras ações ambientalistas, ainda que de forma pontual e isolada. Os protestos de trabalhadores de uma fábrica de cimento em Perus, bairro paulistano, contra a poluição, e os desfiles do artista plástico espanhol Emílio Miguel Abellá em São Paulo com máscaras de gás são alguns exemplos. A atuação das universidades fez surgir uma massa crítica, necessária ao desenvolvimento da ecologia no país. Parte dos formados voltava-se às pesquisas. O resto seguia para pôr em prática a teoria.
Com a Anistia, em 1979, exilados políticos puderam retornar ao Brasil, trazendo consigo a vanguarda do debate ecológico europeu. O fim da ditadura e o processo de democratização possibilitaram um aumento na quantidade de informações disponíveis, atingindo um público que antes desconhecia o problema.
Nos anos que antecederam a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Eco 92, no Rio de Janeiro, o trabalho de defesa do meio passou a contar com uma visão mais integrada e profissional para enfrentar os novos tempos. Surge organizações não-governamentais, como a Fundação SOS Mata Atlântica. Chegam ao Brasil entidades internacionais com os mesmos objetivos. Biodiversidade, conservação, meio ambiente começavam a deixar de ser coisas de bicho-grilo e passavam a constar da preocupação da classe média.
A Eco 92 reafirmou Estocolmo, acrescentando o desenvolvimento sustentável como um dos princípios fundamentais. Deixou claro que o crescimento deve ser feito de forma a garantir a qualidade de vida às gerações presentes e futuras. E que os países são soberanos para escolher o melhor caminho para explorar os seus recursos naturais, tendo o cuidado de não causar danos a outros Estados. A mensagem de que é possível crescer em comunhão com o meio foi clara, mas fraca. Como a ONU não possui força afirmativa real para pôr em prática os princípios da Declaração do Rio de Janeiro, o apelo caiu por terra na década seguinte. Até porque os maiores poluidores, como os Estados Unidos, Japão e parte da Europa não acenaram com mudanças no seu modelo de desenvolvimento.
A chegada desses eventos gera a necessidade entre os governantes do país de mostrar alguma coisa. Hoje, Dilma vetou parcialmente o Código Florestal aprovado pelo Congresso, que fragiliza a proteção às florestas do país com medo da repercussão negativa. Fernando Henrique Cardoso chegou à Cúpula Mundial para o Desenvolvimento Sustentável, a Rio+10, realizada em Johannesburgo, África do Sul, em 2002, com a notícia da criação do maior parque nacional do mundo, o das Montanhas de Tumucumaque, entre o Amapá e Pará, com uma área equivalente a da Bélgica.
A Rio+10, como era esperado, foi um fracasso, com poucos compromissos assumidos pelos países desenvolvidos. Mesmo temor que ronda a Rio+20, com o apoio das nações emergentes.
Apesar de ser reconhecido internacionalmente por bons projetos de desenvolvimento sustentável, o Brasil gosta de passar por vexames, como o assassinato por fazendeiros do líder sindicalista e seringueiro Chico Mendes em 1988 ao defender a preservação da floresta em Xapuri, no Acre. Ainda não se encara o meio ambiente como algo integrado entre homem e natureza. Estamos longe de garantir meios para a sobrevivência da população dependente desses ecossistemas. Na pobreza e sem perspectivas, acabam por dilapidar o patrimônio natural para o sustento de seus filhos, através da captura de animais silvestres no Pantanal ou da coleta de palmito na Mata Atlântica.
O país possui uma das mais modernas legislações ambientais do mundo. A Lei de Crimes Ambientais, de 1998, estipula multas de alto valor e até prisão em caso de agressão ao meio. O problema é que muitas vezes a lei é deixada de lado ou é mal aplicada por incompetência ou conivência. Há, por exemplo, denúncias de Estudos e Relatórios de Impacto que teriam sido comprados para facilitar a aprovação de grandes obras pelos órgãos responsáveis. Além disso, mesmo com os avanços ao longo dos anos, entre elas a criação de um ministério dedicado apenas ao meio ambiente, o governo continua com uma contradição entre ação e discurso. De um lado, brada-se pela preservação da Amazônia, do outro financia-se projetos que desmatam a floresta. Dá-se com uma mão, tira-se com a outra.
E isso sem contar as tentativas por parte do Congresso de tornar essa legislação inóqua em nome do crescimento econômico não sustentável.
A discussão sobre o meio ambiente emerge no século 21 como uma discussão sobre a qualidade de vida, não tratando apenas de rios poluídos e derramamentos de petróleo, mas também do atual modelo de desenvolvimento – com sua tecnologia e sua postura consumista – que não está conseguindo dar respostas satisfatórias à sociedade. Faz parte dessa discussão a busca por modelos alternativos de desenvolvimento humano. Que só serão efetivos caso não excluam a população dos benefícios trazidos pela exploração atual e futura dos recursos naturais do planeta.
Desenvolvimento sustentável não é mais visto como coisa de hippie ou de caçador de borboletas. Mas tendo em vista a falta de coragem de nossos governantes para tomar decisões completas e da falta de escrúpulos de parte do empresariado nacional ao defender políticas de terra arrasada, o discurso do desenvolvimento sustentável passou a ser como um vaso bonito. Todo mundo quer ter em casa mas, na prática, não serve lá para muita coisa porque ninguém sabe onde colocá-lo.
FONTE: Leornado Sakamoto – Blog
*Leonardo Sakamoto é jornalista e doutor em Ciência Política. Cobriu conflitos armados e o desrespeito aos direitos humanos em Timor Leste, Angola e no Paquistão. Professor de Jornalismo na PUC-SP, é coordenador da ONG Repórter Brasil e seu representante na Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo.