Crédito da foto: Rogério Florentino
Laís Costa/Formad
A possibilidade da construção de seis Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) previstas para serem instaladas nos municípios de Nobres, Rosário Oeste, Jangada, Acorizal, Várzea Grande e Cuiabá pode mudar o fluxo de peixes, seu processo reprodutivo e afetar diretamente biomas importantes como o Pantanal. A região deve ficar ainda mais seca já que 20% do volume de água que abastece o bioma vem da Bacia do rio Cuiabá.
O rio Cuiabazinho nasce na Serra Azul, em Rosário Oeste, e vagarosamente vai se juntando com as águas de mais 29 nascentes que formam o rio Cuiabá. Lá na região serrana, a menos de 130 km da capital, os peixes ainda habitam os rios, enquanto turistas descobrem as trilhas, piscinas naturais e cachoeiras da região.
A pesca também é um aspecto fundamental a ser considerado na região das cabeceiras da Bacia do rio Cuiabá: desde 1999, com a implantação da Usina de Manso, o rio Cuiabazinho tornou-se o principal suporte pesqueiro para o rio Cuiabá. Os peixes dessa região são conhecidos como migradores, e o caminho reprodutivo consiste em subir e descer os rios da bacia durante o ano. Seguem de Rosário Oeste ao Pantanal, por exemplo, e retornam para as cabeceiras no período de desova.
O professor Ibraim Fantin, da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), especialista em Recursos Hídricos, sinaliza para os impactos irreversíveis de empreendimentos hidrelétricos na Bacia do rio Cuiabá, agora que o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou a Lei nº 11.865 que proibia a construção de usinas em todo leito do rio Cuiabá. A interrupção do caminho reprodutivo dos peixes seria um deles.
Os possíveis impactos que o complexo de hidrelétricas pode causar no rio Cuiabá e no Pantanal já são conhecidos e inclusive foram citados no voto do ministro Edson Fachin, ao defender a constitucionalidade da lei, já que ela seria mais protetiva ao meio ambiente. O estudo da Agência Nacional das Águas (ANA) é a principal referência nesta temática. Nele, há uma afirmação categórica: a Bacia do rio Cuiabá será desconectada do Pantanal caso os empreendimentos previstos sejam construídos.
“O rio Cuiabá é caudaloso. Qualquer estrutura que promova o barramento dos fluxos da água vai ter uma ampla repercussão, seja na área de instalação, seja a jusante. Os impactos cumulativos diretos apontam para a perda significativa nos fluxos de peixes migratórios da bacia. A literatura científica mostra que mesmo com a instalação de estruturas de passagens de peixes não será possível mitigar os impactos”, explica Ibraim.
O pesquisador também destaca os impactos a médio e a longo prazo com a instalação das PCHs: o assoreamento e processos de erosão, que já fazem parte do cenário de degradação no leito do rio Cuiabá, podem ser intensificados. O resultado, aponta ele, é um outro processo chamado de “rios famintos”. “É como se o rio passasse a erodir o seu leito, o seu fundo. Isso aceleraria a modificação do leito fazendo o arrombamento de curvas de rio e solapamento de margens, e traria uma consequência negativa para a conectividade fluvial”, diz. Mais uma vez, as consequências ao Pantanal seriam diretas, já que o bioma depende das inundações e da temporalidade dos ciclos de cheia e seca.
“Se você alterar essas cotas de inundação, as áreas que são inundadas regularmente poderão ser isoladas e não sofrer mais o processo de cheia. As alterações do regime hidrológico que essas PCHs promovem variam ao longo do dia. As manobras de operação causam ondas de cheia e isso terá uma repercussão em toda a planície inundada, e, consequentemente, na sociobiodiversidade.”
Futuro do Pantanal?
Clóvis Vailant, geógrafo, integrante do Instituto Gaia, afirma que a agricultura tradicional também será afetada, além das conexões culturais, históricas e até religiosas da população da Baixada Cuiabana com o rio Cuiabá. “A relação afetiva com as águas já foram modificadas com a construção de Manso. Ninguém se preocupava em levar dinheiro para comprar comida nas festas de São Pedro, na beira do rio Cuiabá . A festa era à base de peixe para todas e todos que estivessem lá. Hoje não existem mais. Esse tipo de impacto nem entra nas contas dos empreendedores. Os impactos sociais e a desestruturação socioeconômica fazem com que essas comunidades abandonem seus territórios tradicionais. Outras atividades que não têm a ver com conservação do rio tomam espaço.”
Para o secretário executivo do Fórum Popular Socioambiental de Mato Grosso (Formad), Herman Oliveira, o próximo passo, após o imbróglio jurídico finalizado pelo STF, está sob a responsabilidade do Governo Estadual. Mais especificamente da Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema), órgão responsável por avaliar os pedidos de licenciamento de empreendimentos que interferem no meio ambiente.
“A Sema será responsável pelo futuro do Pantanal e do rio Cuiabá. O estudo da Agência Nacional das Águas afirma categoricamente que qualquer empreendimento afetará o rio e, por conseguinte, o Pantanal. Assim, a Sema não pode dizer que desconhecia esses efeitos cumulativos e sinérgicos, em cascata, em escala, que podem destruir o bioma”, afirma.
Em 3 de maio de 2023, cinco dias antes da decisão do STF, a Sema criou uma Comissão de Análise do Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA-Rima) para analisar os projetos do complexo de hidrelétricas Angatu I, Angatu II, Iratambé I, Iratambé II, Guapira II, e Perudá, da empresa Maturati Participações S.A.
Herman destaca o protagonismo da pasta ao definir as condicionantes para que um empreendimento seja instalado, além da possibilidade de não liberar o licenciamento do complexo.
Como catástrofe socioambiental em curso, ele cita o exemplo da Usina Hidrelétrica de Sinop, licenciada pela Sema e posteriormente autuada pelo mesmo órgão, por conta da mortandade de peixes. “A Sema autuou a UHE Sinop por conta da mortandade de peixes. Só que quem licenciou isso foi a Sema. A secretaria licenciou um complexo hidrelétrico sem analisar os efeitos das três hidrelétricas sobre a bacia, sobre as comunidades, sobre esse corredor biocultural imenso que é o Teles Pires”, diz.
“Eu diria, por conta desse exemplo, que o Estado também exerce uma violência socioambiental de maneira indireta porque não está cumprindo com o que foi estabelecido na Constituição Federal: zelar pelo meio ambiente.”
Dada a iminência dessa catástrofe anunciada (e denunciada), resta saber se haverá algum futuro para o rio Cuiabá e para o Pantanal.
Atualização – Na terça-feira, 16/5, o processo de licenciamento do complexo de seis Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) teve andamento: o corpo técnico da Secretaria de Meio Ambiente de Mato Grosso confirmou a inviabilidade ambiental, social e econômica do empreendimento e indeferiu DEFINITIVAMENTE o pedido de licença prévia.
O processo será arquivado, e agora é possível esperar por um futuro para o rio Cuiabá e para o Pantanal!