Por Bruna Pinheiro / Formad
“O Estado de Mato Grosso deverá regulamentar o Registro Estadual de Pescadores Profissionais – REPESCA em até 60 (sessenta) dias da publicação desta Lei”, diz trecho da Lei 12.197/2023, publicada em Diário Oficial há dois meses, que proíbe o transporte do pescado nos rios de Mato Grosso a partir de 2024. Desde que foi aprovada, a Lei e suas atribuições seguem pouco divulgadas entre as comunidades de pescadores do estado, onde há a incerteza em relação à continuidade da atividade, garantia de renda e sobrevivência das famílias.
Se a tramitação do PL 1363/2023, que deu origem à Lei 12.197/2023 foi bastante acelerada, a sua implantação não segue o mesmo ritmo. Publicada em 21 de julho deste ano, a alteração na Lei da Pesca previa ações que deveriam ser executadas em prazos que já foram extrapolados. Entre elas, a criação do Registro Estadual de Pescadores Profissionais (Repesca), sob responsabilidade da Secretaria de Estado de Assistência Social e Cidadania (Setasc), o que não foi feito até o momento.
Com menos de duas semanas até o início da piracema, período proibitivo da pesca em Mato Grosso, a falta de informações e direcionamentos sobre a “nova Lei da Pesca” preocupa quem depende da atividade. Morador de Santo Antônio do Leverger, na Baixada Cuiabana, o pescador Benedito Sérgio Ribeiro, é um dos milhares de trabalhadores da pesca que não sabem como será o futuro após a Lei 12.197/2023.
“Não temos nenhuma informação sobre nada. Por enquanto estamos sofrendo mentalmente com essa Lei, mas não sabemos o que será daqui para frente. O Governo apenas determinou uma proibição. Nós não queremos riqueza, fortuna. Queremos a oportunidade de trabalhar com o que aprendemos a trabalhar. Sou da terceira geração de pescadores e não sei o que será da minha vida a partir de 1º de janeiro de 2024”, lamentou o pescador.
Pela Lei, fica proibido o transporte, o armazenamento e a comercialização do pescado oriundo de rios de Mato Grosso pelo período de cinco anos. Durante este tempo, será permitida apenas a pesca na modalidade “pesque e solte”, cuja finalidade é meramente turística, não tendo qualquer ligação com o modo de vida e ancestralidade de populações. Aos pescadores registrados no Repesca será pago um salário mínimo pelo tempo de paralisação das atividades. Atualmente, o valor está em R$ 1.320,00, bem abaixo da renda conquistada pelos pescadores, em torno de R$ 2,5mil a R$ 3 mil/mês.
“Eu tenho 49 anos de idade. Não sei fazer outra coisa a não ser pescar, porque a profissão que eu aprendi foi essa. Como eu vou entrar no mercado de trabalho essa idade, sem qualificação? É um absurdo o que querem fazer com a gente”, relatou o pescador Firmo Ribeiro Neto.
Incertezas da Lei
Apresentado pelo Governo de Mato Grosso em maio deste ano, o projeto que proíbe o transporte de peixes nos rios do estado por cinco anos, foi aprovado por 15 dos 24 deputados estaduais em 28 de junho. O texto seguiu para sanção do governador Mauro Mendes, recebendo dois vetos sob o argumento de invasão de competências sobre legislações estaduais e da União. Em 21 de julho, a redação final foi publicada em Diário Oficial, com a vigência da Lei a partir de 1º de janeiro de 2024.
Além da criação do Repesca, que deve reger o pagamento do auxílio pecuniário aos pescadores, o artigo 46-C da Lei prevê a implantação dos seguintes programas, visando a requalificação dos profissionais da pesca: I – Programa de Qualificação para o Turismo Ecológico e Pesqueiro; e II – Programa de Produção Sustentável da Aquicultura; III – outros relacionados à efetividade desta Lei. Sobre isso, também não há qualquer informação ou divulgação por parte do Governo.
Outro ponto importante ainda não elucidado pelo Governo é quanto a disponibilidade de recursos para o pagamento dos auxílios, realização dos cursos de capacitação, além de orientações sobre a efetividade da Lei à população diretamente afetada por ela.
Reunião pública
Para discutir essas e outras problemáticas envolvendo a Lei 12.197/2023, o Fórum Popular Socioambiental de Mato Grosso (Formad) promove na próxima sexta-feira (29), a reunião aberta “Cota Zero para quem?”. A atividade será realizada a partir das 14h, na Câmara de Vereadores de Barão de Melgaço, e deve contar com a presença de representantes da Defensoria Pública da União (DPU), Ministério Público do Estado (MPE), além de lideranças das comunidades de pescadores da Baixada Cuiabana, organizações da sociedade civil e pesquisadores.
Foto: Lidiane Barros /Observa-MT