André Alves – Em 2001, a GM lançou no estado da Califórnia, nos Estados Unidos, um modelo de carro inovador, teoricamente não poluente, já que usava baterias carregáveis em postos especiais ou mesmo em casa. Em pouco mais de dois anos, o veículo elétrico, que poderia ser a saída para os combustíveis de origem fóssil, já não existia mais.
Muitos se perguntaram o porquê dessa idéia não ter dado certo. Seria falta de interesse dos americanos, posto que o carro tinha autonomia para circular apenas 120 quilômetros, antes de ter que recarregar a bateria? Seria falta de visão da mídia, que não divulgou a idéia de forma massiva? Seria uma falha da estratégia de marketing da GM ou seria uma omissão do governo, que não viu na proposta uma saída para independência do petróleo? Infelizmente, todas as respostas estão certas, ainda que alguns dos americanos que acreditaram no carro elétrico tivessem tentado manter seus veículos. Mas como a empresa só havia vendidos os carros em forma de leasing, obrigou que todos devolvessem os veículos, reembolsando o crédito pago ou subsidiando a compra de outros veículos. Todos os carros foram destruídos pela montadora.
Essa história, que pode ser conferida no documentário “Quem matou o carro elétrico?”, ilustra bem a dificuldade que as alternativas econômicas, sociais e ambientais enfrentam quando tentam enfrentar o status quo. A pergunta, neste caso, é como a GM investiu milhões de dólares numa tecnologia e depois não só abandonou, como também não deixou a oportunidade de testarem e demonstrarem a eficácia da tecnologia? A resposta, fácil e perversa, é que a indústria do petróleo estava por trás no desmonte no carro elétrico e conseguiu desbancar a idéia.
Quando morria o carro elétrico nos Estados Unidos, uma tecnologia inovadora surgia no Brasil e parecia ser uma resposta a altura. Era o princípio do biodiesel, uma saída ambientalmente saudável, principalmente para a agricultura familiar, que poderiam ver, no futuro, sua independência energética. Passados quatro anos o que nós vimos foi uma mudança de paradigma. Biodiesel virou agrocombustível.
O “bio”, que significa vida, dos pequenos agricultores foi transformado em um negócio pelos latifundiários, virou moeda de troca no governo Lula, vedete das mudanças climáticas e se transformou no agrocombustível. Juntou-se a ele o álcool, ressuscitado, mas como novo nome: Etanol. A alternativa foi surrupiada de uma maneira como muitos não imaginavam que aconteceria. Pelo menos não no governo Lula. A nova solução do desenvolvimento sustentável, outra idéia deformada pelos empresários e governos, se virarou contra quem mais precisa de alternativas. De tal forma, que a Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, disse na abertura do II Encontro dos Povos Floresta, em setembro deste ano, que ainda seria possível produzir no Brasil mais de 30 milhões de litros de álcool (desculpe o engano, etanol) por ano sem agredir o meio ambiente. A idéia que, acredito, a ministra queria passar era de que a plantação seria feita em áreas já abertas para a agropecuária anteriormente mas abandonas por conta na queda da produção da pecuária e também da soja.
Essa idéia poderia até passar como verdade para um número maior de pessoas, se ignorado a prática da queima, comum em plantações canavieiras, além de ser a atividade número 1 em trabalho escravo no país, se não fosse um fato: o aumento do desmatamento. As quedas recordes, anunciadas com louvores dois anos seguidos começa a mostrar que há uma retomada no desflorestamento. De acordo com dados do Instituto do Homem e do Meio Ambiente na Amazônia – Imazon e Instituto Centro de Vida – ICV, foram desmatados em Mato Grosso, no mês agosto de 2007 uma área de 250 quilômetros quadrados, um aumento de 228% se comparado ao mês anterior, julho. Ou um aumento de 138% se comparado a agosto de 2006.
No que se refere às queimadas, entre junho e setembro em Mato Grosso foram registrados 44.621 focos de calor em Mato Grosso, um aumento de 72% com relação ao mesmo período do ano anterior (25.938 focos). Considerando apenas o mês de setembro, o total de focos de calor em setembro de 2007 (26.781) superou o mês de setembro de 2005 (21.937).
Ou seja, apesar da Operação Curupira, deflagrada em 2005 e que transformou o governador Blairo Maggi de estuprador da floresta a governador “ambientalista” e do dólar, teoricamente o principal termômetro da soja, continuar decrescendo, principalmente por conta da recessão que assombra os Estados Unidos, o desmatamento e as queimadas aumentaram este ano. Uma conta que ajuda a explicar é que no Estado, de acordo com dados da Secretaria da Fazenda – SEFAZ, já existem 41 usinas de “biodiesel”, leia-se agrocombustível, cadastradas, produzindo combustível a partir de uma certa oleaginosa.
A Associação Brasileira de Indústrias de Óleos Vegetais – Abiove prevê que no ano que vem serão esmagadas 31,5 milhões de toneladas de soja, um aumento de 9,7% se comparada a safra de 2006/2007. O principal fator desse otimismo é o anúncio da Cargill, que irá construir em 2008 uma nova fábrica de processamento em Mato Grosso, aumentando sua capacidade no país em 25%. A Bunge também planeja o mesmo mas ainda não anunciou datas. O último fator no aspecto do agronegócio, que ajuda a engrossar o caldo da expansão da soja e do desmatamento, é a promessa do presidente Lula em sua campanha para sua reeleição. A partir do ano que vem a mistura do “biodiesel” (leia-se agrocombustível) se torna obrigatória.
A ameaça da expansão da soja e, agora, da cana que parecia difícil com os dois últimos dados do governo federal apontando queda no desmatamento agora se mostra factível, não pela valorização do dólar mas pelo incentivo que o próprio governo está dando. Não é difícil imaginar a pressão que a agricultura familiar sentirá, ou melhor já está sentindo, nesse novo impulso do agronegócio, agora com motivos pretensamente nobres, a de produzir um combustível limpo. Talvez até tenha menos poluentes, mas que não tem nada de limpo. Governos e empresários começam a tentar seduzir agricultores familiares de que o agrocombustível será uma nova forma de renda, mas o provável é que aconteça o mesmo que a produção de leite, em que famílias com poucas vacas se vêem obrigadas a venderem o leite a preços baixíssimos a lacticínios da região para ter um mínimo de renda, bem abaixo do que se tivessem diversificado sua produção.
Enfim, o carro elétrico não deu certo nos Estados Unidos porque havia uma pressão de vários setores, inclusive o automobilístico, para que ele não desse certo. No caso do agrocombustível, está se transformando na salvação da lavoura, porque pelo menos dois setores (o governo e os grandes produtores rurais) estão bastante empenhados e com uma retórica eficiente. Mas a lavoura está produzindo alimento para os veículos e para os bolsos dos empresários enquanto mata de fome quem quer produzir comida.
* André Alves é jornalista e secretário-executivo do Formad.