Evento reuniu povos indígenas, organizações socioambientais e pesquisadores na Aldeia Tatuí, em Juara (MT)
Por Bruna Pinheiro/Formad
Com o tema “Fortalecendo a luta e tecendo conexões pela vida”, o 9º Festival Juruena Vivo foi encerrado neste domingo (25) após dias de trocas de experiências, debates, cultura e contato com a natureza. O evento também marcou a integração de povos indígenas, agricultores rurais, pesquisadores, movimentos e organizações socioambientais em importantes discussões. Ao todo, cerca de 300 pessoas se reuniram na Aldeia Tatuí, na Terra Indígena Apiaká/Kayabi, em Juara (MT), para o retorno presencial do Festival.
Organizado pela Rede Juruena Vivo, o Festival tem como objetivo celebrar as potencialidades da região e unir as pessoas para a defesa da integridade da Bacia do Juruena. Entre os apoiadores do evento está o Fórum Mato-grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento (Formad), rede composta por mais de 30 entidades socioambientais do estado.
Para o cacique da Aldeia Tatuí e presidente da Associação Indígena Kawaiweté, Kawaip Katu Kayabi, o Festival é um importante momento de discussão para a comunidade que vem buscando mais parceiros para contribuir com demandas locais. Atualmente, vivem na aldeia mais de 530 pessoas de 108 famílias. “Temos várias lutas e direitos a serem conquistados pela frente. Por isso, precisamos da comunidade mais unida e em contato com nossos parceiros. A Aldeia Tatuí está sempre de braços abertos para receber indígenas e não indígenas nessa luta”.
Aberto oficialmente na quinta-feira (22.09), o 9º Festival Juruena Vivo foi “ganhando cara” aos poucos com a chegada de participantes de diversos pontos de Mato Grosso, de outros estados e até de fora do país. De carro, ônibus e barco, povo indígenas, pesquisadores, estudantes e representantes de movimentos e organizações sociais, chegaram até a Aldeia Tatuí para dias de conhecimento, trocas de experiências, conscientização e muito diálogo.
No primeiro dia, marcando o início das atividades, foram realizadas apresentações culturais de povos indígenas presentes. Entre eles, os Apiaká, Kayabi, Enawene Nawe, Munduruku, Tapayuna, Rikbaktsa, Pareci e Nhambiquara, que aproveitaram o momento para demonstrar suas danças, pinturas e cantos tradicionais. A noite foi encerrada com o Cine Juruena e a exibição de produções audiovisuais assinadas por indígenas e organizações. Entre os vídeos esteve o que conta a história do povo Kayabi, sua trajetória de resistência e luta pelo território.
Mesas abordam impactos de hidrelétricas e importância da agroecologia
A sexta-feira (23) foi marcada por debates importantes com uma análise de conjuntura sobre empreendimentos na sub-bacia do Juruena e o caso da Usina Hidrelétrica Castanheira, apontada como uma das mais perigosas para a região. A coordenadora do Programa de Direitos Indígenas, Política Indigenista e Informação à Sociedade da Operação Amazônia Nativa (Opan), Andréia Fanzeres, trouxe o alerta sobre o crescimento de projetos de hidrelétricas ao longo do Juruena. Segundo um levantamento da entidade, de 2014 a 2022, o número saltou de 80 para 172. O avanço destes empreendimentos, de acordo com Andréia, representa riscos ao meio ambiente, às práticas culturais dos povos indígenas, além de desrespeitar essas pessoas que sequer foram consultadas a respeito dos projetos.
“Pelo menos 70% dessas usinas não existem, só estão no papel. Temos 20% delas em operação, ou seja, há um grande caminho para resistirmos. Notamos que durante a pandemia, foram muitos projetos planejados, aprovados e licenciados. Isso precisa ser destacado!”.
A mesa contou ainda com intervenções do pesquisador Pedro Bara do integrante do Movimento de Atingidos por Barragens (MAB) de Sinop (MT), Jefferson Nascimento, do representante do povo Rikbaktsa, Juarez Paimy e a representante da Comunidade de Pedreira e Palmital, de Juara (MT), Genir Piveta. A roda foi mediada pelo secretário-executivo do Formad, Herman Oliveira, que destacou os prejuízos destas usinas. “Há muitos danos que não aparecem em estudos de viabilidade técnica. São impactos praticamente ‘invisíveis’, mas que precisam ser avaliados não só por um povo, mas por todos nós”.
Como parte da discussão, foi apresentado o site Teles Pires Resiste, elaborado pelo Coletivo Proteja, MAB/MT, Associação Indígena DACE e o Instituto Centro de Vida (ICV). O portal é uma importante ferramenta que apresenta de forma cronológica os processos de luta e resistência das populações afetadas pelo complexo de hidrelétricas no rio Teles Pires, demonstrando ainda que os projetos de infraestrutura construídos no rio somados com os projetos previstos para a região do Juruena, em Mato Grosso, são a porta de entrada para as grandes hidrelétricas no Tapajós e outros grandes empreendimentos.
A produção orgânica também foi tema do Festival com a mesa “Intercâmbio de experiências da agroecologia”, mediada por Rodrigo Marcelino do Instituto Centro de Vida (ICV), com a presença de integrantes da organização e a estudante de Agronomia, Edilza Munduruku, do Tapajós (PA). Professora aposentada da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat), campus Sinop, Maria Ivonete de Souza, espalhou sementes durante sua apresentação, reforçando a importância do cuidado para a preservação ambiental e saúde.
“Quando falamos de agroecologia, estamos falando de vida. A floresta em pé é dever de todos. Precisamos repensar qual o tipo de sociedade que queremos, e isso inclui, o tipo de alimento que consumimos. É possível sim produzir alimentos sem usar veneno algum. Por quê comprar comida de fora, se nos territórios há uma infinidade de sementes, mudas e árvores?”.
Água pela vida, não pela morte!
Entre as últimas atividades do 9º Festival Juruena Vivo, um ato simbólico à beira do Rio dos Peixes, no sábado (24), resgatou algumas das lutas históricas de povos indígenas na defesa de seus territórios e em respeito à natureza. Saindo da parte central do evento, os participantes caminharam silenciosamente até às águas para reverenciar a importância dos rios não só para os povos tradicionais, mas para todos. Durante o ato, lideranças indígenas se emocionaram ao relembrarem de seus ancestrais. Além do ato, anciões lembraram da união dos povos indígenas em 1985 para barrar um projeto de construção de uma Hidrelétrica num dos saltos sagrados do povo Kayabi.
Ali, às margens do Rio dos Peixes, todos se reuniram em roda para cantar, homenagear e celebrar a beleza das águas e a importância da preservação de territórios para povos do Juruena. “Água pela vida, não pela morte!”, gritaram todos pedindo menos hidrelétricas e mais cuidado.
O evento foi encerrado no domingo (25) com o torneio de futebol feminino e masculino, além das últimas vendas de itens de artesanato e trocas de sementes na Feira Comunitária de Saberes e Sabores, uma das tradições do Festival Juruena Vivo. A próxima edição do evento deve ser decidida em plenária realizada ainda este ano.