BR-163: a sociedade civil na estrada

Entrevista da RETS com Luiz Augusto, secretário-executivo do Consórcio pelo Desenvolvimento Socioambiental da BR-163 (Condessa)

Na semana passada, 50 organizações da sociedade civil enviaram, em nome do Consórcio pelo Desenvolvimento Socioambiental da BR-163 (Condessa), carta aberta à Presidência, a ministros e aos governadores de Mato Grosso, Pará e Amazonas. Nela, reivindicam a instalação de um conselho gestor para acompanhar a implementação do plano “BR-163 Sustentável”, elaborado pelo governo federal. As organizações querem acompanhar de perto o cumprimento das metas para certificarem que populações tradicionais da região tenham o apoio prometido e que não sejam deslocadas ou afetadas pelo asfaltamento de pouco mais de 900 km dos 1.700 que tem a rodovia.

“O importante é a presença do Estado na área, pois as populações tradicionais foram abandonadas há anos”, diz Luiz Augusto Azevedo, secretário-executivo do Condessa e coordenador do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA). Para ele, só com ações governamentais, como a fiscalização de florestas e a legalização de assentamentos, será possível desenvolver a Amazônia de forma sustentável. “Não somos contra o asfaltamento da estrada. O problema é o que vem com o asfalto”, explica.

O Condessa acredita que a pavimentação da rodovia deva ser acompanhada de ações sociais, como a instalação de postos de saúde e escolas, além de apoio à produção de pequenos agricultores. Todas essas atividades estão previstas no plano governamental. Azevedo, porém, acredita que só com a participação da sociedade civil na implantação do plano será possível concretizar essas idéias.

Rets – A BR-163 pode mesmo ser sustentável?

Luiz Augusto Azevedo – Essa é a primeira vez que um governo propõe um modelo de infra-estrutura diferenciado. É preciso reconhecer que desta vez o governo se preocupou com as demandas da sociedade civil, questões ambientalmente importantes. Mas, por enquanto, é tudo apenas um plano.

Rets – Se o plano for adiante em todos os seus pontos, será realmente sustentável?

Luiz Augusto Azevedo – “Sustentável” é modo de dizer. O importante é a presença do Estado na área, pois as populações tradicionais foram abandonadas há anos e pagam uma conta muito alta por isso, vide a questão fundiária. Mesmo quem já está lá há décadas enfrenta dificuldades. Não há serviços de saúde, educação… Enfim, a cidadania não está garantida. Mas há um leque de ações previstas para atender a demanda.

Rets – A existência da BR-163 atende ao interesse de grandes agricultores, principalmente de soja. Esse interesse pode ir de encontro ao do plano?

Luiz Augusto Azevedo – Isso que queremos ver, mas agora estamos cobrando participação nisso. A BR, na verdade, foi aberta em 1973, com outra preocupação. Na época, a idéia era ocupar a Amazônia e só recentemente houve essa invasão da soja. Foi quando começou a haver maior pressão pelo asfaltamento, para baixar os custos da produção. Isso em 2002, 2003, quando os preços da soja caíram e o dólar também. Aí teve essa proposta do setor sojicultor para fazer o asfaltamento, pois realmente ia baratear o custo do transporte para a exportação.

Mas, naquele ano, alguns sojicultores que pegaram financiamento quebraram e precisaram pôr o pé no freio. Ao mesmo tempo, o governo tomou algumas medidas dentro do plano que também frearam a ocupação, como a fiscalização do Ibama [Instituto Brasileiro de Meio Ambiente], da Justiça do Trabalho e da Polícia Federal. Ou seja, uma série de ações que esfriou essa vontade de asfaltar.

Tem também a Limitação Administrativa Provisória, criada pelo governo. A legislação proibia, por exemplo, a ocupação de qualquer terra antes de serem definidas as áreas de Unidade de Conservação. Há também a portaria do Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária] que pedia o cadastramento de toda

s as propriedades. Isso também conteve o ímpeto de derrubar, desmatar. Era uma questão de mercado da soja. Mas agora o assunto voltou e começa a agitação em torno do tema para acelerar o asfaltamento.

Rets – Quem está motivando esse processo agora?

Luiz Augusto Azevedo – O pessoal ligado ao agronegócio, com o aumento do preço da soja, voltou a fazer lobby no governo para o asfaltamento acontecer. Só que, para esse grupo, o que importa é o asfaltamento – e ponto. Não somos contra o asfaltamento da estrada. O problema é o que vem com o asfalto. Outras ações também são importantes e, inclusive, devem ser feitas antes da pavimentação. Pra que a gente vai asfaltar a estrada se o agricultor familiar não consegue colocar a produção dele na rua, mesmo estando a 20 km, 30 km? Então a estrada não ajuda muito neste sentido.

Rets – As ONGs apóiam o asfaltamento da estrada, mas ambientalmente ele é seguro para a floresta?

Luiz Augusto Azevedo – A estrada já existe há tempos. Lógico que há um impacto. O que vem com ela é que é o problema. Se você não tiver determinadas políticas garantidas, tanto do lado ambiental quanto da cidadania, essas populações tradicionais continuarão excluídas da discussão dos possíveis benefícios e impactos. São elas que sempre são prejudicadas, principalmente as comunidades indígenas, que se desagregam depois de um contato mais forte com o branco.

Rets – Como se dá a participação do Condessa nesse processo?

Luiz Augusto Azevedo – Desde 2004 participamos do processo de criação do plano e criamos um consórcio pelo desenvolvimento socioambiental da BR-163. Procuramos identificar as principais demandas, as possibilidade de políticas sociais e agora acompanhamos a implementação.

Uma coisa importante prevista no plano é o modelo de gestão. É uma novidade. O modelo prevê a participação paritária entre governo e sociedade civil dentro de um conselho gestor. Essa é uma das coisas que está na nossa pauta, pois até agora o governo não publicou o decreto que cria a estrutura desse modelo de gestão.

Rets – Quais são as principais demandas dos movimentos sociais?

Luiz Augusto Azevedo – Uma, bastante presente, é relativa à questão fundiária. Tanto da regularização das populações tradicionais, que estão baseadas em reservas ou assentamentos extrativistas, os PDSs –Projetos de Desenvolvimento Sustentável -, quanto dos assentamentos dos pequenos produtores familiares que já estão lá há tempos, mas não têm garantia do direito à sua terra.

Há ainda a necessidade de uma política de assentamento, com formas de escoar a produção, de preço mínimo, de garantia de compra. Precisamos também de escolas, postos de saúde. Enfim, políticas que devem vir junto com a regularização fundiária para que essas famílias continuem explorando os recursos naturais da forma que sempre fizeram.

Rets – O Condessa cobra metas do governo. Quais são elas?

Luiz Augusto Azevedo – Na verdade, cobramos o cumprimento das metas do próprio governo. Nosso papel é fiscalizar a execução do plano, saber onde estão os recursos, onde serão aplicados e como. Quando o modelo de gestão for implementado, nós teremos como participar desse processo, assim como as comunidades. Assim poderemos dizer quais são as prioridades e como elas devem ser executadas.

Rets – Qual seria o custo desse projeto, de acordo com seus cálculos?

Luiz Augusto Azevedo – Ainda não fizemos essa conta, mas, com certeza, é um investimento alto. Esse exercício é o governo que tem de fazer, levando em conta todos esses investimentos.

Rets – Dado todo o histórico de contenção de despesas do Orçamento, é possível acreditar na execução desse plano?

Luiz Augusto Azevedo – Temos que acreditar. Claro que não será executado de uma hora para a outra, é um plano grande e as políticas têm um tempo para serem implementadas. Já que foi definida essa forma de atuar, que haja um montante de recursos carimbados para a BR-163. Lógico que não tenho a ilusão de que neste ano estará tudo resolvido

Leia a entrevista original clicando aqui

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