Por Adriana Werneck Regina
cientista social e indigenista
Aconteceu em Sinop, entre os dias 10 a 12 de novembro, o Seminário “Amazônia em Debate: compromissos das universidades públicas e movimentos sociais”. Foi promovido pela Associação dos Docentes da UFMT (ADUFMAT), junto à Associação Nacional dos Docentes de Ensino Superior (ANDES) com o apoio do MST, MAB e FORMAD.
Neste evento foi discutido o complexo hidrelétrico da bacia Teles Pires formado pela UHE São Manoel (747 MW); UHE Teles Pires (1820 MW); UHE Colíder (342 MW); UHE Sinop (461 MW) e UHE Foz do Apiacás (275 MW), no rio Apiacás.
Neste complexo estão abrangidos os municípios Sinop, Colíder, Ipiranga do Norte e Cláudia, na região médio-norte. Serão afetados Projetos de Assentamento, a T.I. Kaiabi, 118 lotes da Gleba Mercedes, em Sinop e o acampamento 12 de outubro, em Cláudia – o INCRA já comprou uma área que não poderá ser ocupada, pela quase total inundação dela.
Neste Seminário, lideranças de segmentos sociais e de vários movimentos sociais compartilharam questionamentos e reflexões, terminando na criação do Fórum Teles Pires Vivo, a fim de uma mobilização social contra os empreendimentos hidrelétricos na bacia Teles Pires.
Demarcar uma Terra Indígena (T.I.) é a União reconhecer oficialmente o direito natural e histórico dos povos indígenas usufruírem a sua terra conforme os seus usos e costumes. Entretanto, uma liderança da T.I. Kaiabi questionou se tem lei porque não está assegurado para a gente e depois avaliou que o próprio governo federal faz grandes obras dentro da T.I. causando impactos socioambientais, e o complexo hidrelétrico da bacia de Teles Pires é uma das expressões disso.
Outra liderança Kaiabi relatou que os engenheiros da EPE quando visitaram a sua comunidade afirmou que não acontecerão impactos, falseando a realidade. Em paralelo, negociaram com ele para ajudar a convencer o seu povo em aceitar a construção de barragem, prometendo cinco carros como recompensa. Esta liderança analisou que as ações de técnicos da EPE provocam divisão interna na comunidade identificando um tipo de impacto social que acontece antes das obras das barragens, e que não é considerado no EIA RIMA. Em suas palavras, já está afetando, as empresas já foram quatro vezes na aldeia, fizeram quatro reuniões sobre barragem.
Há relatos de assentados que igualmente identificam esta questionável metodologia de trabalho dos funcionários da EPE junto às comunidades locais.
A Gleba Mercedez 5 recebeu técnicos que prometeram escada para os peixes que vêm de Colíder. Explicou para a comunidade que os peixes baterão a cabeça numa caixa, ela se abrirá, o peixe entrará e fechará a caixa, a caixa subirá, depois vai parar, abrirá e o peixe sairá para o rio (Lídia, Gleba Mercedez 5). Enfim, o técnico garantiu que não haverá redução de peixes. Deveria ter um tipo de seguro que a EPE deveria assegurar às famílias atingidas, caso a sua afirmativa não se concretizasse na realidade.
A comunidade desta Gleba também questionou sobre a inundação de uma bela paisagem natural ali existente. Os técnicos afirmaram que iriam construir uma praia artificial mais bonita que ela. Ainda prometeram que iam avaliar a terra baseado no valor de mercado para a indenização. Mas como a terra não é regularizada, é inviável a concretização disso. Estes agentes do poder públicoprivado recomendaram para a comunidade pressionar o INCRA para regularizarem a situação fundiária a fim de receberem a indenização. É difícil dar adjetivo para este tipo de comportamento, porque desconsiderou a situação dos pequenos e médios agricultores que têm processo de regularização fundiária por 10,15,20 anos, inconclusos pela falta de compromisso do INCRA, SEMA e INTERMAT.
Ainda prometeram que arrumariam outra terra do mesmo tamanho do atual lote no lugar desejado pelas famílias desta Gleba.
Estes relatos retratam como é construído o diálogo do poder públicoprivado com as comunidades. É indignante a falta de compromisso, seriedade e profissionalismo revelada na ausência de clareza das propostaspromessas feitas às comunidades, sendo ausentes as condições reais para a realização das mesmas. Atingidos pela barragem do Manso identificam que estes discursos eram os mesmos feitos a eles e que não foram cumpridos. Famílias atingidas estão desempregadas, sem moradia, adoecidas e que aumentaram o índice de pobreza, fome, desemprego e alcoolismo.
Outra questão é referente ao reservatório acumulado, ele é
uma área extensa de água parada, armazenada, convertendo-se, inclusive, em foco de proliferação de mosquitos, transmissores de doenças. Há o relato de uma integrante do MAB sobre a experiência do Manso, em que a região da água parada provocou a putrefação de materiais orgânicos locais e que pela falta de fluidez da água, exalava um cheiro fétido a longa distância e de caráter poluente. Pessoas que banharam neste local, perdiam a unha e cabelos, provocando descascamento da pele, retratando a qualidade venenosa da água.
Integrantes do MAB relataram que muitas famílias atingidas pela barragem construída no rio Manso não foram indenizadas até hoje. Criticam que estes projetos são associados ao desenvolvimento da indústria brasileira, sendo o progresso a justificativa de tais empreendimentos. Em contrapartida, apagam a realidade dos atingidos (integrante do MAB) que, inclusive eram atores da produção de diversos produtos alimentícios em suas roças para as suas famílias, praticantes da pesca tradicional, e tinham segurança de moradia, além de reproduzir uso e conhecimento de plantas medicinais. Hoje, a depressão e outras doenças psíquicas afetam várias famílias ainda não indenizadas pela barragem no rio Manso. Tudo isso configura impacto das obras hidrelétricas, revelando os efeitos na saúde pública, na segurança alimentar, habitacional e de geração de renda entre os atingidos que se estendem por décadas posterior à conclusão das obras, geração, distribuição e comercialização de energia.
Por fim, a construção do complexo hidrelétrico na bacia Teles Pires implica a desapropriação de mais de cem mil há na região, inundando roças, área de pesca, caça, coleta, moradia dos acampados, assentados, kaiabi, agricultores familiares e outros.
É ausente ainda a dedicação de esforços para a elaboração de energias alternativas mais sustentáveis que não sacrifiquem as comunidades locais, e o impacto social não é priorizado como princípio norteador na gestão de políticas públicas.