Desenvolvimento técnico e distanciamento político nas ONGs

O que motivou a criação de diversas instituições socioambientais que existem hoje foi um desejo de transformação da realidade. Esse desejo evoluiu para uma ação política embasada em conceitos técnicos. Assim ainda conseguimos mobilizar a sociedade?

Augusto Pereira* Sabemos do abuso sofrido por trabalhadores da educação, do campo, da indústria. Sabemos que agrotóxicos são despejados sobre nossos alimentos, que índios são ameaçados em suas terras, que o desmatamento ameaça riquezas naturais ímpares. Mas qual é o grau de perigo que uma espécie sofre? Por que não podemos tirar metade da Amazônia para criar gado? Onde existe trabalho escravo? Para afirmar com exatidão o que está errado e como podemos fazer certo, nossas instituições passaram por um processo de aprendizado e elaboração de dados técnicos. Ao invés de dizermos somente “salve nossa cachoeira” precisamos aprender a convencer toda a sociedade de que manter a cachoeira é o melhor para a coletividade. A campanha de coletar o lixo da cachoeira no fim de semana não era suficiente. “Vocês são muito ideológicos”. Isso foi usado contra a atuação apaixonada das ONGs, mas também usado para desqualificar as suas metas que continuam sendo ideológicas. Isso realmente atingiu a autoestima de ONGs que não tinham informações simples, como área plantada de soja ou índice de desemprego do mês. As organizações contrataram pessoas que não compartilharam do seu momento de criação. Biólogos, advogados, comunicadores que sabiam fazer bem seu papel profissional com menos paixão pelo tema, mas com a precisão técnica que faltou às ONGs no início. Todos ganharam muito com isso, os governos receberam estudos técnicos de grande valia, as instituições aprenderam a planejar com os pés no chão. Pensar na economia da instituição ajudou a pensar na economia do estado e do país e enxergar os desafios ambientais e sociais além da missão da própria instituição. Agora nos encontramos numa armadilha do nosso amadurecimento. No início as instituições falavam de temas compreendidos pelo senso comum e tinham apoio de fatias da sociedade. Agora, com as especificidades, estamos debatendo a redação de um parágrafo de determinada lei. Com isso há pessoas que convivem conosco que não sabem mais pelo que estamos lutando. Até sabem, mas não vêem como esse dado fará diferença para nosso futuro. Com a atuação de gabinete começamos a exercer política sem povo. As passeatas para salvar a cachoeira ou impedir a construção do hotel na praia perderam público. Agora se busca embargar a obra juridicamente. Essa forma de atuação tem seus resultados, mas é importante lembrar o alerta feito pelo argentino Nestor Canclini: muito comumente, a chamada sociedade civil organizada tem tomado o lugar do povo e o representa sem seu consentimento. É hora de pensar em reagrupar as pessoas, discutir presencialmente, envolver a população nos temas com que trabalhamos. Talvez nem seja esse o caminho. É possível que tenhamos que perguntar à população quais são os temas pelos quais eles querem lutar. Nosso desafio é continuar tendo legitimidade nos argumentos, na representação e ter reconhecimento político. * Augusto Pereira é especialista em comunicação.

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