Por Dafne Spolti /OPAN
Apesar do grande número de votos na Câmara dos Deputados para aprovação do Projeto de Lei (PL) 490, de 2007, que visa o desmonte dos direitos indígenas, a bancada do cocar e o movimento indígena não desanimaram e continuam otimistas na luta pelo arquivamento do projeto, dada a flagrante inconstitucionalidade da proposta e a potência dos povos indígenas, organizações e parceiros.
Sem contar que, para virar lei, o PL ainda deve trilhar um longo caminho. Após a aprovação na Câmara, o agora PL 2903 será votado no Senado Federal e, se aprovado, segue para a Presidência da República, que poderá vetá-lo integral ou parcialmente, o que exigiria, nesse caso, novas discussões no Congresso Nacional. E para além das esferas do legislativo e do executivo, ainda há a grande possibilidade de o Supremo Tribunal Federal (STF) declarar a sua inconstitucionalidade.
“Pra nós não significou uma derrota porque conseguimos mobilizar outros parlamentares que não têm exatamente um discurso progressista. Porque votar a favor da vida, votar a favor dos povos indígenas está para além de ser de um partido progressista, está no senso de humanidade”, disse a deputada federal Célia Xakriabá, na live da Articulação dos Povos Indígenas (Apib) realizada ontem (31/05), intitulada “A luta continua: saiba quais serão os próximos passos da mobilização nacional Indígena sobre o PL490 e Marco Temporal”.
O PL 490, durante seus anos de tramitação, teve acrescentados a ele novos processos que alteraram o seu escopo. Inicialmente, visava passar as demarcações de terras indígenas do Poder Executivo para o Congresso Nacional. Todavia, com as novas proposições, incorporou a tese do marco temporal, segundo a qual só podem ser demarcadas as terras em que se comprove a ocupação indígena na data da promulgação da Constituição Federal (CF), o que fere diretamente a Carta Magna.
Além da proposta de mudar a responsabilidade das demarcações e da tese do marco temporal, Dinamã Tuxá, coordenador executivo da Apib, explicou durante a live outros artigos que passaram a compor o PL, como a retirada do usufruto exclusivo dos povos indígenas aos seus territórios, a flexibilização a grandes empreendimentos nas terras indígenas, a ameaça aos povos isolados com autorização de contato e entrada de missionários para dentro das áreas, e o não cumprimento da Convenção 169 da OIT, que garante a todos os povos o direito à consulta livre, prévia, informada e consentida diante de projetos que possam impactar seus territórios. Trechos do texto que ferem o usufruto exclusivo, e que trariam possibilidades de mineração, garimpagem e recursos energéticos, foram retirados do PL. “Foi um ganho importante a redução desses danos”, destacou Célia Xakriabá.
Contexto político
Vale pontuar que a tese do marco temporal também é pauta no STF, que, em agosto de 2021, teve o julgamento sobre o tema adiado após o pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes. Na ocasião, o placar estava empatado, com o voto contrário à tese do relator Edson Fachin e outro favorável por parte do ministro Kassio Nunes Marques. A continuação do julgamento está marcada para quarta-feira, 7.
Diante desse cenário, muitos analistas consideram que a votação em regime de urgência na Câmara dos Deputados foi uma manobra de congressistas da oposição visando se antecipar à votação do Supremo, colocando, assim, pressão sobre os ministros que ainda não votaram, afinal não é de hoje que a relação entre o legislativo e o judiciário está estremecida.
Não bastasse o conteúdo de caráter inconstitucional, juristas apontam falhas de ordem técnica no campo jurídico. Afinal, a proposta trata de questões asseguradas na Constituição Federal por meio de projeto de lei ordinária, o que representa fragilidade jurídica para sua continuidade, e, portanto, deverá ser discutido na sequência de sua tramitação.
Diante dos desafios para os próximos dias e processos na tramitação do PL 490/ PL 2903, representantes do movimento indígena pediram a continuidade do acompanhamento e da articulação de todos os povos para o arquivamento do projeto. “Que sigamos mobilizados e cobrando agora do Senado um posicionamento pró vida, pró meio ambiente, pró terra demarcada”, concluiu Dinamã Tuxá.