Ministério da Pesca reforça contrariedade científica e popular ao projeto do Governo de MT que já é investigado pelo MPF

PL da Pesca coloca em risco a garantia de benefícios sociais a mais de 20 mil pescadores.

Por Bruna Pinheiro / Formad

Às vésperas de ser colocado em votação, o Projeto de Lei 1363/2023, do Governo de Mato Grosso, ganha cada vez mais posicionamentos contrários pela sua inconstitucionalidade, falta de consulta popular e o risco de vida e sobrevivência a milhares de pescadores no estado. Em nota técnica, o Ministério da Pesca e Aquicultura aponta impactos éticos e socioeconômicos na aprovação do projeto e rebate o argumento do Governo sobre a redução do estoque de peixes nos rios estar ligada à atividade pesqueira tradicional. Segundo o Ministério, isso é reflexo de barramentos causados por usinas hidrelétricas e a degradação ambiental causada por empreendimentos agrícolas. O PL da Pesca, ou “Transporte Zero” pode ser votado em definitivo nesta quarta-feira (28).

Para justificar a contrariedade ao projeto, a nota técnica cita alguns dos impactos da proibição da pesca em rios de Mato Grosso por cinco anos, como pretende o Governo estadual. Seriam eles: perda do modo de vida, desemprego e pobreza, insegurança alimentar, perda de conhecimento tradicional, exclusão e marginalização. O texto cita ainda que “a importância da pesca para os pescadores artesanais transcende questões econômicas, uma vez que ela é fundamental para a manutenção de suas identidades culturais e sociais. A pesca artesanal permite que essas comunidades preservem e valorizem suas tradições, costumes e saberes ancestrais. Através de técnicas sustentáveis, os pescadores artesanais garantem a preservação dos recursos pesqueiros, pois têm um profundo conhecimento dos ciclos naturais, hábitos e comportamentos das espécies, bem como dos ecossistemas em que habitam”.

Apresentado pelo Governo de Mato Grosso, o PL 1363/2023 traz como uma de suas justificativas para proibir a pesca no estado a baixa no estoque pesqueiro nos rios de Mato Grosso. No entanto, até o momento, nenhum estudo ou levantamento técnico que comprove isso foi apresentado. Já para quem é contra o PL, o argumento é facilmente rebatido. Em nota técnica, o Ministério da Pesca cita o estudo conduzido pela Embrapa Pantanal na Bacia do Alto Paraguai (BAP) que demonstra a estabilidade notável no estoque e alerta que não há evidências científicas que apontem o contrário.

Considerando que a grande maioria dos recursos pesqueiros do Estado do Mato Grosso são espécies migradoras, os barramentos causados pelas usinas hidrelétricas em conjunto com os altos níveis de poluição e degradação ambiental causados por empreendimentos agrícolas, representam verdadeiramente uma ameaça aos estoques pesqueiros do Estado, diferente da atividade pesqueira artesanal”, diz a nota técnica.

Na manhã desta terça-feira (27), pescadores de Santo Antônio de Leverger e outras comunidades fecharam um trecho da MT-040 em protesto contra o projeto. Em uma das faixas, o pedido: “Deputados, não deixem as famílias mais carentes sentirem a fome em sua mesa. Não colaborem para as cidades ribeirinhas serem dizimadas”.

Benefícios e proteção sociais comprometidos

Uma das críticas em relação ao PL 1363/2023 é quanto a garantia de benefícios aos pescadores com o fim da atividade profissional, a exemplo do seguro desemprego. De acordo com o Ministério da Pesca, a proibição da atividade teria impacto direto sobre o recebimento deste benefício durante o período de defeso, uma vez que a atividade não seria exercida ininterruptamente. “Além disso, os pescadores profissionais artesanais que se enquadram na categoria de segurado especial têm direito a benefícios previdenciários, como aposentadoria por idade e auxílio-doença. No entanto, a suspensão da atividade pesqueira profissional, com a cessão das contribuições previdenciárias, impactará na perda da qualidade de segurado especial, afetando sua cobertura previdenciária e a segurança social a que têm direito. (…) Dessa forma, a proibição da pesca afetaria não apenas o sustento econômico dos pescadores artesanais e suas formas culturais e identitárias, mas também sua proteção social.”

Em audiência pública na Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT), em 13 de junho, o tema foi questionado por pescadores, preocupados com a possibilidade de não conseguirem se aposentar. Na ocasião, nenhum deputado favorável ao projeto apresentou qualquer explicação.

Manifestações contrárias ganham força e projeto será investigado

Composta por mais de 200 associados, a Sociedade Brasileira de Ictologia é outra entidade a se posicionar contrária ao PL 1363/2023. Nesta segunda-feira (26), a organização se manifestou contra o projeto em virtude da falta de critérios técnicos para proibir a pesca profissional-artesanal em Mato Grosso, ignorando informações técnicas e científicas disponíveis sobre o tema. “Quando decisões de políticas públicas são tomadas sem o conhecimento técnico-científico sobre o assunto e sem uma ampla discussão com todos os setores e cidadãos diretamente impactados com a aprovação de um PL, as decisões se tornam traumáticas e excludentes para muitos.”

Outra manifestação vem do Conselho Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais, que divulgou uma moção de repúdio ao projeto, denunciando a falta de consulta pública, apresentação de estudos de viabilidade e impactos às comunidades pesqueiras de Mato Grosso, que dependem da atividade para sua subsistência e sustento. O documento cita ainda que o PL “desrespeitou a OIT 169 não realizando a consulta prévia, livre e informada e a Lei de Segurança Alimentar e Nutricional ao não garantir o direito fundamental de alimentação adequada e segurança alimentar”.

A ausência de consulta prévia a ribeirinhos, indígenas e pescadores artesanais na elaboração do PL 1363/2023 levou o Ministério Público Federal (MPF) a abrir um inquérito civil para investigar o caso. Vale ressaltar que a realização de audiências públicas como vem sendo conduzida pela ALMT, não atendem ao modelo de consulta pública.

Votação acelerada

A votação do PL 1363/2023 está marcada para esta quarta-feira (28). Uma enquete divulgada hoje (27) e realizada pelo Observatório Socioambiental de Mato Grosso (Observa-MT) em parceria com a Pulso Público, aponta que o projeto tem o voto favorável declarado de seis dos 24 deputados estaduais. São eles: Beto Dois a Um (PSB), Diego Guimarães (Republicanos), Dilmar Dalbosco (União Brasil), Dr. Eugênio (PSB), Valmir Moretto (Republicanos) e Reck Júnior (PSD).

Ao todo, 11 parlamentares não responderam à enquete ou declararam ainda não possuírem opinião formada. Os votos contrários ao PL são dos deputados Dr. João (MDB), Eduardo Botelho (União Brasil), Elizeu Nascimento (PL), Lúdio Cabral (PT), Valdir Barranco (PT), Wilson Santos (PSD) e Thiago Silva (MDB).

O projeto já foi aprovado em primeira votação, em 2 de junho, e segue em regime de urgência, conforme solicitado pelo Governo. Se aprovado, a Lei deve entrar em vigor somente em janeiro de 2024. 

Documentos citados:

Nota técnica do Ministério da Pesca e Aquicultura

Nota técnica da Sociedade Brasileira de Ictologia

Moção de repúdio do Conselho Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais

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