Por Dafne Spolti / Opan
Foi realizado em Cuiabá, na praça Ulisses Guimarães, entre os dias 3 e 5, o segundo Acampamento Terra Livre (ATL) de Mato Grosso, edição estadual dessa que é a maior mobilização dos povos indígenas do Brasil. Após mesas de discussões durante a semana, se reuniram no último dia em uma audiência pública na praça, onde denunciaram violações e defenderam seus direitos a território, saúde, educação e à consulta sobre projetos que possam impactá-los.
“O ATL é um movimento político, um movimento de resistência”, disse a presidente da Federação dos Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso (Fepoimt), Eliane Xunakalo. Ela destacou que se propõem a construir diálogo com todos os poderes instituídos em relação às necessidades e soluções por eles apresentadas. Na atividade, Kokonan Metuktire, filha do Cacique Raoni, defendeu a proteção dos territórios indígenas: “Nós, povos indígenas reunidos aqui neste momento, temos que mostrar a nossa luta. A gente não quer que o não indígena destrua a floresta e os nossos rios”.
Soilo Urupe Chue Chue, do povo Chiquitano, da regional Vale do Guapóré na Fepoimt, reivindicou a demarcação de terras do Portal do Encantado e da Vila Nova Barbecho e as demais do estado. “Em nome desses dois, pedimos a todos os territórios, Chiquitano e Nambikwara que estão em processo de demarcação, estendendo a todas as terras indígenas que ainda faltam ser demarcadas no estado de Mato Grosso”. Em sua fala, Soilo destacou também a complementaridade na implementação das políticas públicas entre os poderes executivos municipais, estaduais e nacional, chamando atenção para situações degradantes relacionadas à educação escolar e à saúde indígena.
Agnelo Xavante, da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), questionou por que a saúde está tão precária e causando mortes ao povo Xavante. Ele contou que, naquele dia do ATL, o filho de um amigo, um bebê, tinha acabado de ir a óbito em um hospital de Cuiabá. “Não é por falta de recursos que estamos morrendo. Não é por falta de recurso que as nossas UBSs e polos-base de saúde não estão sendo equipados. Está havendo muita desmoralização e muita humilhação do nosso povo indígena no estado de Mato Grosso”.
Gilmar Koloizomae, do povo Paresi, falou sobre a situação do aumento de suicídios entre indígenas do estado, o que vem entristecendo e preocupando as comunidades. “A gente tem que olhar isso com bastante atenção: as autoridades, os órgãos responsáveis, as lideranças”.
A educação escolar indígena foi outro assunto que teve bastante atenção das lideranças no ATL-MT. Helber Tapirapé, representante da região Médio Araguaia, questionou as dificuldades de implementação do que é normatizado nessas políticas. “Os povos indígenas têm suas especificidades. Isso as autoridades competentes também entendem muito bem, está nas leis garantidas”, disse, explicando a preocupação sobre a matriz curricular das escolas indígenas. “Eu digo isso porque o povo Apyãwa [Tapirapé] trabalha com as crianças alfabetizando primeiramente na língua nossa. Por que a gente trabalha dessa forma? Para garantir a continuidade da nossa língua, da nossa cultura, da nossa forma de organização”, complementou.
Outro assunto colocado pelos presentes foram as obras de infraestrutura sem consentimento dos indígenas. Rosinês Kamunu, do povo Manoki, defendeu o direito à consulta livre, prévia e informada para projetos que impactem os povos indígenas. “Hoje a gente está sendo afetado pelo garimpo, pela mineração, então a gente pediria que fosse consultado antes de liberarem essas licenças, principalmente nos nossos rios que estão localizados na bacia do Juruena. A nossa preocupação é muito grande e é por isso que estamos na capital, até mesmo pro governo do estado nos ouvir”.
“Aqui o governo é discriminatório, preconceituoso. E os deputados e políticos anti-indígenas estão fazendo esses projetos ao invés de atender aos povos indígenas, de fazer projetos de alternativas para a nossa sobrevivência e que não acabem com a natureza”, disse também Agnelo Xavante.
Rumo à Brasília
Este mês de abril, povos indígenas de Mato Grosso se encontram a populações de todo o país no Acampamento Terra Livre nacional, que está completando 20 anos. “Nosso marco é ancestral. Sempre estivemos aqui” é o tema da mobilização, que será realizada em Brasília entre os dias os dias 22 e 26, no Conjunto Cultural Funarte.