Na última quarta-feira (9) os parlamentares, demonstraram novamente estarem andando na contramão da história do Brasil. Há mais de 7 anos, deputados fazem “acordo” para definirem o que é Trabalho Escravo.
A Câmara dos Deputados adiou mais uma vez a decisão da Proposta de Emenda à Constituição (PEC do Trabalho Escravo) 438/2001 – que prevê o confisco de propriedades em que escravos forem encontrados e sua destinação à reforma agrária ou ao uso social urbano – Os parlamentares acataram a sugestão do líder do PMDB, deputado Henrique Eduardo Alves (RN), de transferir a votação para o próximo dia 22. De acordo com o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), está-se buscando um entendimento para aprovação da matéria por unanimidade. “Há uma discussão sobre o que é trabalho escravo. O que caracteriza trabalho escravo e o não cumprimento da legislação trabalhista precisa ficar mais claro”.
Após forte pressão da sociedade civil organizada, a PEC 438 que estava parada, desde a votação em 2004, em que foi colocada e votada em primeiro turno na Câmara. Apesar de haver quórum, com 338 presentes quando a sessão extraordinária começou, Marco Maia aceitou a sugestão da bancada ruralista, após pedir para que os líderes de partido se manifestassem sobre o tema. Todos os partidos concordaram com o adiamento, com exceção do PSOL. O deputado Ivan Valente (PSOL-SP), lamentou o adiamento, pois para ele, não haverá mudanças no texto até dia 22. Já que ela se encontra em votação de segundo turno, e pelo regimento da Câmara, não há como fazer mudanças. Assim os ruralistas adotaram como estratégia o adiamento para aproveitar e negociar mudanças profundas quando o texto for para o Senado e tentar usar a PEC 438 para descaracterizar o que é a escravidão contemporânea.
O que é trabalho escravo?
Com essa pergunta na ponta da língua, a bancada ruralista promove “insegurança jurídica” no campo e na cidade. Eles afirmam que não há clareza sobre o conceito de trabalho escravo, porque não concordam com o conceito de trabalho escravo. E ainda defendem que o Brasil, adote as definições da Organização Internacional do Trabalho – OIT sobre o tema.
Desde 1995 o Brasil reconhece a existência de indícios de trabalho escravo contemporâneo. O artigo 149 do Código Penal, que trata do tema, é de 1940, reformado em 2003 para deixar sua caracterização mais clara. Em resumo a lei determina: condições degradantes de trabalho, fatos excluem o trabalhador de sua dignidade. Jornada exaustiva, fatos que impendem o trabalhador de se recuperar fisicamente e mentalmente. O cerceamento de liberdade, fatos para reter a pessoa no serviço, isolamento geográfico, retenção de documentos, ameaças físicas e psicológicas, espancamentos e até assassinatos. E a servidão forçada por dívida, em que o trabalhador contrai ilegalmente um débito inexistente e fica preso e trabalhando até pagar. São algumas das características para se considerar Trabalho Escravo.
Mesmo com esses inúmeros fatos, os deputados brasileiros, ainda não entendem o que pode ser trabalho escravo. Caso o leitor também continue com dúvidas, não espere por 7 anos para compreender, acesse aqui o Manual produzido pelo Ministério do Trabalho e Emprego do que é levado em consideração durante uma fiscalização por trabalho escravo e saiba mais sobre o artigo 149.
O começo das negociações
A proposta inicial, de autoria do deputado Paulo Rocha (PT-PA), foi modificada e transformada, em 2001, na PEC 438, do então senador Ademir Andrade (PSB-PA), que prevê que a terra seja destinada imediatamente à reforma agrária. O texto foi aprovado no Senado, em 2001, e logo encaminhado à Câmara dos Deputados, onde, em 2004, foi colocado em votação e, em primeiro turno, também aprovado. A tramitação da PEC teve passos lentos, e fatos como em 2004, uma chacina na cidade de Unaí, em Minas Gerais, que resultou na morte de três auditores fiscais e um motorista do MTE durante uma emboscada de fazendeiros locais, contribuiu para pressionar a votação da PEC. Entretanto, após a votação em primeiro turno, com 326 votos favoráveis e 10 contrários, a matéria “estacionou”.
Enquanto a PEC do Trabalho Escravo, ficou “estacionada” foram criadas outras ferramentas que auxiliaram o governo e a sociedade civil a combater o uso de mão de obra escrava e na proposição de novas políticas públicas. Em 2003, no primeiro ano do governo Lula foi instituída a Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), que reúne autoridades envolvidas no combate e representantes da sociedade civil.
O posicionamento da Conatrae é claríssimo e em consenso as entidades, são contrárias a qualquer revisão do conceito sobre o que seja escravidão contemporânea.
O deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) disse durante a votação “A princesa Isabel enfrentou resistência de escravocratas, mas em nenhum momento teve que explicar o que era escravidão”, lamentando o adiamento até dia 22 da votação.
Trabalho Escravo no Brasil e em Mato Grosso
Casos de trabalho escravo tornaram-se frequentes nos últimos anos no Brasil. Somente entre 2003 até abril de 2012 foram 35.834 trabalhadores resgatados em situação análoga a escravidão, de acordo com o MTE. As ocorrências geraram multas no valor de R$ 65 milhões. Somente no ano passado, 2.428 foram encontrados atuando neste regime. De acordo com a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o agronegócio responde pela maior parcela dos registros de trabalho escravo no país.
A CPT-MT afirmar que o agronegócio é o principal fomentador das condições degradantes de trabalho no estado. “O Trabalho Escravo em Mato Grosso está diretamente ligado ao modelo de desenvolvimento existente. Modelo este que transforma tudo em negócio (a água, a natureza, as pessoas, etc). Neste sentido a CPT repudia, não só a não votação, como qualquer alteração, que ocorra na PEC, posto que, voltar a discutir o conceito de Trabalho Escravo é um retrocesso inadmissível, haja vista que o artigo 149 do Código Penal nos dá o conceito claro de Trabalho Escravo Contemporâneo.” Afirma Elizabete Flores, Coordenadora da Campanha de Prevenção e Combate ao Trabalho Escravo.
Esse também é o entendimento do Fórum de Direitos Humanos e da Terra de Mato Grosso. O sociólogo, Inácio Werner avalia que “o Governo não consegue unir forçar para enfrentar o Agronegócio. Em nenhum espaço é possível punir os crimes ambientais e trabalhistas, que são gerados pelo Agronegócio.”
Em Mato Grosso no ano de 2011 foram libertados 96 trabalhadores, sendo que os mono cultivos (soja, eucalipto, algodão) foi onde ocorreu o maior número de libertos (37), segundo pecuária (21) e terceiro extrativismo (19). Esse focos de libertação ocorreram em maior parte no norte, noroeste do estado, além da baixada Cuiabana.
Segundo os dados da CPT de 1995 a 2011 foram libertados em MT 5.788 trabalhadores, o que representa 13,3% dos trabalhadores resgatados no país neste período. Estes números dão ao estado o infeliz posto de 2º colocado nacional em número de libertações, deixando para trás somente o Estado do Pará.
Mato Grosso, juntamente com o Estado do Pará, ocupa o primeiro lugar no número de nomes inscritos na lista suja, 33, do total de 296. Com exceção do ano de 2011, desde 2003 o Estado é um dos campeões no número de denúncias de trabalho escravo.
O próximo capitulo dessa “novela” está marcada para o dia 22 de maio. Com ou sem acordo, ela teria que voltar ao Senado de qualquer maneira por ter sofrido alteração na votação em primeiro turno na Câmara.
Enquanto deputados tentam entender o que é trabalho escravo, até a próxima votação, centenas de brasileiros continuaram levantando todos os dias e vivendo na pele o fato de ainda serem escravos, em um país que se julga democrático e seu povo livre, além de ser considerado como a sexta maior economia do mundo.
Caio B.O.B. é jornalista do Fórum Mato-Grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento
*Com Agências e Repórter Brasil