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Comitês Populares da Copa completam um ano e encontram desafios na luta contra remoções forçadas

Passado aproximadamente um ano da formação de Comitês Populares nas doze cidades-sede dos jogos da Copa do Mundo de 2014, já foram realizadas várias mobilizações, discussões e atos conjuntos, como a publicação da Nota Pública de Repúdio à Aprovação da Lei Geral da Copa na Comissão Especial (leia aqui) e o Dossiê da Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa (leia aqui). Em contraponto, a quantidade de remoções e desapropriações sem a devida realocação, além de notificações para aqueles que vivem em locais sujeitos a estas, aumentou nos últimos meses.

Os Comitês Populares são compostos por movimentos sociais, ONGs e pessoas comuns que pretendem denunciar casos relacionados à Copa de 2014,  principalmente os de superfaturamento, agressão ao meio ambiente e as já citadas remoções e desapropriações. Quanto ao posicionamento dos Comitês em relação à realização, ou não, da Copa no país, Renato Zerbinato, do Comitê Popular do Distrito Federal disse “Não somos contra a Copa em si, mas entendemos que não há algum legado positivo que este evento deixará”.

O Projeto de Lei Geral da Copa

A principal luta dos Comitês é contra a Lei Geral da Copa que, além de beneficiar a poucos, apresenta diversas modificações em relação ao que encontramos na legislação brasileira, sendo algumas destas a criação de novos tipos penais, com repressão da liberdade de expressão, da espontaneidade e da criatividade brasileira; retirada de direitos conquistados por vários grupos sociais, como a meia-entrada e outros direitos dos consumidores; restrições ao trabalho informal, comércio de rua e popular durante os jogos; obstáculos para que o povo brasileiro possa assistir aos jogos como achar melhor, com limitação à sua transmissão por rádio, televisão e Internet; entre outros.

Ainda sobre a Lei Geral da Copa, Renato Cosentino, do Comitê Popular do Rio de Janeiro, acredita que não há necessidade de uma lei específica para poder sediar qualquer tipo de evento no Brasil. Ele afirma ainda que “estão sendo criadas diversas pequenas leis que estão mudando toda a questão jurídica do país, e muitas dessas mudanças vão permanecer. Logo, há uma questão muito grave, porque esses eventos são usados para justificar mudanças legislativas”. Em adição, Zerbinato diz que “foi aprovada uma lei, por exemplo, em que os estados podem se endividar por questão da Copa do Mundo. É esse o legado que isso pode trazer para as gerações futuras”.

Consequências sociais

O problema mais gritante que vem sendo enfrentado em relação à Copa do Mundo de 2014 são as forçadas remoções e desapropriações, em que pessoas são expulsas de seu local de moradia com justificativas que variam entre a preocupação com a mobilidade urbana, riscos ambientais e até a melhoria de suas condições de vida. Porém, é de conhecimento geral a relação destas interferências com a aproximação da Copa do Mundo, já que muitos destes locais coincidem com os das obras, tanto para a construção de corredores de transporte quanto para a ampliação e construção de estádios. O que se percebe também é uma “limpeza social” para “embelezar” as cidades-sede dos jogos. Célio Maranhão, do Comitê Popular de Salvador, conta que lá não houve, por enquanto, nenhum caso de remoção, no entanto “a população de rua teve mais de 30 pessoas assassinadas durante a greve da PM na Bahia, numa tentativa de eliminá-la, e isso tem relação com a limpeza social que está sendo feita na cidade por conta da Copa”.

Como está pontuado no Dossiê Megaeventos e Violações de Direitos Humanos no Brasil*, da Articulação Nacional dos Comitês Populares, “se a questão habitacional no Brasil já é grave por si só, a realização da Copa do Mundo 2014 agrega um novo elemento: grandes projetos urbanos com extraordinários impactos econômicos, fundiários, urbanísticos, ambientais e sociais. Dentre estes últimos sobressai a remoção forçada, em massa”. E percebe-se ainda que o objetivo mais geral com a expulsão de pessoas de sua moradia é de limpar o terreno para grandes projetos imobiliários com fins comerciais. No Rio de Janeiro, segundo Cosentino, “Toda e qualquer intervenção urbana é colocada com o selo olímpico, mesmo se não tiver relação, porque assim adquire legitimidade e urgência, faz com que seja menos participativo e haja menos transparência”.

Evanildo Barbosa, do Comitê Popular da Copa em Pernambuco, disse que na terça-feira (24/04) a presidenta Dilma aprovou e liberou para PE algo em torno de R$ 2,4 bi só para mobilidade urbana. “Teremos problemas em algumas áreas em que certos projetos planejam desapropriação”. Em Cuiabá esse tipo de problema começou a aparecer agora também, segundo Inácio Werner, do Centro Burnier de Fé e Justiça, “Neste momento estamos com o primeiro desafio mais concreto, pois saiu a primeira proposta de remoção de aproximadamente 600 famílias, envolvendo quatro bairros”.

Katia Audreuchetti, do Comitê Popular de Porto Alegre, fez, em conjunto com a geógrafa Lucimar Siqueira e Raquel Casiraghi, integrantes do GT Comunicação do Comitê, o seguinte levantamento das remoções em Porto Alegre: “a remoção das mais de mil famílias das vilas Dique e Nazaré, com a desculpa da ampliação do Aeroporto Salgado Filho, está em andamento. Muitas famílias da vila Dique já foram removidas para o novo loteamento, que carece de infraestrutura como creche, escola e posto de saúde. Os sobrados recém-construídos já possuem rachaduras, devido ao material de péssima qualidade que foi utilizado e a pressa com que as casas foram feitas. […] Na região do bairro Cristal e da Vila Cruzeiro, que será impactada pela remoção de pouco mais de 1.300 famílias devido à duplicação da Avenida Tronco, a prefeitura de Porto Alegre está tentando negociar a saída de algumas para dar início às obras. O objetivo do governo municipal era iniciar as obras em Abril, mas estava prevendo realizar as licitações para definir as construtoras que irão fazer as novas moradias somente em Outubro. Ou seja, a política da prefeitura é colocar as famílias de baixa renda, até as novas moradias ficarem prontas, no aluguel social, sem garantia de que serão realocadas na mesma região onde já moram. […] Os moradores das vilas Divisa e Cristal realizam atualmente a Campanha Chave por Chave: ou seja, entregar a chave da moradia atual somente quando estiver garantida a nova moradia. As famílias também exigem um bônus moradia de pelo menos R$ 80 mil e acesso às informações sobre a obra”.

Segundo o Dossiê Megaeventos e Violações de Direitos Humanos no Brasil, diversas das obras planejadas para a cidade de Curitiba e região metropolitana acarretarão na remoção de milhares de imóveis que estão no percurso dessas obras. Embora não haja dados oficiais, é estimada a remoção de ao menos 2.000 a 2.500 famílias, sendo a maior parte de áreas de população de baixa renda, com casos de desapropriações formais e outros sem informação quanto ao mecanismo de remoção. Em relação às indenizações, os órgãos responsáveis apenas esclarecem que os orçamentos dos projetos não preveem recursos para a reparação das perdas impostas aos moradores, seja mediante reassentamento ou indenização.

Consta também no Dossiê que em São Paulo os moradores da Chácara Três Meninas acusam policiais militares de ação truculenta e abuso de poder durante retirada sem aviso prévio. Seis famílias foram expulsas e tiveram suas casas demolidas. Além disso, 2.000 moradores da comunidade do Jardim São Francisco, terceira maior favela da capital, estão sendo despejados sem nenhum atendimento habitacional da Prefeitura. A população reclama que não há mandado judicial, que não foi incluída em programas habitacionais e que seus lotes são legais, pois tem direito à Concessão de Uso Especial para Moradia. O tratamento, contudo, não é tão violento quando o público afetado é a classe média, casos em que são seguidos todos os trâmites legais: notificação dos indivíduos, negociação de valores e formalização de acordos.

Em Fortaleza, mais de 15 mil famílias de várias comunidades serão atingidas por empreendimentos relacionados à Copa do Mundo, como as obras da Via Expressa, que atravessará 22 bairros. As comunidades de lá temem pelas remoções, pois sabem o que aconteceu com as cerca de cinco mil pessoas que moravam nas comunidades Vila Cazumba e Lagoa do Zeza, deslocadas para o longínquo conjunto habitacional Maria Tomásia, com condições de mobilidade inadequadas.

Mobilizações populares e articulações dos Comitês

A última semana de abril foi importante para o Comitê de Salvador, onde fizeram uma reunião em que se constituíram os grupos de trabalho (comunicação, finanças, etc) para dar início às suas mobilizações. A ideia agora é de organizar vários eventos durante o ano para mostrar à população os problemas decorrentes da Copa, como um seminário sobre a questão da dívida que ela vai gerar e outro sobre a Lei Geral, com a intenção de divulgar onde ela ataca os interesses da população.

Sobre Pernambuco, Evanildo disse que “a imprensa local, sob o comando absoluto do capital imobiliário e do agronegócio canavieiro, não abre qualquer espaço para o contraditório, o que faz com que a opinião prevalecente seja ainda aquela dos benefícios, dos impactos positivos, dentre outros reproduzidos correntemente nas esquinas e nos bate-papos. Temos tentado influenciar para que aumente a leitura crítica e a indignação a esse estado de coisas, mas não está fácil”.

No Rio de Janeiro, que além de sediar os jogos da Copa receberá também as Olimpíadas de 2016, o Comitê lançou em 19/4 um Dossiê com casos de violações, remoções (quantas foram e o porquê) e questões trabalhistas, entre outros. Mas há um aumento da participação da população afetada na luta do Comitê, à medida que as pessoas vão percebendo todas as consequências reais da Copa, como o caso de Michel – ex-morador do bairro da Restinga, Rio de Janeiro, que foi removido compulsoriamente. No Dossiê Megaeventos e Violações de Direitos Humanos no Brasil ele declara se sentir “um otário, porque quando o Brasil ganhou esta porcaria de Olimpíada eu estava na Linha Amarela com meu carro, fiquei buzinando igual um bobão. Agora estou pagando por isso. Isso que é Copa do Mundo? Isso que é espírito olímpico?”.

Enquanto isso, em Salvador e Belo Horizonte há uma grande dificuldade em mobilizar a população, em razão da descrença em relação aos impactos ou por desânimo frente às dificuldades de enfrentamento e denúncia. “Questões como a tentativa de derrubada da Mata dos Werneck para a construção de hotéis para a Copa seguem em certo silêncio por parte das autoridades e imprecisão das informações a respeito.” disse Fidélis Oliveira, do Comitê Popular de Belo Horizonte.

Em Natal, apesar de ainda não ter ocorrido nenhuma remoção forçada, os moradores e comerciantes dos bairros das Quintas e do Nordeste fizeram, no dia 13 de abril, um protesto em frente à Urbana, Companhia de Serviços Urbanos de Natal. Eles alegam que o valor oferecido pelo município é muito inferior ao valor real dos imóveis. Já em Manaus, onde também não houve remoção, os moradores dos arredores do Estádio Ismael Benigno vivem sob a incerteza da desapropriação, que é alegada necessária para a ampliação e modernização do campo que poderá ser usado como Centro de Treinamento durante a Copa. O Ministério Público Federal no Amazonas vai solicitar aos órgãos públicos responsáveis as informações sobre os locais diretamente afetados por desapropriações decorrentes dos empreendimentos e sobre possíveis remoções.

Há ainda vários exemplos de mobilizações populares, como o 2º Encontro das Comunidades Unidas pela Moradia em Itaquera, que aconteceu em São Paulo no dia 21 de abril (o 1º tinha ocorrido em 30/07/11). Em Porto Alegre, existe um movimento chamado Ocupação 20 de Novembro – Movimento Nacional da Luta pela Moradia, que organizou no dia 22 de abril uma caminhada com a população em apoio às famílias integrantes do movimento, que vivem ao lado do Sport Club Internacional e estão sendo pressionadas para deixar a área. Ainda em Porto Alegre, o Comitê Popular pretende neste ano fortalecer as mobilizações nos locais das obras, envolver ainda mais as comunidades afetadas e ampliar o debate com outras entidades e movimentos sociais de Porto Alegre e do Rio Grande do Sul.

FONTE: ABONG e ANCOP

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