Indígenas alertam para rápida destruição de importantes referências culturais que ficaram fora dos limites de seus territórios.
“Estão querendo invadir a minha terra sagrada”, disse o cacique Manoel Kanuxi, do povo Manoki, que aguarda a homologação de seu território tradicional. “O branco tem sua religião, o local sagrado dele. Nós não vamos lá para destruir. Nós vamos lá com respeito. Por que ele não age assim diante da nossa cultura, da nossa crença?”, questiona a liderança na frente de outros 53 representantes de povos indígenas do Mato Grosso, reunidos durante o Seminário de Mapeamento da Mitologia Indígena, na semana passada.
Durante três dias, indígenas dos povos Manoki, Paresi, Kuikuro, Panara, Kaiapó, Xavante, Kaiabi, Munduruku, Apiaká, Guató, Zoró, Cinta Larga, Rikbatksa, Bakairi, Bororo, Canela e Umutina estiveram juntos para contar suas histórias sagradas, trocar conhecimentos e fortalecer um movimento de resistência contra as ameaças territoriais e culturais sofridas pelos povos indígenas do Mato Grosso. Também participaram representantes da SEPLAN, SEMA, FORMAD, FUNAI e SEDUC.
O evento foi realizado pelo Projeto Berço das Águas, em parceria com o Grupo de Pesquisa em Educação Ambiental, Comunicação e Arte da Universidade Federal de Mato Grosso (GPEA/UFMT), Rede Mato-grossense de Educação Ambiental (Remtea) e Instituto Caracol. A iniciativa é executada pela OPAN com patrocínio da Petrobras através do Programa Petrobras Ambiental.
O Seminário de Mapeamento da Mitologia Indígena pretendeu dar visibilidade para outras formas de ocupação valorizando a espiritualidade, as histórias e os espaços sagrados. “Estes são aspectos fundamentais para pensar a sustentabilidade dos territórios, juntamente com a integração do sagrado e os sistemas ambientais, sociais e culturais”, explica Artema Lima, educadora ambiental do Projeto Berço das Águas. Nesse sentido, a discussão realizada em Poconé foi exitosa, pois tratou sobre como a espiritualidade deve ser incorporada como componente de políticas públicas, sobretudo na política de gestão territorial em terras indígenas, a ser implementada pelo governo federal.
Em Mato Grosso, são numerosos os exemplos de ameaças a locais importantes para a manutenção das culturas indígenas, como empreendimentos instalados nas cabeceiras dos rios Juruena e Xingu. Há também diversos casos em que essas ameaças continuam a acontecer, mesmo em territórios demarcados, como é o caso do barreiro do rio São Benedito, na Terra Indígena Manoki. “O barreiro é o lugar onde todos os animais vêm se alimentar porque é sagrado. Existe um casal de espíritos que cuida de lá”, explica o cacique Manoel Kanuxi. Ele acredita na força do movimento indígena e passou otimismo aos parentes que participavam do encontro. “Vamos ter fé. Os nossos espíritos vão nos ajudar a retomar aqueles locais para onde queremos retornar”.
“Quando nossos locais sagrados não estão dentro das terras indígenas, eles sobrevivem na lembrança dos velhos. É preciso lembrar que as tragédias não são só físicas, mas espirituais e culturais”, ressaltou Estevão Bororo, que pertence ao povo que originalmente ocupou toda a extensão sul de Mato Grosso, no principal eixo urbano do estado, entre as cidades de Rondonópolis e Cuiabá. “Agora é um momento riquíssimo para promover esta discussão nas escolas, com os jovens, no contexto da política de gestão territorial”, completou.
De acordo com a pesquisadora Michele Sato (GPEA), o evento teve a intenção de recuperar a história dos povos, com uma dimensão pedagógica, política e comunicacional, a fim de que as discussões sejam espalhadas nas aldeias, nas escolas, além de ajudar a divulgar a cultura para a sociedade e políticos em geral.
“Temos que voltar para a nossa origem, que está esquecida. Mostrar para a juventude a força do índio. Quando tudo acabar, vamos seguir os brancos? Nós somos diferentes. Precisamos dos anciãos. Quando vocês voltarem para a aldeia, reúnam a juventude. Eu não estou falando à toa, é a mensagem que eu recebi”, disse o pajé Oreste, Xavante da Terra Indígena Parabubure.
Projeto Berço das Águas
O quê: Projeto para elaborar planos de gestão territorial em terras indígenas do Noroeste de MT e fomentar cadeias produtivas de frutos nativos do Cerrado e da Amazônia para fins de geração de renda e sustentabilidade ambiental dos territórios.
Para quê: Apoiar a gestão territorial e a melhoria das condições de vida dos povos Manoki, Myky, Nambiquara/Sabanê.
Quando: 2011-2012
Quem: Operação Amazônia Nativa (OPAN), com patrocínio da Petrobras através do Programa Petrobras Ambiental
Onde: Terras Indígenas Myky e Manoki, no município de Brasnorte, Tirecatinga, no município de Sapezal e Pirineus de Souza, no município de Comodoro (MT).
OPAN
A OPAN foi a primeira organização indigenista fundada no Brasil, em 1969. Atualmente suas equipes trabalham em parceria com povos indígenas do Amazonas e do Mato Grosso, desenvolvendo ações voltadas à garantia dos direitos dos povos, gestão territorial e busca de alternativas de geração de renda baseadas na conservação ambiental e no fortalecimento das culturas indígenas.
FONTE: Andreia Fanzeres – OPAN