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Lideranças xavante reivindicam retomada de plano de desintrusão

Retirada de não índios da Terra Indígena Marãiwatséde foi paralisada pela justiça no mês de setembro. Plano de desintrusão já havia sido apresentado pela Funai à Justiça Federal de Mato Grosso e ações deveriam começar nos próximos dias

Guerreiros xavante se preparam para retomar parte do território em 2004 – FOTO: WILSON DIAS

Há 46 anos os índios Xavante de Marãiwatséde aguardam retomar definitivamente seu território tradicional em Mato Grosso. Mas a espera durará mais um pouco. Na quinta-feira (13-09), o Tribunal Regional Federal da Primeira Região (TRF1) suspendeu a retirada dos não índios da Terra Indígena (TI).

A decisão foi tomada pelo vice-presidente do tribunal, desembargador Daniel Paes Ribeiro, que acatou a ação movida pela Associação dos Produtores Rurais da Área Suiá-Missú (Aprosum). A desocupação da área pelos não índios foi determinada pelo próprio TRF1.

O processo de desintrusão estava prestes a começar. A Funai já havia apresentado seu plano para a Justiça Federal de Mato Grosso e, de acordo com seu planejamento, as primeiras ações deveriam começar já nas próximas semanas.

O lobby contra a devolução da terra aos Xavante, no entanto, ganhou força nos últimos dias. Uma comitiva de moradores da região veio à Brasília. O próprio desembargador registrou em sua decisão que, no dia 11 de setembro, recebeu em seu gabinete três representantes de um grupo de 300 mulheres e crianças que teriam falado ao magistrado sobre o “clima de conflito iminente” na região.

Antes de Daniel Paes Ribeiro, o grupo já havia se reunido com parlamentares mato-grossenses e com a ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffman. No encontro, a ministra mencionou a possibilidade de a União suspender a homologação da TI, o que precisaria ser analisado pelo Ministério da Justiça e a própria Presidência da República.

Para Adriana Ramos, secretária executiva adjunta do ISA, essa é mais uma prova do desrespeito aos direitos das populações indígenas no Brasil. “Nunca antes na história desse País se desrespeitou tanto o artigo 231 da Constituição Federal”, afirma.

Na tentativa de reverter a decisão, nesta semana um grupo xavante chegou à capital federal para reivindicar seus direitos. Dez lideranças de Marãiwatséde, representando os mais de 800 indígenas que retomaram parte da TI, desembarcaram em Brasília para contar a história de seu povo.

Na tarde de segunda-feira (17-9), foram ao TRF1 para uma conversa com o desembargador Daniel Paes. No encontro, as lideranças falaram sobre a história de Marãiwatséde e mostraram ao magistrado que os dados apresentados pelas famílias dos ocupantes ilegais não são verdadeiros.

“Os indígenas mostraram para o desembargador que aquela terra sempre foi deles, que não pretendem se mudar e pediram para que ele reavaliasse sua decisão”, conta o secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Cleber Buzatto, que acompanhou o grupo.

Muitas informações desencontradas têm sido publicadas na imprensa sobre o assunto. Por exemplo, não haveria áreas para a realocação das famílias não indígenas e elas seriam obrigadas a ficar a beira de estradas.

A questão foi incluída, no entanto, no plano de desintrusão apresentado pela Fundação Nacional do Índio (Funai) à Justiça Federal de Mato Grosso. Segundo o documento, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) será o responsável pelo reassentamento.

De acordo com o plano, “o Incra atuará nos casos cabíveis identificando os ocupantes que tenham o perfil de clientes da reforma agrária”, apesar da totalidade dos posseiros no interior da TI ter sido considerada como “ocupantes de má-fé”.

Outra informação errônea dá conta de que haveria mais de sete mil não indígenas em Marãiwatséde. Um cruzamento dos dados da Secretaria Estadual do Meio Ambiente de Mato Grosso (Sema-MT) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), porém, aponta que os não índios somam aproximadamente 1,2 mil, cinco vezes menos.

“Está sendo feito um uso político dessas informações pelos ruralistas mato-grossenses”, acusa Buzatto.

Desintrusão já

Na busca por parcerias para lutar por seus direitos, os indígenas se reuniram na tarde de terça (18/9) com parlamentares da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados e com representantes da Funai.

“A gente veio resolver a questão da terra. A gente sentiu muito quando soube dessa decisão. Estava acontecendo ritual dos jovens na aldeia quando falaram pra gente que tinha parado de novo. Aí ficou todo mundo triste. Mas a gente vai aguentar”, diz a professora Carolina Rewaptu, uma das lideranças de Marãiwatséde.

A expectativa dos indígenas agora é conseguir reverter a ordem judicial e fazer valer a decisão de retirar os invasores da TI. Por meio de sua assessoria, a Funai informou que vai entrar com recurso e que espera que a decisão do vice-presidente do TRF1 seja revista em breve.

“A decisão apenas suspendeu a operação [de desintrusão] até que a Funai seja ouvida. A instituição está tralhando na contestação e no recurso cabível para reverter a medida”, disse a assessoria.

“Nós estamos confiantes que, mostrando a realidade dos Xavante de Marãiwatséde, a decisão seja reconsiderada pelo tribunal. E também esperamos que o Executivo não recue de sua decisão frente as pressões que os representantes do agronegócio mato-grossense vêm fazendo”, reforça Buzatto.

O Ministério Público Federal (MPF) informou que nos próximos dias também vai contestar a decisão do vice-presidente do TRF1.

Entenda o caso
Marãiwatséde é um exemplo dos impactos da política de expansão agropecuária em Mato Grosso e da violência estatal e privada contra os indígenas. A ameaça ao território xavante começou na década de 1940, com a colonização do oeste brasileiro iniciada pela Expedição Roncador-Xingu.

Logo depois, nos anos 1960, veio a construção da rodovia Belém-Brasília. Em 1961, Marãiwatséde sofreu efetivamente sua primeira invasão, com a instalação da fazenda Suiá- Missú, que chegou a ser considerada “o maior latifúndio do Brasil”, com quase 1,5 milhão de hectares. Formada pelo colonizador Ariosto da Riva a fazenda de gado passou, em 1962, para as mãos da família Ometto e posteriormente foi adquirida pela estatal petrolífera italiana Agip.

Em agosto de 1966, os donos da fazenda, junto com representantes do Serviço de Proteção aos Índios (SPI) – órgão federal responsável à época pela execução da política indigenista, depois substituído pela Funai – fizeram um acordo para a retirada dos indígenas. A explicação oficial era a necessidade de “salvar” os índios, que estavam sendo cercados e não tinham mais acesso à água na região.

Com o auxílio de aviões da Força Aérea Brasileira (FAB), cerca de 300 Xavante foram levados à revelia para a Missão Salesiana São Marcos, 400 quilômetros ao sul, onde moravam outros tantos Xavante já “amansados”. Estima-se que a transferência forçada tenha matado, só nas duas primeiras semanas, mais de 100 índios em uma epidemia de sarampo. Depois disso, os moradores de Marãiwatséde perambularam pelas outras terras xavante até decidirem lutar pela retomada do território tradicional.

Em 1992, durante a Conferência da ONU sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92), a estatal italiana Agip Petroli, sob grande pressão, viu-se forçada a anunciar a devolução do território a seus verdadeiros donos. A partir desse momento, o governo federal iniciou os procedimentos de demarcação, enquanto fazendeiros da região, apoiados por políticos locais, iniciaram uma campanha de ocupação e desmatamento das terras, além de uma batalha jurídica contra o retorno dos indígenas.

O processo de homologação ocorreu sem que os Xavante estivessem por lá. O decreto foi expedido em dezembro de 1998. Era uma época de intensificação dos conflitos entre índios e não índios, o que impossibilitou os Xavante tomarem posse da terra. Apenas em 2004, depois de 10 meses acampados à beira da rodovia BR-158 e em meio a protestos de políticos locais e invasores, parte dos antigos moradores voltou à área e reconstruiu a aldeia onde atualmente mora, ocupando 15 mil dos 165 mil hectares da Terra Indígena.

Em 2012, os Xavante se mobilizaram para relembrar os anos de luta e de expectativa para habitarem novamente todo o território tradicional do seu povo, 20 anos depois da promessa de devolução das terras.

FONTE: Christiane Peres – ISA

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