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“Precisamos rediscutir o que é desenvolvimento e para quem”

O formato da produção agrícola hegemônica, que promove o agronegócio, ou seja, o lucrativo negócio agrícola das monoculturas, não é uma política social isolada no Brasil. Precisa ser entendida dentro de um ideário. Depois do liberalismo, em vigor no país de 1889 a 1930 (Era Vargas), do desenvolvimentismo, em voga dos anos 30 aos 50 (Era Juscelino Kubitschek), da Ditadura Militar, que minou as possibilidades democráticas nas décadas de 60 e 70, e do neoliberalismo de FHC, de 85 a 2002, estamos vivendo sob a égide do neodesenvovimentismo, que vem dando o tom nos últimos anos à gestão pública no país, desde o primeiro Governo Lula até o atual Governo Dilma. Esse ideário evoca o desenvolvimento econômico, ainda que isso afete o meio ambiente e tratore interesses urgentes do povo. Até porque, acredita-se, que se o Brasil crescer, o povo vai melhorar de vida. Mas será?

Mesa temática sobre megaprojetos e seus impactos socioambientais – Bruno Milanez (dir), Inácio Werner (centro), Débora Calheiros – (FOTO: Caio BOB)

Entender esse processo histórico e os ideários políticos dos períodos da nossa história contemporânea pode responder a muitas perguntas. Essa é a avaliação do professor de engenharia de sustentabilidade da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) Bruno Milanez, que é da Rede Brasileira de Justiça Ambiental. Ele fez a palestra “As macropolíticas de desenvolvimento no contexto nacional: dimensões do neodesenvolvimentismo” durante o Seminário sobre Políticas Públicas em Mato Grosso, realizado pelo Fórum Mato-Grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento (FORMAD), dias 25 e 26 de março, em Cuiabá.

O objetivo do seminário foi “contextualizar a macropolítica econômica, mapear os mega projetos em Mato Grosso (hidrelétricas, hidrovias, ferrovias, produção de commodities agrícolas e mineração), apontar os impactos socioambientais gerados, definir caminhos estratégicos de enfrentamento e de articulação regional e estadual, e apresentar experiências econômicas e de políticas públicas bem sucedidas”.

Para o professor, a agenda neodesenvolvimentista junta Estado e mercado. As megaobras surgem como urgências, nos ramos do petróleo, mineração, agronegócio, celulose, etc., em detrimento das urgências humanas, como saúde e educação. Energia e transporte estão no foco da importância. No entanto, observa-se uma espécie de paralisia hiperativa. “É como se o país estivesse em uma esteira correndo feito louco, mas não sai do lugar”, compara Milanez, que é doutor em política ambiental.

Aliás, a negligência aos limites ambientais, a indiferença ao contexto internacional e a aposta em políticas econômicas consideradas adequadas são a sgrandes marcas do neodesenvolvimentismo. “Mas adequadas para quem e crescimento para que?” – pergunta o professor.

Leia a entrevista.
Por que você trouxe à palestra apenas os últimos ideários políticos do Brasil – liberalismo, desenvolvimentismo, Ditadura Militar, neoliberalismo e neodesenvolvimentismo?
Porque antes disso as políticas públicas não eram tão claras assim, mas se baseavam muito no liberalismo também. Eu fiz esse recorte para ficar mais didático.

O neodesenvolvimentismo é mais ofensivo ao meio ambiente do que os outros ideários?
O que eu percebo, dos anos 30 para cá, é que temos a intensificação da extração de recursos naturais e da poluição pelo próprio crescimento da atividade industrial, mas a questão chave não é que seja mais ou menos sensível à questão ambiental, mas é o tamanho da economia e logo o tamanho do impacto, o papel do Estado como estimulador e propagador desse desenvolvimento. O Estado, que poderia ser um ator de proteção e conscientização, vem como indutor de ações degradantes. A maior preocupação na transferência do neoliberalismo para o neodesenvolvimentismo é a ação do Estado em si e não necessariamente se ele é mais ou menos degradante.

A política neodesenvolvimentista é um conjunto de ideias?
Sim, é uma proposta de desenvolvimento. Não está totalmente inserida dentro deste Governo (Dilma), mas vai se tornando cada vez mais hegemônica, desde o Governo Lula.

Mas há contradições nesse projeto, porque, se de um lado se fala em megaobras em prol do desenvolvimento, mas, pelo que você falou na palestra, essas megaobras não têm trazido o desenvolvimento real e nem vida digna para o povo brasileiro?
A contradição se dá pela definição do que venha a ser desenvolvimento. Nessa perspectiva neodesenvolvimentista, o desenvolvimento se mede muito pelo crescimento econômico. Na perspectiva deles, vão dizer: sim, existe um desenvolvimento. Mas se você tiver outra leitura do que venha a ser desenvolvimento – qualidade de vida, respeito às tradições locais, respeito às formas e tempos locais de se reproduzir e produzir – vai ver que então não há desenvolvimento. Então, a questão básica é que precisamos rediscutir o que é desenvolvimento e para quem.

O projeto neodesenvolvimentista está afinado com o de outros países na atualidade?
O que a gente vê é na América Latina, principalmente Brasil. O neodesenvolvimento tem uma ligação muito forte com o neoextrativismo, que também está muito forte em países como por exemplo Venezuela, Bolívia, Argentina, Chile. Fora da América Latina, podemos citar também a China.

Em todos esses lugares se vê também a ofensa ao meio ambiente?
Sim, muitos conflitos locais, principalmente devido ao extrativismo.

FONTE: Keka Werneck – site do Centro Burnier

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