Residência Agrária aprofunda formação para apoiar assentamentos de reforma agrária em Mato Grosso

Curso de especialização é parceria entre MST, UFMT, Pronera e CNPq e resultado da luta dos movimentos sociais do campo no estado.

Residência Agrária UFMT
Por Maíra Ribeiro

Entre 18 a 30 de novembro de 2013, ocorreu o 1º módulo do curso de especialização em Organização Socioeconômica e Política de Desenvolvimento Territorial nos Assentamentos de Reforma Agrária, oferecido pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Há tempos que o curso de especialização é reivindicado por movimentos sociais do campo no estado para a formação de profissionais assentados de reforma agrária ou que atuam junto aos camponeses. O curso foi tomando forma através do diálogo entre a secretaria estadual do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em Mato Grosso e um grupo de docentes da UFMT comprometidos com a luta no campo e se concretizou com recursos do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera-INCRA). O curso tem por objetivo dar embasamento teórico e compreensão da realidade agrária para a atuação desses profissionais nos assentamentos de reforma agrária. Para tanto, o curso se sustenta em quatro eixos norteadores: organização social e econômica; conhecimentos, técnicas e tecnologias; produção social do território e políticas públicas de desenvolvimento da agricultura familiar camponesa.

A aula inaugural ocorreu na Faculdade de Economia da UFMT, com o presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária – ABRA, o economista Guilherme Delgado, que apresentou um panorama histórico da estruturação, desestruturação e reestruturação do agronegócio no Brasil. A aula serviu de preparação para as disciplinas de nivelamento do 1º módulo.

O economista cubano Camilo Recompensa abriu o módulo com a disciplina de Economia Política, que, de forma participativa e didática, realizou a tarefa nada fácil de resumir as bases do método marxista com fundamento e profundidade. Ministrando a disciplina “Metodologia de pesquisa”, o professor Dorival Gonçalves desconstruiu a concepção de método científico ao analisar historicamente as inovações tecnológicas a partir do ser social em que tomaram forma. A professora Juliana Ghisolfi apresentou em sua disciplina, as bases das teorias do Estado liberal moderno e os geógrafos Danilo Volochko e Rafael de Pádua discutiram a formação histórica da questão agrária brasileira.

A diversidade de formações, histórias de vida e regiões de origem dos 60 estudantes selecionados enriquece ainda mais a proposta do curso. Grande parte são agricultores assentados, muitos deles professores nos assentamentos onde vivem. Além de professores e agricultores, os alunos tem formações como a de agrônomos, cientistas sociais e enfermeiros, alguns com muitos anos de profissão, outros recém-egressos da universidade, vindos de diferentes regiões de Mato Grosso e também de Rondônia. No final do módulo, os estudantes de cada região apresentaram o levantamento da sua realidade regional para a turma.

Gente da terra

O curso destina-se a quem já está inserido de alguma forma na realidade do campesinato, seja pela vivência, pela militância ou relação profissional, mas em geral, é pela mistura de todos estes fatores. O mais experiente da turma é o agricultor José Paes Floriano, mais conhecido como José da Paes, do assentamento Margarida Alves em Mirassol do Oeste. Formado em pedagogia e militante do MST, é também poeta e compositor de modas e forrós que versam sobre reforma agrária, mudanças climáticas e a vida na roça.

O agrônomo Valdeir de Souza, de Rondônia, viajou cerca de 1.200 quilômetros para fazer o curso. Valdeir trabalha na implantação do projeto PAIS (Produção Agroecológica Integrada e Sustentável) na sua região. Ele também atua na articulação da rede de agroecologia Terra Sem Males em Rondônia organizando grupos de trabalho para a certificação participativa. “Nesse contexto, o curso vai ajudar a trabalhar a organização dos agricultores, o planejamento de suas unidades de produção e a organizar a comercialização de seus produtos, fortalecendo as feiras agroecológicas” comenta.

Já Cláudia Araujo, da Comissão Pastoral da Terra/CPT-Araguaia com sede em Porto Alegre do Norte, viajou mais longe dentro do mesmo estado para participar do curso. Cláudia, que é formada em engenharia florestal, já participou de diversos cursos na área e pretende aliar a pesquisa do curso ao trabalho junto à comunidade do Assentamento Bordolândia, em Bom Jesus do Araguaia. De quebra, Cláudia conheceu no curso a agrônoma Jaqueline Felipe, formada na Unemat em Nova Xavantina, que logo após o 1º módulo, veio completar a equipe pastoral do Araguaia. A região do Araguaia foi bastante discutida já neste módulo, tendo em vista o histórico de conflitos e lutas travadas no campo nesta região e as lutas dos xavantes de Marãiwatsédé e dos Retireiros do Araguaia, emblemáticos nas atuais disputas territoriais no estado.

“Os conhecimentos adquiridos no curso me permitirão ter um olhar mais científico sem perder o olhar humano e, nesta junção, contribuir nas discussões de como desenvolver os assentamentos da minha região” comenta Verônica Sousa Portugal, agricultora formada em história do Assentamento Madre Cristina, no município de Ariquemes, também em Rondônia. Verônica ressalta a importância de cursos direcionados a assentados ou profissionais diretamente ligados à reforma agrária. “Percebo que há uma deficiência de pessoas com conhecimentos específicos na área de desenvolvimento local e que conheçam na prática esta realidade, pois ter conhecimento técnico e não viver no local às vezes distorce a forma como as questões são vistas”.

Pedagogia e política

É justamente na contramão desse distanciamento entre o saber produzido na universidade e as demandas reais dos camponeses que toma forma o curso de Residência Agrária. A metodologia do curso é da Pedagogia da Alternância, com tempo-escola e tempo-comunidade, no qual são intercalados períodos de imersão nos estudos e de retorno às comunidades. Esta metodologia pretende, numa mão-dupla, levar as reflexões e análises feitas durante o tempo-escola para a realidade do dia-a-dia de trabalho dos estudantes, e trazer a vivência e desafios reais da comunidade para a troca na sala de aula. Além disso, a dinâmica do curso está inserida na metodologia e organicidade do MST, de forma que os estudantes discutem o projeto político-pedagógico do curso e participam de atividades de manutenção do espaço.

Os módulos de tempo-escola acontecem no Centro de Formação e Capacitação Olga Benário Prestes – CECAPE, localizado no Assentamento Dorcelina Folador, em Várzea Grande, MT. O espaço é uma conquista do MST mato-grossense, com estrutura adequada para abrigar cursos e encontros do movimento e entidades parceiras. O curso de Residência Agrária conta com mais quatro módulos e terá duração de dois anos. Ao final, está prevista a defesa de uma monografia por cada estudante, buscando sistematizar o conhecimento aprendido direcionado a questões enfrentadas pelos estudantes nas suas realidades regionais.

Fonte: Comunicação AXA – http://www.axa.org.br/campo-e-reforma-agraria/2627
Imagens: Arquivos Residência Agrária UFMT

Compartilhar Notícia

Últimas Notícias