Uma nova ofensiva capitaneada por parlamentares de Mato Grosso ameaça um dos mais importantes mananciais de beleza e biodiversidade do Brasil. O alvo da vez são os 157 mil hectares do Parque Estadual da Serra de Ricardo Franco, na região oeste do Estado, município de Vila Bela da Santíssima Trindade.
Local de cenários únicos, onde Amazônia, Pantanal e Cerrado se combinam, e abrigo de diversas espécies endêmicas e ameaçadas de extinção, a unidade corre o risco de simplesmente sumir do mapa.
A possibilidade está no cerne do Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 02/2017 que, de autoria das Lideranças Partidárias, pretende sustar os efeitos do Decreto n.º 1.796/1997, que criou o parque.
Após anos paralisada, a proposta voltou a tramitar na Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT), por meio de um rito marcado pela ilegalidade e uma urgência injustificada.
É o que diz o Observatório Socioambiental de Mato Grosso (Observa-MT), em nota técnica lançada nesta segunda-feira (2), na qual denuncia a proposta como um retrocesso ao estado e à qualidade de vida da população.
Projeto é inconstitucional
“A tramitação acelerada (..) sem a devida discussão com a sociedade é, além de uma afronta aos ditames constitucionais e legais vigentes, uma ameaça ao processo democrático, impossibilitando o debate, a escuta e o amadurecimento da questão”, diz o documento, em um trecho.
De acordo com o coletivo de entidades, o debate de possível desafetação do parque ganhou força após as ações de proprietários de terras que hoje respondem judicialmente por desmates ilegais na unidade.
“Mais de 72% da área do parque é ocupada por vegetação natural, mas cerca de 24% teve desmatamentos registrados até 2017 (…) a transformação em parque freou o desmatamento”, relata o Observa-MT.
Além de promover a impunidade, a medida incentivará o desmatamento, afetando os compromissos internacionais de Mato Grosso para o enfrentamento e mitigação das mudanças climáticas.
A nota técnica aponta que o desmatamento esperado com a desafetação do parque poderia gerar emissões de cerca de 10 milhões de toneladas de CO2.
“A extinção do parque contraria os compromissos climáticos e de proteção da biodiversidade assumidos perante a comunidade nacional e internacional pelo Governo do Estado de Mato Grosso”, diz.
O documento menciona, ainda, as implicações financeiras da extinção da unidade, com impactos diretos no ICMS Ecológico e no setor do ecoturismo na região, o que poderia resultar em uma perda de renda estimada em cerca de R$ 56 milhões por ano.
“O parque possui piscinas naturais, mais de 100 cachoeiras, incluindo a maior queda d’água do estado e quinta maior do país, que levou a Sema-MT a apontar o parque como a unidade de conservação de maior potencial turístico do estado”, afirma o grupo. A extinção do parque também ameaça o equilíbrio ecológico da região, fundamental para a manutenção dos modos de vida dos Povos Indígenas que vivem próximo e usufruem dos serviços ecossistêmicos garantidos pelo parque.
Insegurança jurídica
Outro aspecto abordado na nota é o da insegurança jurídica, uma vez que a Constituição e a Lei Federal 9.998/2000 (SNUC) apontam que a extinção de uma unidade de conservação somente poderá ser feita por meio de lei específica, precedida de estudo técnico e de consulta pública.
“O Decreto do Executivo que deu origem à unidade de conservação atendeu a todos os critérios legais, sendo totalmente condizente com o poder regulamentar do governo estadual”, diz o documento.
Por isso mesmo, segundo o Observatório, um Decreto Legislativo não pode ser aplicado ao caso do Parque Serra Ricardo Franco. “Portanto, a aprovação deste PDL pela ALMT fica sujeita a insegurança jurídica, causando ainda mais conflitos sobre a área que já possui as ações de efetiva implementação.”
O grupo defende no texto que a participação de especialistas e de diferentes atores é “essencial para que a tomada de decisão seja baseada em uma combinação de evidências e percepções que promovam a sustentabilidade local”.