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Encontro discute caminhos para barrar o programa Adote um Parque

Representantes de diversos territórios e organizações da sociedade civil dialogaram com parlamentares para denunciar as consequências do projeto e construir soluções.

Um conjunto de organizações, representantes de diversos territórios e um grupo de deputados federais estiveram mobilizados nesta sexta-feira (26) em solidariedade às áreas e povos atingidos pelo programa “Adote um Parque”. Participaram os deputados Airton Faleiro (PT-PA), Nilto Tatto (PT-SP), a deputada Vivi Reis (PSOL-PA) e suas respectivas assessorias. A articulação faz coro à carta lançada e assinada por cerca de 50 organizações do país que denunciam a medida  que realiza um verdadeiro saldão sobre as Unidades de Conservação (UCs).

Em 09 de fevereiro deste ano, Bolsonaro assinou o Decreto nº 10.623/2021 criando o Programa “Adote um Parque”. O projeto encaminha para o fim as políticas públicas de conservação, recuperação e melhoria das Unidades de Conservação (UCs) federais. Ainda no início de março (1), o Ministério do Meio Ambiente divulgou a Portaria n° 73/2021 com uma lista de 132 unidades de conservação federais da região da Amazônia Legal para a primeira etapa do programa.

O grupo discutiu o contexto em que o projeto é apresentado e o histórico de ações do governo Bolsonaro que evidenciam a visão mercantil na gestão dos territórios. As falas apontaram questionamentos com o projeto, buscaram construir caminhos conjuntos e cobraram ações dos deputados ali presentes.

Pedro Martins, da Terra de Direitos e membro do Grupo Carta de Belém (GCB), relatou que o programa define que a adoção significa doação de bens e serviços a um parque. O parque, nesse caso, é usado como sinônimo para as UCs. “Pode ser unidade de Conservação de Proteção Integral, pode ser  UCs de Uso Sustentável, ou seja, pode ser Resex, Rebio, podem ser Flona, outras modalidades de UCs. A adotante poderia ser uma pessoa, uma empresa, que poderia repassar bens e serviços a uma UCs”, explica.

“A gente questiona por que surge, nesse momento, esse programa quando o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) tem um maior corte no seu orçamento? Ou seja, foi uma estratégia de retirar recursos do ICMBio e agora criar essa expectativa de que as unidades de conservação se mantenham somente pela doação dessas empresas ou pessoas físicas”. Ele relatou ainda que o ICMBio está procurando possíveis empresas e pessoas físicas que tenham interesse em administrar e receber contrapartida pelo uso dos territórios.

Para o representante do Conselho Nacional das Populações Extrativistas, Joaquim Belo, há uma estratégia orquestrada de privatização das UCs. “Houve uma proposta de fusão do ICMBio com o Ibama, depois o programa Floresta+ e depois vem a portaria colocando as UCs à disposição”. Ele define que o programa conduz uma “doação das terras públicas para iniciativa privada e pessoas físicas, é uma aberração”. Ele ainda questiona: “Como é que você vai terceirizar um lugar de onde as pessoas tiram seu sustento?”.

Na avaliação, ele também alertou para a possibilidade de que empresas que as comunidades tradicionais que disputaram com muita luta social e na justiça a instalação das UCs no passado, agora retomem a gestão. Ele lembrou o caso da RESEX do Rio Cajari, no Amapá, em que a empresa Jarí Celulose: “se dizia dona de 300ha, agora ela vai poder voltar e administrar tranquilamente essa área?”. Com denúncias de expulsão dos locais e exploração de mão de obra escrava, a empresa gerida por capital internacional encerrou as atividades em 1975. A Resex foi titulada em 1990, após muita luta.

Para Célia Regina Nunes das Neves, o projeto Adote um Parque traz a exclusão total dos povos e o processo de gestão participativa. Ela lembra que não houve participação nos conselhos deliberativos ou conselhos consultivos. A ação também desrespeita acordos firmados como a adoção pelo Brasil, em 1989, à Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o Decreto 6040 do desenvolvimento sustentável dos povos e comunidades tradicionais, tampouco respeita o direito real de uso das populações. Ela ainda questiona: “Como fica a situação do Cadastro Ambiental Rural?”.

A invisibilização e falta de participação social foi um ponto abordado também por Edel Moraes, do Conselho Nacional das Populações Extrativistas. Ela entende que a medida desconsidera os povos. “Os ataques são para todos nós, povos indígenas, quilombolas, o que eles querem são os nossos territórios. A gente perde a nossa maior conquista que são os nossos territórios coletivos. O território é a nossa vida. Não à toa têm matado muitas lideranças”.

Há mais de 520 anos as matas têm a proteção dos povos da floresta, que entendem que todos os seres têm direito de viver, sem estabelecer uma hierarquia entre humanos e demais seres. Agora, novamente o Estado brasileiro desconsidera as populações que existem nas florestas, apaga sua cultura e conhecimento que manteve secularmente as matas em pé, vivendo e contribuindo com o equilíbrio de todo o ecossistema. Com essa visão, Toya Machineri, da Coiab, defende que: “o mais interessante seria o governo ampliar os territórios indígenas, fazer a desintrusão dos territórios, ampliar as reservas extrativistas e as Unidades de Conservação, aí não precisaria ninguém ‘adotar um parque’, porque esses povos que aí estão já cuidam dessas florestas há muito tempo”.

No encontro ainda foi alertado o lançamento do Decreto nº 10.657 realizado na última semana, 24 de março, que “Institui a Política de Apoio ao Licenciamento Ambiental de Projetos de Investimentos para a Produção de Minerais Estratégicos” e cria o Comitê Interministerial de Análise de Projetos de Minerais Estratégicos. Paulino Montejo, representante da APIB, denuncia a falta de participação social nesses mecanismos e ainda expõe o alerta para essa ação está em consonância de ataques como o PL da Mineração, que prevê a regulamentação da exploração de minérios em terra indígena, legalizando a atividade que hoje é ilegal, como previsto na Constituição no artigo 231. São mais de 4 mil processos de requerimento minerário em Terras Indígenas, colocando na mira 34% das TIs da Amazônia nos dados até 2016.

Próximos passos

O edital para adoção de UCs pelo programa foi aberto em 4 de março, 3 dias após a portaria nº 73 do MMA ser lançada. Pelo site do ICMBio, empresas já estão entrando com propostas para adoção de áreas. A deputada federal Vivi Reis (PSOL-PA) entende que este programa significa garantir que a boiada passe por cima dos territórios e dos povos. “O governo apresenta uma Parceria Público Privada, que nada mais é do que uma desresponsabilização do governo Federal e transferir para empresas”. Ela afirma que em 25 de fevereiro realizaram requerimento de informação, questionando os parâmetros do programa, a fim de entender a proposta do governo quanto a como se dará a preservação ambiental e a relação com o capital extrangeiro.

Para o deputado federal Airton Faleiro (PT-PA) o projeto representa “uma declaração clara de que o governo brasileiro se declara incapaz de cuidar de seus parques. Faz parte de uma estratégia de ataque aos territórios, um incentivo aos ataques”, ele pontua. Nilto Tatto, deputado federal (PT-PA), informa que foi realizada uma representação no Ministério Público Federal tratando das inconsistências do andamento do projeto. O documento aponta que na véspera da publicação do decreto, já havia sido divulgado pela imprensa que a primeira empresa a aderir ao programa era o Carrefour. Ele questiona: “Como se cria um programa, onde se tem informações privilegiadas antes do lançamento e sem ter as políticas, os critérios, tudo aquilo que precisa se estabelecer antes de o governo lançar parcerias? Agora cabe que o MPF atue”.

O documento entregue ao MPF pelo PT ainda questiona como se dará os planos de manejo, o monitoramento, a recuperação ambiental, além da prevenção e combate a incêndios florestais e ao desmatamento às UCs sob gestão de pessoas físicas ou jurídicas. A bancada ainda informou que deram entrada com um Projetos de Decretos Legislativos (PDL) na intenção de barrar o programa, contudo o processo político é lento, ao contrário das ações do governo que funcionam a toque de caixa: em pouco mais de um mês decretou o programa, identificou as áreas e lançou edital.

O coletivo de organizações e movimentos sociais que se reuniu na sexta-feira (26) irá seguir em diálogo para construção de estratégias de enfrentamento ao Programa Adote um Parque e outras medidas que ameacem os territórios dos povos indígenas, quilombolas e povos e comunidades tradicionais.

Estiveram presentes: Amigos da Terra Brasil, APIB, Articulação Estadual das Comunidades de Fundo e Fecho de Pasto, Associação Cedro Centro de Estudos e Discussões Romani, ASCOCI, SUREMAG, Associação dos Retireiros do Araguaia, Associação Indígena Pataui do povo indígena Maytapu de Pinhel (AIPAPI), ACBANTU, Articulação Rosalino Gomes de povos e comunidades tradicionais do Norte de Minas, COIAB/COICA, CONFREM, Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), Coordenação Nacional das Comunidades Tradicionais Caiçaras, CONAQ, FASE, FORMAD, Fundação Heinrich Boll, Grupo Carta de Belém, Grupo de Consciência Indígena (GCI), Grupo de Defesa da Amazônia (GDA), Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), GT Biodiversidade da Articulação Nacional de Agroecologia, Inesc, Instituto Caracol, Movimento das Catadoras de Mangaba (MCM), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Movimento Tapajós Vivo, Pomer BR, Projeto Saúde e Alegria, Rede de Agroecologia do Maranhão (RAMA), Rede de Comunidades Tradicionais Pantaneira, Rede Puxirão Gaxinalense, Sindicato dos trabalhadores rurais, agricultores e agricultoras familiares de Santarém – STTR Santarém, Terra de Direitos.

*Grupo Carta de Belém

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