Por Liebe Lima/AXA
Em sua V edição, ocorrida de 23 a 25 de junho em São Félix do Araguaia MT, a Mostra Socioambiental do Araguaia hasteou bem alto a bandeira “Nós Somos Terra”. Este é um estandarte antigo herdado pela Associação Nossa Senhora da Assunção (ANSA), realizadora do evento, da luta histórica pela terra, junto aos que vivem nela, empreendida por Dom Pedro Casaldáliga. A esta luta pela conquista da terra, se soma agora, o desafio de permanecerem nela os produtores da reforma agrária, frente a ausência de políticas públicas que em detrimento da Agricultura Familiar, privilegiam e financiam o avanço do agronegócio, fazendo de São Félix do Araguaia o 18° Município com as maiores áreas de soja do Brasil (Fonte: IBGE Produção Agrícola Municipal/2015) e este é um forte elemento que também o faz constar no topo das listas de desmatamentos e queimadas entre os municípios do Estado de Mato Grosso.
Entrada do espaço de exposição e venda de produtos da Feira em São Félix do Araguaia – Liebe Lima/AXA
Em atenção a este contexto, a ANSA trouxe o tema para o Seminário de Abertura da V Mostra, com o objetivo de promover o diálogo e reflexões que desencadeiem um círculo virtuoso de transformações na forma de nos relacionarmos com a terra. Com mais de 70 participantes, o que se espera, é que estas reflexões frutifiquem em atitudes propositivas em cada indivíduo na sua forma de cuidar da terra, florestas, cerrados, dos cursos de água e nascentes que estão sobre seus cuidados nos territórios de onde vieram.
Abertura do Seminário “Nós Somos Terra” da V Mostra Socioambiental do Araguaia – Liebe Lima/AXA
O Seminário foi conduzido por Angra Macedo dos Santos da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e teve a contribuição de Fernando Schneider do Instituto Sócio Ambiental (ISA), que destacou a limitação da média de 5 produtos do Agronegócio em oposição a diversidade dos mais de 270 alimentos produzidos pela agricultura familiar. Esta roda de conversa foi acolhida no espaço da promotoria que ficou completamente lotado com a presença de produtores vindos de toda a região. Estiveram presentes representantes de assentamentos urbanos e da zona rural, indígenas das etnias Karajá e Xavante, Secretários de Agricultura e Meio Ambiente do Município de São Félix do Araguaia, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), Empresa de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (EMPAER), Prelazia de São Félix e Promotoria de Justiça. Nesta ocasião, os Produtores, frente ao poder público presente, tiveram a oportunidade de expressar suas necessidades, dificuldades em relação aos paradigmas e valores que norteiam critérios de acesso ao crédito para quem não dispõe de cabeças de gado ou lavoura para oferecer como garantia e que não conseguem fazer valer as suas terras preservadas com matas ou até mesmo seus plantios de mandioca. Segundo o Sr. Vaime do Projeto de Assentamento (PA) Dom Pedro, para o banco, sua terra e sua produção não tem qualquer valor.
Lola Campos Rebollar da Articulação Xingu Araguaia (AXA), nos conta que “o tema Nós Somos Terra, foi trabalhado este ano, porque pensamos e cuidamos da comunidade, preocupamo-nos com o outro, com a natureza, porque com eles construímos nossa forma de vida. A Campanha “Eu sou agro”, enaltece o egoísmo individualista e o interesse estritamente particular, associado a um “Agro” venenoso que destrói a vida. E por isso declaramos: ”
“Nós Somos Terra”
– Pela produção de alimentos saudáveis;
– Pela água pura e abundante;
– Pela sombra;
– Pelos povos da floresta;
– Pelas sementes vivas que frutificam;
– Pela livre circulação da fauna nativa;
– Pela resistência em permanecer na terra.
Produtos da Agricultura Familiar na V Mostra Socioambiental do Araguaia – Liebe Lima/AXA
“Não Somos Agro”
– Pela destruição das florestas e cerrados;
– Pelas queimadas;
– Pelas sementes transgênicas que já nascem mortas;
– Pela água envenenada;
– Pelo veneno na mesa;
– Pela expulsão do homem do campo;
– Pelas cercas e latifúndios
Camiseta com a estampa de milho crioulo de artesão representante da Praça Livre de Nova Xavantina – Liebe Lima/AXA
A resistência e persistência de todos estes atores e protagonistas são a marca desta grande celebração que tem sido a Mostra Socioambiental do Araguaia e em 2017 não foi diferente. As bancas repletas da produção de doces, farinha, queijos, óleos de várias espécies, abóboras, carás, uma diversidade incrível de delícias, sem falar no mês de junho com o céu de anil resplandecente, sol e brisa das praias do Araguaia. Não faltaram as bandeirolas do dia de São João que bailavam ao som das apresentações culturais da região emprestando mais colorido à festa e a animação do público de 700 pessoas que passaram por lá ao longo dos três dias.
Expositores do PA Manah de Cana Brava do Norte – Liebe Lima/AXA
Além de tudo isso a Mostra também contou com a participação dos jovens da Pastoral da Juventude de Santa Terezinha, que apresentaram o Musical “A terra é mãe, a Terra é luta”. Eles trouxeram a mensagem de compromisso renovado desta nova geração com as causas do povo do sertão e luta contra as cercas dos latifúndios que expulsam os homens do campo e certamente são uma inspiração para todos que puderam assisti-los. Os jovens de Novo Santo Antônio também vieram prestigiar e contribuíram muito com a beleza de estarem todos juntos identificados com a mesma causa: produtores, indígenas, assentados, jovens e a comunidade em geral.
Colaborador da ANSA junto aos produtos do Projeto Saúde na Horta – Liebe Lima/AXA
Todas estas confluências se encontraram e é ali onde desagua o trabalho de um ano inteiro de conversas, avaliações, qualificação da produção, planejamentos, oficinas, mobilização dos grupos, dos clientes da Economia Solidária e busca por apoio e parcerias para fazer acontecer. Lucilene, colaboradora da ANSA, nos diz que “O grande desafio agora que a Mostra se consolidou como evento anual de calendário em São Félix, será trazer os produtores para se apropriarem dele e assim participarem amplamente de todo o processo desta realização, pois o evento é deles”. Este é o desejo de toda a equipe que trabalha na organização e operação logística do evento, que traduziram seus sentimentos de participação na realização do trabalho em uma plena sensação de trecho e trabalho cumprido, com olhos já voltados para as jornadas que virão!
Compromisso renovado com os povos que vivem na terra. Juntos somos fortes!
“Nós somos terra”