André Alves* -O mercado da reciclagem no Brasil movimenta 9 bilhões de reais todos os anos e é fonte de renda para mais de 800 mil pessoas, que ganham, em média, quatrocentos e cinqüenta reais por mês. As informações, que a primeira vista pode impressionar, são do Compromisso Empresarial da Reciclagem (Cempre). No entanto, apenas 5% destes catadores estão organizados em cooperativas e ínfimas 327 cidades brasileiras fazem algum tipo de coleta seletiva, sendo que a grande maioria não ultrapassa 40% da abrangência do município.
Com esta verdade, dois fatos muitos importantes precisam ser explicitados. O primeiro é que o Brasil, que se vangloria de ser o campeão em reciclagem de latinhas de alumínio, ainda tem muitos degraus a escalar para ser considerado um país que pratica a coleta seletiva, estimulando a geração de renda, fortalecendo a economia local e diminuindo a pressão da destinação da quantidade de lixo no meio ambiente. O segundo fato é que a coleta seletiva e reciclagem, embora deva ser incentivada e ampliada pela sociedade, empresas e governos, não é, nem de longe, a solução para a produção de lixo. Muito pelo contrário, indústrias e poderes públicos locais usam como estratégia de marketing o fato de muitos produtos serem recicláveis para negligenciar o enfrentamento do problema do excesso de desperdício na sociedade de consumo.
Quanto ao primeiro fato, é triste e até mesmo vergonhoso reconhecer que Cuiabá não possui um sistema mínimo de coleta seletiva. Muitas pessoas são enganadas ao verem espalhados pelo centro da capital cestos de coleta seletiva. Mas basta estar perto e ver que quando o caminhão do lixo passa, os lixeiros jogam a separação na vala comum: o próprio caminhão, que depois se direciona ao aterro sanitário (ou seria lixão?) de Cuiabá. Este fato desestimula o cidadão a separar seu lixo ou mesmo a cuidar onde vai jogar sua embalagem de refrigerante ou de água.
É claro que existem algumas iniciativas embrionárias de empresas que separam seus materiais descartáveis ou mesmo o convênio que a prefeitura estabeleceu com o Instituto Centro de Vida – ICV, que destina parte dos produtos orgânicos das feiras a ONG, onde também funciona uma cooperativa de produtores de composto orgânico, ou em outras palavras, adubo natural. Se a prefeitura faz isso, pode fazer muito mais, sem precisar reinventar a roda. Basta olhar o exemplo de cidades como Londrina, no Paraná, São José dos Campos e Santo André, em São Paulo, Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul ou Curitiba, capital do Paraná. Sem muito custo, é possível estimular cidadãos a separarem seus lixos em recicláveis e orgânicos, além de obrigar empresas, indústrias, condomínios, além do próprio governo local, é claro, a fazerem o mesmo. Para não onerar e estimular a formação de cooperativas de catadores, Cuiabá poderia ser dividida em regiões onde as cooperativas, cada uma em sua área, faz a coleta seletiva dos materiais recicláveis.
Em médio prazo, a solução se reverte em próprio benefício da prefeitura e da população. Os catadores ganharão mais dinheiro, a eficácia da coleta de lixo da prefeitura pode ser otimizada e até mesmo ter custo reduzido, a pressão no aterro sanitário diminui e ganha muito em tempo de vida útil, além de evitar a cena degradante dos catadores revirarem os lixões em busca de material reciclável para vender. Ganha o meio ambiente, ganha a saúde dos catadores, ganha a economia local, ganha a prefeitura. Numa escala maior, ganham todos. Sem isso, Cuiabá corre um grave risco de se tornar, não num futuro muito distante, uma nova Náploles, na Itália.
Voltando ao outro ponto: a coleta seletiva e a reciclagem, sozinhas não são solução de nada. Sem correr o risco de as empresas não terem produtos para reciclar ou os catadores não terem produtos para vender, é preciso investir muito na redução da cultura do desperdício. Exemplo já conhecido de todos, mas que a sociedade, em grande escala ainda não chegou ao nível da consciência necessária para refutá-los veementemente, está no lixo inútil provocado na alimentação. Mc Donalds, Giraffas, Bob´s entre outras franquias insultam a inteligência e o bom senso ao proverem uma embalagem de papelão para o sanduíche (que uma vez engordurado perde seu valor para reciclagem), na embalagem plástica para o guadanapo, para a embalagem de papel para o canudo, para a tampa do copo de refrigerante e para o papel que recobre a bandeja, numa tentativa insana e ingênua de mostrarem a assepsia dos seus produtos.
Este foi só um exemplo, que se repete nos mercados com produtos embalados em cada vez menor quantidade, em suportes de isopor e nas intermináveis sacolinhas de mercado, que se depender da vontade do gerente, põe um produto em cada sacola. Para uns, isso é agregar valor ao produto e fixar a marca. Na prática, é desperdício de dinheiro, de recursos naturais finitos e de um problema sem fim às administrações públicas, à saúde, à economia e, claro, ao meio ambiente.
Ou seja, já passou da hora de Cuiabá, Mato Grosso, a região Centro-Oeste ou mesmo o Brasil investir ao mesmo tempo na coleta seletiva para a reciclagem e na redução da geração de desperdício. Não existem argumentos lógicos ou com bom senso que digam o contrário. Ou enfrentamos o problema que nos afeta em todos os setores da sociedade ou seremos engolidos pelo lixo. Assim como Nápoles. Isso para ficar no exemplo real. Ou numa visão ficcional e catastrófica, mas bem humorada, mostrada no filme Idiocracia, onde o consumismo ingênuo é o responsável pela destruição da civilização, tal como nós conhecemos.
* André Alves é jornalista em Cuiabá, Secretário-Executivo do Fórum Mato-grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento – FORMAD e membro-fundador do Núcleo de Ecomunicadores dos Matos – NEM.