Jornal Nacional – Na retomada da construção da BR-163 – que corta boa parte da Amazônia, o governo quer evitar os erros do passado. Na quinta reportagem da série que o Jornal Nacional exibe esta semana, Júlio Mosquera e Laércio Domingues mostram os desafios que o projeto enfrenta.
Depois de 33 anos, o Exército volta com a missão de concluir a BR-163. E os militares foram buscar a experiência de quem participou da primeira etapa da rodovia.
“Eu esperava que esse asfalto tivesse saído até na época que nós fizemos a BR porque deixamos tudo no jeito, só faltava asfaltar, né?”, afirma Fernando Pedroso da Silva, Coordenador de pessoal de campo.
Mas o asfalto só chegou a pouco de mais de 700 dos quase 1.800 quilômetros da rodovia.
“Essa obra para o Exército significa muita coisa. E retornar a ela. É um momento histórico que a gente está vivenciando”, afirma Coronel Miranda, comandante 9º Batalhão de Engenharia e Construção.
Três décadas depois, o manual de construção para a Amazônia é outro. As árvores devem ser preservadas. A área aberta para o trânsito dos caminhões terá de ser reflorestada.
Outra preocupação de hoje, e nestes novos tempos de meio ambiente, é criar condições para que os animais possam atravessar a estrada sem correr risco de morte. Para isso vão ser construídos corredores por baixo da rodovia.
Para evitar cenas de atropelamentos de animais, que vimos muitas vezes ao longo da viagem de 20 dias pela BR-163.
“Eles vão ser uma espécie de passarela, calçadas nas laterais, em média de 60 centímetros, para auxiliar nessa travessia dos animais de um lado a outro da estrada pra se evitar atropelamentos”, explica Isana Gaio, Centro de engenharia de Transportes.
O desafio vai muito além de proteger a travessia de animais. O mais difícil será conter a voracidade do homem. O apetite dos desmatadores foi sentido assim que o Ministério do Meio ambiente deu o sinal verde para o asfalto.
“Desde a licença prévia da BR-163, em 2005, até hoje, triplicou o desmatamento da região, e isso antes do asfalto”, declara Carlos Minc, ministro do Meio Ambiente.
O ministro admite que faltou fiscalização. E sabe que o asfalto vai atrair mais gente. A previsão é de que a população na área de influência da BR-163, que inclui seis municípios do amazonas, 28 do Pará e 37 de Mato Grosso, cresça dos atuais dois milhões e cem mil para dois milhões e novecentas mil pessoas até 2005.
E como enfrentar esse crescimento na área da floresta amazônica?
“A única possibilidade de defender o bioma amazônico é instalar a legalidade ambiental com planejamento. O que pode fazer, como e onde”, observa Carlos Minc.
Há dois anos, a lei determina que quase metade da região não pode ser modificada (48,2%). São unidades de conservação, terras indígenas e áreas do Ministério da Defesa. Terras hoje ocupadas pela agricultura e pecuária devem ser regularizadas. Sem expansão.
“Não faz nenhum sentido para pecuária se derrubar um hectare a mais. E para a área de produção de grãos, nós não precisamos avançar o bioma amazônico, ao contrário, ele nem é adequado”, observa Reinhold Stephanes, ministro da agricultura.
O equilíbrio da Amazônia depende também da colaboração dos empresários, que devem dizer não para quem produz carne e madeira ilegal. Pessoas que saibam valorizar esforços como o das mulheres da Floresta Nacional do Tapajós, no Pará. Há dez anos elas transformam o látex extraído das seringueiras em bolsas.
“A gente vende para os turistas, vende pra fábrica, vende também para São Paulo, já foi para o Rio, pra vários lugares, já foi pra Inglaterra, pra França”, conta Elgesi Alves Dias, costureira.
Na Flona Tapajós estão oito mil pessoas, que buscam viver da floresta sem destruí-la.
“A Flona é uma referência na região, tanto dos trabalhos comunitários como das ações de controle e fiscalização”, Viviane Daufemback, Instituto Chico Mendes.
Mas na Floresta Nacional do Jamanxim, criada pelo governo há três anos, só há dois funcionários para tomar conta de um milhão e trezentos mil hectares. Área equivalente à metade do estado de Alagoas. A falta de apoio também compromete dezenas de assentamentos.
“O grande problema que existe hoje são famílias que simplesmente foram jogadas em cima da terra e criaram grandes problemas sociais, ambientais”, explica Nilfo Wandscheer, Sindicato Trabalhadores Rurais de Lucas do Rio Verde.
No trecho de 113 quilômetros em que a Transamazônica coincide com a BR-163, a natureza foi devastada. Pequenas comunidades estão em processo de extinção por falta de assistência. Quem ficou, sofre até com as lembranças.
“Mais ruim nós já passou viajando dentro de lama com um saco de farinha aqui na cabeça, mil saco pra botar lá estrada, nós botava 12 saco de um, 12 do outro na cabeça, cansava aqui descia, cansava, subia, até botar lá fora”, conta Oswaldo Fernandes, produtor rural.
A fábrica de farinha foi doada pelo governo do Pará em 1994, mas os colonos só tiveram dinheiro para trazê-la pra cá e fazê-la funcionar em novembro de 2008 – 14 anos depois.
Padre Arno, uma referência para os colonos na Transamazônica, acompanhou de perto essa longa espera. Ele se anima com a promessa do asfalto para a BR-163. Mas… “Pra nós vir é importante isso sim, mas vir as políticas públicas, como o acesso aonde estão os colonos hoje”, Padre Arno, Comunidade S. Francisco, PA.
O próprio representante do Ibama em Sinop, Mato Grosso, alerta: o estado precisa estar presente. “Que a sustentabilidade seja uma opção concreta e real para as pessoas, não seja só a degradação da floresta através da pecuária e da soja. E isso sem a presença do estado, sem a fiscalização, é muito difícil? Impossível. não é difícil, é impossível”, afirma Roberto Agra, gerente do Ibama em Sinop, MT.