Foto: Reprodução Secom-MT
Por Bruna Pinheiro/Formad
Recordista no índice de florestas degradadas e maiores taxas de desmatamento dos últimos anos, Mato Grosso acumula outro triste marco: o de estado com alto número de conflitos no campo, principalmente, em regiões de interesse do agronegócio. Além do crescimento da violência contra comunidades tradicionais, indígenas e quilombolas, nota-se a pouca presença de forças do Estado, tanto na fiscalização dessas ações como na proteção dos povos atingidos. E o resultado tem sido centenas de famílias vítimas de conflitos agrários, despejos, tentativas de homicídios e até mortes. No primeiro semestre de 2022, um assassinato causado por conflitos no campo já foi registrado em Mato Grosso.
Os dados parciais são da Comissão Pastoral da Terra (CPT), regional de Mato Grosso, que aponta uma piora nos índices estaduais de 2022 em comparação ao ano passado. Em 2021, foram registrados 108 conflitos envolvendo 13.030 famílias em todo o estado, sendo 81 motivados em disputas por terra. Somente de janeiro a junho deste ano, o número já chega a 90, indicando um crescimento da violência. De acordo com o coordenador regional da CPT, Welligton Douglas Rodrigues da Silva, em 2022, assim como nos últimos quatro anos, paralelo ao aumento da violência, os ataques às comunidades não têm sido combatidos pelo Governo.
“Não temos observado uma fiscalização efetiva nesses locais, até porque o Governo Federal fragilizou este trabalho. Vemos muitas denúncias contra pequenos posseiros e assentados impedidos de trabalhar por conta da degradação maior causada por fazendeiros, empresários, grileiros. Falta sensibilidade de entender quem são os verdadeiros causadores dessa degradação. Viemos também de um período de incentivo ao desmatamento desenfreado e uso de agrotóxicos na expulsão de comunidades”, destaca.
Conforme já noticiado pelo Fórum Mato-grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento (Formad), o levantamento parcial da CPT revela o aumento de 33% no registro de conflitos no campo em relação ao mesmo período do ano passado. Foram 425 conflitos nos nove estados que compõem a Amazônia Legal, sendo 345 ocorrências de conflitos por terra, 63 ocorrências de conflitos pela água, 16 ocorrências de conflitos trabalhistas (15 casos de trabalho escravo e 1 caso de superexploração) e 1 ocorrência de conflitos em área de garimpo. Segundo o coordenador regional, em sua maioria, as cidades dessa região vêm sofrendo com os diversos tipos de violência no campo devido a entrada e avanço do agronegócio.
“Quando o agronegócio chega, ele não traz desenvolvimento, emprego ou perspectivas econômicas. A única perspectiva é a desestruturação da economia daquela região. Em Colniza, por exemplo, há vários assentamentos à mercê dessa reconcentração, em que famílias estão cada vez mais desempregadas, depressivas e afetadas pelos agrotóxicos. Temos também comunidades indígenas exploradas pela mão de obra e retirada de madeira ilegal. Basta ver que a cidade com maior índice de desmatamento em um ano é recordista de produção no outro. O agronegócio vem tirando a vida e a dignidade das pessoas e é preciso políticas públicas para reparar isso”, acrescenta Welligton Douglas.
A parcial da CPT aponta ainda 10 conflitos por água, 22 pessoas resgatadas do trabalho escavo e mais de 10 registros de violência contra pessoa, que podem ser assassinatos, ameaças ou tentativas de homicídio. A primeira morte registrada esse ano ocorreu em fevereiro, contra um indígena da Aldeia Pukanu/Kanela do Araguaia, em Confresa. Observando os dados é nítido o crescimento da violência em áreas de proteção, terras indígenas ou reservas extrativistas, indicando o interesse do agronegócio e outras atividades exploratórias, como o garimpo ilegal, extração de madeira e mineração.
“Esses dados estão muito associados ao que vem ocorrendo desde 2018, com ataques a comunidades indígenas e tradicionais na área da região amazônica. O desmatamento e a degradação levam à expulsão dos territórios para ocupação da agricultura e pecuária. E para além disso, ainda existe a impunidade, com pessoas morrendo sem ações efetivas. São mais de 150 assassinatos e nenhum caso julgado, desde que a CPT começou a monitorar. Isso mostra que compensa matar por disputa de terras em Mato Grosso”, alerta o coordenador regional da CPT.
Destaque de violência no Centro-Oeste
Chamado de “celeiro” da produção agrícola do país, com recordes sendo batidos ano a ano, é também em Mato Grosso que se concentram os piores índices de conflitos no campo, desde o início da série histórica de levantamento de dados da CPT, em 1985. O cenário, que já era ruim para as comunidades tradicionais, indígenas e assentados, ficou ainda pior com a gestão de Jair Bolsonaro na Presidência, que não implantou um único assentamento agrário em Mato Grosso nos últimos quatro anos.
Enquanto isso, o ano de 2020 foi o de maior conflitos no campo desde que a CPT acompanha os dados. “Infelizmente, Mato Grosso é o primeiro lugar em violência no campo, famílias expulsas, desmatamento ilegal, despejos judiciais. Nunca chegamos a tantos conflitos como nos últimos dois anos. Mato Grosso é celeiro na devastação e expulsão de sujeitos sociais.”
Segundo Welligton, no “arco do desmatamento”, como é classificada a faixa territorial ao norte de Mato Grosso, há muito incentivo de conflitos no campo, com cerca de 60% a 70% deles na região Amazônica. O coordenador explica que apesar de algumas diferenças, os tipos de conflitos têm um o mesmo objetivo: retirar as comunidades de seus territórios com ataques a seus direitos para a ocupação com interesses econômicos.
De olho no futuro
A mudança de governo com o retorno de Luís Inácio Lula da Silva à presidência indica algumas boas expectativas na questão da violência do campo, principalmente, quanto à fiscalização e proteção de comunidades, algo que não acontece no atual governo. Para o coordenador da CPT Mato Grosso, Welligton Douglas, a principal mudança é o diálogo em âmbito nacional, além da expectativa de aumento no número de assentamentos rurais no país, assim como ocorreu nas duas primeiras gestões de Lula.
“Em Mato Grosso, o cenário não muda muita coisa, porque a agricultura familiar, por exemplo, não tem qualquer tipo de apoio do governo estadual. O agronegócio está cada vez mais fortalecido e por isso, a resistência deve ser maior. Perdemos muito com a não eleição de candidaturas na bancada federal que contribuem com a luta pela terra. Sabemos que teremos muita luta, mas com a possibilidade de diálogo com o próximo presidente”, finaliza o coordenador regional.
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