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O Agronegócio e a (in)segurança alimentar

Garantir o DIREITO DA ALIMENTAÇÃO para a população mundial apresenta-se como a questão mais importante do início do século XXI. O agronegócio se mostra como a solução do problema da fome, quando na verdade é causa geradora da mesma.

Vicente José Puhl – Garantir o DIREITO DA ALIMENTAÇÃO para a população mundial apresenta-se como a questão mais importante do início do século XXI. O agronegócio se mostra como a solução do problema da fome, quando na verdade é causa geradora da mesma. Com o argumento de que a população mundial cresce em ritmo acelerado, os donos do agronegócio justificam a constante expansão e apropriação de terras, explorando, assim, irracionalmente o Cerrado e pressionando a exploração da Amazônia. Tentam convencer a sociedade e governos da necessidade de pesados investimentos em “modernas” e caras tecnologias, que apenas umas poucas grandes corporações transnacionais são capazes de gerar.

O modelo de agricultura do agronegócio é baseado nas monoculturas extensivas, nas sementes transgênicas, na produção para agro-combustíveis e no alto consumo de agroquímicos, fertilizantes e agrotóxicos. São realizados com incentivos e subsídios públicos. É um modelo que vem sendo forjado e as leis de todos os países se adaptam para facilitar a livre ação das corporações transnacionais. Facilita-se a aquisição de terras brasileiras por pessoas e empresas estrangeiras, ameaçando a soberania territorial do país.

“Essa lógica acentua a concentração de terra, poder e renda; destrói a biodiversidade, acelerando o desmatamento de florestas e biomas, e contribuindo para o aquecimento global; destrói rios, contaminando e privatizando águas; viola os direitos de povos e comunidades sobre seus territórios; invade terras indígenas; submete homens e mulheres ao trabalho escravo; produz prioritariamente para exportação e continua a gerar violência no campo, aprofundando as desigualdades e submetendo parcelas significativas das populações a pobreza extrema” .

Este modelo de agronegócio foi implantado com a revolução verde, pós- segunda guerra mundial. É verdade que a produtividade aumentou consideravelmente com a utilização do pacote tecnológico. A pergunta que não quer calar é: Porque então a fome não acabou? A resposta é relativamente simples: A produção de alimentos virou um negócio e não é tratada como um direito.

Por que temos fome no Brasil? Porque a produção de alimentos, a agropecuária, virou um negócio qualquer. Onde temos superprodução de alguns cereais, exportamos milhões de toneladas. Os estados-nações permitiram o domínio do setor agro-alimentar por algumas grandes corporações transnacionais, que fornecem as sementes, os fertilizantes, que financiam, mesmo que com incentivo de recursos públicos, compram e industrializam a produção. Dominam, enfim, toda cadeia e influenciam a política.

Esta situação coloca a soberania, a segurança alimentar e nutricional, em sério risco, pois estas corporações do agronegócio estão reduzindo e empobrecendo drasticamente a dieta alimentar da população global. Fabricam-se centenas de sub-produtos de um mesmo produto, pois é mais difícil manter o domínio de diversas cadeias produtivas. Com a drástica diminuição da biodiversidade, adapta-se o consumidor ao produto ofertado.

Diversas iniciativas e articulações estão debatendo a problemática da alimentação mundial. Apresento algumas das importantes conclusões do Fórum Mundial sobre Soberania Alimentar, pois considero-as extremamente pertinentes. Tal como os participantes do fórum, entendo que “soberania alimentar é o direito dos povos de definir suas próprias políticas e estratégias sustentáveis de produção, distribuição e consumo de alimentos, que garantam o direito à alimentação para toda a sua população. Esta estratégia só é possível se o modelo investir na pequena e média produção, respeitando as próprias culturas e a diversidade dos modos camponeses, pesqueiros e indígenas de produção agropecuária, de comercialização e de gestão dos espaços rurais, nos quais as mulheres desempenham um papel fundamental”.

O problema do abastecimento dos altos preços dos alimentos tem sido um tema central para a FAO (Food and Agriculture Organization), órgão da ONU que trata da alimentação mundial. “As expectativas têm uma influência grande nos preços do mercado. As poucas reservas estimulam a especulação. E muitos produtores estocam produtos à espera do aumento de preços. Além disso, os grandes investidores apostam em commodities na falta de produtos mais rentáveis, influenciando os preços”, disse à BBC Brasil Kostas Stamoulis, especialista em desenvolvimento econômico da FAO.

Não podemos manter a lógica do agronegócio, que só quer produzir e comercializar quando os lucros são altos. Um modelo sustentável requer uma agricultura com camponeses, indígenas e comunidades pesqueiras, vinculada ao território; voltada prioritariamente aos mercados locais; que se preocupe com os seres humanos; que preserve os recursos naturais e valorize a sabedoria, as culturas e hábitos alimentares locais. Historicamente foram os pequenos agricultores camponeses que produziram alimentos e com advento da revolução verde, apenas umas poucas grandes corporações vem se apropriando dos territórios e fazendo da alimentação humana seu negócio.

Temos que considerar seriamente a conclusão sobre o comércio de alimentos definida no Fórum Mundial da Alimentação: “O comércio alimentar deve estar subordinado ao supremo direito humano à alimentação. Os produtos agrícolas e alimentares devem estar fora da pauta de negociações da Organização Mundial do Comércio OMC”. Neste organismo a postura dos negociadores do governo brasileiro tem sido equivocada, quando reivindicam o fim de qualquer proteção da agricultura local dos parceiros comerciais. Ao invés de reivindicar total liberdade de comércio deveria defender a proteção para a pequena produção, produtora de alimentos da cultura local. A alimentação não deve ser utilizada como arma de pressão econômica e política entre os países.

Os recursos genéticos são um bem de toda a humanidade. Não se pode aceitar o patenteamento dos seres vivos. Isso faz parte da estratégia de dominação da cadeia produtiva pelos agronegociadores. Assim, em nome da ciência, da “certificação”, inviabiliza-se práticas milenares da agricultura tradicional, como a livre troca de sementes e abre-se espaço para o livre reinado das corporações transnacionais.

Concluindo, não podemos esquecer que a alimentação é um direito humano e cabe aos estados-nações viabilizar as estratégias para garantir este direito. Para assegurar a soberania alimentar é indispensável parar de investir na estratégia e monopólio das grandes corporações, de interesse privado, do negócio agroalimentar. É elementar investir no fortalecimento da agricultura camponesa, familiar, tradicional e indígena como estratégia de descentralização do poder econômico, político e de garantia da segurança alimentar da humanidade.

Vicente José Puhl – Coordenador Regional – FASE/MT – Federação de órgãos para assistência Social e educacional, do Formad e mestre em educação pública e meio ambiente –UFMT.

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