Foto: Guilherme Ruffing (OPAN)
Da Redação
A bacia hidrográfica do rio Juruena, localizada no noroeste de Mato Grosso, é a mais extensa do estado, drenando mais de 19 milhões de hectares em uma área que abrange 29 municípios. A bacia concentra 23 territórios de mais de uma dezena de povos indígenas. Esta abundância de água tem atraído o setor energético, cujos empreendimentos passaram a se multiplicar nos últimos anos. Entre janeiro de 2019 e setembro de 2022, houve um aumento de 85,7% na quantidade de projetos de Centrais Geradoras Hidrelétricas (CGHs) na região, saltando de 42 para 78.
É o que revela o Boletim de Monitoramento de Pressões e Ameaças a Terras Indígenas, elaborado pela Operação Amazônia Nativa (OPAN). São projetos em diferentes etapas, alguns em planejamento, outros em construção, bem como os que já estão em operação. “É possível afirmar que está em curso a implementação de um complexo de CGHs na bacia do Juruena”, alerta a publicação.
As CGHs se caracterizam por uma potência de até 5 megawatts (MW), enquanto as Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) podem chegar até 30 MW e as Usinas Hidrelétricas (UHEs) operam com potência acima de 30 MW. Devido à capacidade reduzida em relação a outros modais hidrelétricos, as CGHs enfrentam processos menos criteriosos para conseguirem as devidas licenças ambientais (prévia, de instalação e de operação), o que contribui para este expressivo aumento.
Desses 78 empreendimentos identificados durante o monitoramento, 53% ainda não iniciaram o licenciamento ambiental (41 projetos); 9% possuem Licença Prévia (7 projetos); 14% têm Licença de Instalação (11 projetos) e 24% já estão com a Licença de Operação (19 projetos). Embora a maioria ainda não possua licença, houve um aumento de 92,5% das CGHs em licenciamento no período. “Esse crescimento foi mais expressivo entre 2021 e 2022, quando 32 CGHs foram licenciadas”, ressalta o boletim.
Tempo de tramitação de outorgas e licenciamentos ambientais
A concessão de outorgas para uso dos recursos hídricos é uma das primeiras etapas a serem garantidas para o avanço dos projetos. No universo de 78 CGHs da bacia do Juruena, 17 já tiveram outorgas concedidas (21,79%). Destaca-se que o tempo de exploração de recursos hídricos para CGHs, após concessão de outorga, é de dez anos. A publicação também destaca a agilidade no atendimento dos pedidos feitos pelos empreendedores, uma vez que a margem temporal varia de dois a seis meses.
No que diz respeito às licenças ambientais, a celeridade também chama atenção. Entre 2021 e 2022, observou-se que as Licenças Prévias (LP) foram emitidas com muita rapidez. O estudo acompanhou o processo de 13 CGHs, selecionadas pelo critério de já possuírem requerimento ou emissão de LP e Licença de Instalação (LI) adquiridos nos anos de 2020, 2021 ou 2022. Conclui-se que o tempo médio para concessão de LP dessas usinas foi de cinco meses.
Com relação à Licença de Instalação, foram analisadas 10 CGHs. Assim como no caso das LPs, todos os empreendimentos que requereram LIs conseguiram obtê-las em menos de um ano. A média de emissão de LI foi de aproximadamente dois meses e meio. “Esses números revelam agilidade no trâmite de licenciamento ambiental por parte da Secretaria de Estado de Meio Ambiente (SEMA-MT) e uma tendência de emitir pareceres favoráveis”, avalia a publicação.
Localização dos empreendimentos
Foram levantadas 32 CGHs na sub-bacia do rio Arinos; 18 na do rio Papagaio; 14 na do rio do Sangue; 13 na do rio Juruena; 10 na microbacia do rio dos Peixes e uma na do rio São João da Barra, totalizando as 78 CGHs na bacia do Juruena.
Sete das 19 CGHs em operação estão na sub-bacia do rio Arinos, além de outros 15 projetos que ainda não estão operando. A microbacia do rio dos Peixes soma quatro usinas em operação. Na sub-bacia do rio do Sangue, uma já está em operação, além de seis com licença de instalação e duas com licença prévia.
Essas três áreas somam 18 projetos de CGHs que ainda não passaram pelo licenciamento ambiental. Mas são as sub-bacias do Juruena (9 projetos) e do Papagaio (14 projetos) que acumulam a maioria dos empreendimentos deste tipo, o que aponta para um cenário preocupante. “Indica tendência de intensificação das intervenções aos rios dessas regiões no curto prazo”, pontua o documento.
Sobre o monitoramento
O objetivo do monitoramento de usinas hidrelétricas na bacia do rio Juruena é acompanhar movimentações ligadas ao planejamento e a implantação de usinas para avaliar como os territórios indígenas estão sendo pressionados por esses empreendimentos, e, ainda, se há violação aos direitos indígenas, ambientais ou interferências existentes ou potenciais de tais projetos no exercício de práticas e conhecimentos desses povos em seus territórios demarcados e de ocupação tradicional.
O relatório “O Direito à Consulta e Consentimento Livre, Prévio e Informado no estado de Mato Grosso”, produzido pela Operação Amazônia Nativa (OPAN) em parceria com o Observatório de Protocolos e Consulta, aponta uma série de violações de direitos em casos envolvendo CGHs e PCHs. Elaborado pelas advogadas Flavia do Amaral Vieira e Isabella Cristina Lunelli, o documento analisa seis casos chave: Pequena Central Hidrelétrico (PCH) Sacre 14, PCHs no Rio do Sangue, PCH Mantovilis, Central Geradora Hidrelétrica (CGH) Bela Manhã, projeto da Usina Hidrelétrica (UHE) Castanheira e o projeto da EF-170 (Ferrogrão).