Estudantes indígenas da aldeia Três Jacus, na TI Tirecatinga, do povo Nambikwara – Foto: Adriano Gambarini/OPAN
Por Túlio Paniago/OPAN
Em tramitação na Assembleia Legislativa de Mato Grosso, o Projeto de Lei Complementar 17/2023 propõe mudanças na composição e no funcionamento do Conselho Estadual de Educação (CEE). O trecho mais polêmico é o que prevê a redução de 24 para 14 conselheiros, excluindo representantes da Educação Escolar Indígena. “O Governo propõe a extinção da voz dos povos indígenas no cenário estadual”, comenta Darlene Yaminalo Taukane, secretária da Federação dos Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso (Fepoimt) e primeira mulher indígena a obter o título de mestre em Educação no Brasil.
Além da cadeira indígena, o projeto também prevê a exclusão de representações dos Movimentos Sindicais, da Igualdade Racial e da Educação Especial. O CEE é um órgão colegiado que contribui para o desenvolvimento e fiscalização de políticas públicas educacionais de Mato Grosso. A representação no CEE foi importante para o fortalecimento da educação indígena e decorre de décadas de mobilizações e lutas.
“É um fórum onde se discute todas as demandas de educação escolar para o povo mato-grossense. É através do Conselho Indígena que podemos estar presente nas discussões, apresentar e encaminhar as nossas demandas”, explica Darlene Taukane, que também é coordenadora do Instituto Yukamaniru de Apoio às Mulheres Indígenas Bakairi. O Conselho Estadual Escolar Indígena de Mato Grosso – que indica o conselheiro para o CEE – foi o primeiro do segmento criado no Brasil, em 1995.
A Fepoimt, entidade que representa os 43 povos do estado, e a Organização de Mulheres Indígenas de Mato Grosso (Takiná), encaminharam uma carta ao governador Mauro Mendes (União Brasil) no início deste mês solicitando uma discussão mais aprofundada sobre o tema. Todavia, diante da ausência de resposta e da possibilidade de avanço da proposta no parlamento, emitiram uma carta de repúdio ao PLC 17/2023.
“O Estado de Mato Grosso está na contramão, pois a educação é um direito que deveria ser prioridade. A realidade vivenciada pelos povos indígenas é um descaso total pela ausência do Estado. A educação indígena escolar [em Mato Grosso] já foi referência para outros estados, mas atualmente vivemos um retrocesso, um desmonte e o desrespeito aos direitos constitucionais dos povos indígenas”, diz trecho do documento.
Darlene Taukane lembra de desafios que se arrastam há anos, como a precariedade estrutural de escolas que necessitam de reparos e manutenção e a necessidade de materiais didáticos editados nas respectivas línguas maternas para que haja, de fato, uma educação diferenciada. Também reforça a importância da representatividade e do diálogo neste processo. “Precisamos, democraticamente, discutir as situações dos professores e das escolas indígenas. As demandas são muitas quando se ouve suas vozes”, ressalta.
Darlene cita conquistas históricas protagonizadas pelos povos indígenas que contaram com a participação do poder público para se concretizarem, como a criação do Conselho Estadual Escolar Indígena de Mato Grosso, da Universidade Intercultural em Barra dos Bugres/MT e de diversos cursos de formação que possibilitaram que o atual quadro de professores nas aldeias seja majoritariamente indígena. “Foi um caminho de luta para termos indígenas em salas de aulas como professores”, relembra.
Diante do fortalecimento do movimento indígena no cenário nacional, Darlene considera lamentável o projeto do governo estadual, que, caso aprovado, pode afetar cerca de 13 mil estudantes indígenas em Mato Grosso. “Desejamos ser ouvidos para que a educação escolar indígena tenha a mesma qualidade e os mesmos direitos de uma educação escolar de não indígenas”, conclui.
Manifestações contrárias ao PLC 17/2023 no parlamento
Alguns parlamentares se posicionaram contrários ao projeto, como Valdir Barranco e Lúdio Cabral, ambos do PT. Barranco destacou que o projeto pretende aumentar a participação de membros de instituições privadas no CEE, o que considera uma contradição. “Nós temos 84% das matrículas na rede pública de ensino contra 16% na rede privada. Não tem como a gente aceitar que a rede privada, que tem infimamente menos estudantes, tenha uma representatividade maior dentro do Conselho”.
Lúdio prometeu apresentar um substitutivo para corrigir o que classificou como uma “distorção”. Segundo o parlamentar, ao propor a exclusão da representatividade indígena e de outros segmentos populares, o PCL 17/2023 reduz a participação social no órgão. “Todo Conselho é um instrumento de controle sobre as ações e políticas do Estado. Quanto mais representar a diversidade da população relacionada àquele tema, melhor. O projeto coloca o Conselho sob controle do Poder Executivo e dos donos de escolas privadas”.
Tramitação do Projeto
O PLC 17/2023 foi encaminhado para a Assembleia Legislativa com dispensa de pauta. Via de regra, qualquer PLC precisa cumprir pauta por 10 sessões antes de ser enviado para alguma comissão. É o tempo estabelecido para que a proposta seja estudada e debatida publicamente pelos parlamentares. Com a dispensa de pauta, o projeto “driblou” esse rito e foi direto para a Comissão de Educação, Ciência, Tecnologia, Cultura e Desporto.
Até o momento, o PLC 17/2023 recebeu duas emendas, uma propondo a ampliação das cadeiras para 18 vagas e outra sugerindo um conselho formado por 15 representantes, sendo que a primeira emenda, de autoria da Comissão de Educação, Ciência, Tecnologia, Cultura e Desporto, prevê duas cadeiras para indígenas, enquanto a segunda emenda, proposta pelo deputado Wilson Santos, não prevê nenhuma. Também foi apresentado um substitutivo, de autoria do deputado Dilmar Dal Bosco (União Brasil), que prevê um Conselho composto por 16 membros, sendo apenas uma cadeira indígena. Ainda não há data prevista para a votação da matéria.