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Urgência na reforma agrária em Mato Grosso é reforçada durante audiência popular sobre grilagem e conflitos fundiários

Atividade fez parte da programação da 3ª Semana de Resistência Camponesa, em Cuiabá/MT

Por Comunicação III Semana da Resistência Camponesa

O Teatro da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), em Cuiabá, foi palco de uma importante discussão a respeito do histórico da grilagem no país e os constantes conflitos fundiários contra as populações. Na plateia, centenas de trabalhadoras e trabalhadores rurais de todo o Estado, militantes sociais, pesquisadores, professores e representantes de órgãos públicos. A audiência popular “Grilagem em terras públicas e conflitos fundiários em Mato Grosso” foi realizada na última terça-feira (29) durante a programação da 3ª Semana de Resistência Camponesa.

“A reforma agrária não será realidade sem a luta de vocês”, destacou o Defensor Público Federal, Renan Sotto Mayor. Também vice-presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDH), ele falou sobre a grande quantidade de terras públicas em Mato Grosso que deveriam ser destinadas para a reforma agrária e não são. Segundo ele, a implantação não é custosa aos governos, mas depende de um enfrentamento à grilagem e todos os seus mecanismos.

“O que acontece em Mato Grosso é uma grilagem gigantesca de terras. Percebemos também decisões judiciais que travam a reforma agrária no estado e precisamos de vocês para continuarmos com as denúncias. Se não fosse pelos movimentos sociais, não saberíamos da grilagem nos territórios. Reforço aqui a importância do Conselho Estadual de Direitos Humanos para encaminhar essas denúncias e dar voz aos povos”.

Procurador chefe da Advocacia Geral da União (AGU), Claudio Fim, abordou o histórico da grilagem no Brasil, com a política das sesmarias, ainda na fase colonial. Nos dias atuais, ressaltou, a legalização de ocupações irregulares conta com o apoio do Estado e o aprimoramento de mecanismos para atender o interesse do latifúndio. O procurador citou também vários exemplos de territórios em Mato Grosso em que a grilagem aconteceu e ainda acontece graças à inércia do Estado.

“A grilagem moderna nasce no aparato estatal, com a utilização de cartórios para registrar imóveis, que mesmo com documentação falsa, foram destinados a quem na verdade os ocupou de forma ilegal e até criminosa. A nossa Lei de Terras proibiu que o pobre através da posse se tornasse proprietário. E isso se perdura até hoje com inúmeros exemplos do uso do próprio Estado para descumprimento da Lei e surgimento de latifúndios pelo país”.

Pela Defensoria Pública Federal, participou da mesa Eduardo Nunes de Queiroz que é também Coordenador do Grupo de Trabalho Moradia e Conflitos Fundiários da DPF. Para ele, a luta por reforma agrária precisa da união da sociedade civil com os movimentos sociais e cita o contexto de Mato Grosso como positivo para novos encaminhamentos “Poucas vezes vejo uma confluência de esforços como aqui. Essa união de órgãos públicos, movimentos sociais e entidades da sociedade civil é essencial para sensibilizar o Poder Judiciário de que a demora nos processos de regularização fundiária mata pessoas, tira o alimento de famílias e gera conflitos”.  

Participou também a professora do Departamento de Geografia da UFMT, Camila Salles de Faria, que apresentou números expressivos sobre a concentração de terras no Brasil e como isso é permitido com a certeza da impunidade de grileiros. Ela relembrou dados que há quase 10 anos o Incra confirmou a existência de cerca de 200 milhões de hectares concentrados em latifúndios pelo país e que em estados como Mato Grosso nada foi feito para corrigir isso.

“Ao usurpador de terras é dado o título de proprietário, conquistador, dono, pioneiro, desbravador. Tornam-se criminosos quem reivindica e luta pelo uso da terra para salvar suas vidas. Cabe a nós cobrar do Estado o que é de direito dos povos do campo.

O secretário executivo do Fórum Popular Socioambiental de Mato Grosso (Formad), Herman Oliveira, acrescentou à discussão falando do avanço da grilagem também sobre as Unidades de Conservação em Mato Grosso. Ele citou como exemplos mais recentes a situação de vulnerabilidade do Parque Estadual Cristalino, o Parque Serra Ricardo Franco, e a Reserva Extrativista Guariba-Roosevelt, além de constantes ameaças de grileiros, mineradores e outros grupos, contra comunidades rurais e quilombolas.

A audiência popular foi marcada ainda pela presença do superintendente regional do Incra-MT, Edtânio Santos de Oliveira e da Diretora de Desenvolvimento Agrário do Incra Nacional, Rose Rodrigues. 

Violação de direitos no campo

Durante a tarde, foi realizado o Seminário ‘Violação de Direitos Humanos no Acesso e Permanência na Terra’, na sede do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra/MT), onde cerca de 350 camponeses e camponesas de todas as regiões de Mato Grosso seguem com a ocupação pela Reforma Agrária, por políticas públicas no campo e pela garantia dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras rurais.

A atividade contou com a participação do presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDH/MT), Inácio Werner; do representante da Comissão Pastoral da Terra (CPT/MT), Padre Luís Cláudio da Silva; da integrante da Direção Nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Margarida Alves da Silva; do coordenador da Campanha Contra a Violência no Campo, Jardel Lopes; e de camponeses e camponesas de todo o estado.

Uma mística encenada por camponeses e camponesas iniciou a programação vespertina. A performance representou, inicialmente, algumas das violências sofridas cotidianamente no campo brasileiro. Em seguida, expressou a libertação dos povos da terra, com a quebra das correntes e amarras simbólicas. Num segundo momento, Frei Zeca (CPT/MT), animador da mística, deu destaque a algumas notícias relacionadas a violações de direitos humanos que impactaram a população de Mato Grosso nos últimos anos, como a “fila dos ossos” e o aumento dos casos de pessoas em trabalhos análogos a escravidão no estado.

Após a mística de abertura e uma fila do povo, em que camponesas e camponeses partilharam sobre os desafios enfrentados na luta, deu-se início ao seminário, com mediação de Gloria María (CPT/MT). O presidente do CEDH, Inácio Werner, apresentou o contexto da criação do Conselho, pela realidade de constantes denúncias de violações de direitos no estado de Mato Grosso. “Nós estamos aqui para que quem faz a luta não seja calado”, afirmou Werner.

Em seguida, foi a vez de Padre Luís Cláudio (CPT/MT) expor dados do Caderno de Conflitos 2022, mas o agente propôs uma outra perspectiva sobre as informações contidas na publicação: “Cada número é uma pessoa, cada número é uma família, cada número é uma realidade, e eu não quero que ninguém aqui se torne apenas um dado”, expressou o agente, que voltou sua fala para as violências sofridas pelos corpos que se colocam em luta.

Representando o MST, Margarida Alves da Silva debateu sobre os desafios nas lutas e trouxe reflexões importantes sobre a CPI do MST, afirmando que essa atua como uma estratégia na tentativa de constranger o governo a não avançar com a reforma agrária. Ainda, chamou atenção para o caráter do inquérito: “Essa CPI não é apenas para perseguir o MST, mas para criminalizar todos aqueles e aquelas que lutam”, reiterou. Ainda, a dirigente afirmou que a justiça social no Brasil só será possível com a implementação da Reforma Agrária.

Apresentando um panorama das ações da Campanha Contra a Violência no Campo, Jardel Lopes reforçou que a violência no campo, hoje, é transvertida de diversas formas: “É a violência que mata com armas, que mata com agrotóxicos, com ameaças… é a violência que quer matar a vida dos movimentos populares”, denunciou.

Por fim, foi a vez de camponesas partilharem sobre suas experiências e vivências enquanto pessoas de luta pela terra, alimento saudável e vida digna no campo. O Seminário encerrou com uma fala de encorajamento e esperançar por parte de Mari, trabalhadora rural sem terra, do Acampamento Boa Esperança: “Quando você sente medo, o coração gela. Precisamos ter os corações aquecidos pela luta!”, provocou a camponesa.

A organização da 3ª Semana da Resistência Camponesa é da Comissão Pastoral da Terra (CPT-MT) e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST-MT), entidades diretamente ligadas à pauta da reforma agrária no estado. A iniciativa conta ainda com o apoio do Fórum Popular Socioambiental de Mato Grosso (Formad), do Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDH) e da Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE).

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