Por Helena Corezomaé/ Opan
Um paraíso em risco! Na beira do rio Juruena quatro crianças se divertem, travando batalhas épicas com bolas feitas de areia. Entre risos e provocações, a brincadeira dura horas. A poucos metros dali, no centro da Aldeia Curva, na Terra Indígena (TI) Erikpatsa, em Brasnorte (MT), acontecem discussões para proteger o modo de vida dessas crianças e de todos que habitam a bacia do rio Juruena.
Com o tema “O mundo começa pelo meu território, cuida”! o 11º Festival Juruena Vivo foi realizado de 8 a 10 de novembro de 2024 e trouxe convidados que fizeram os cerca de 200 participantes refletirem sobre o papel de cada um na proteção do planeta.
Entre os convidados estava Júnior Yanomami. O jovem fez um relato carregado de dor, que contrastou com a imagem das crianças rindo e brincando nas águas do rio Juruena. Júnior veio de terras distantes, da TI Yanomami, que se estende pelos estados de Roraima e Amazonas, e compartilhou a sombria realidade do seu povo: a invasão do território por garimpeiros, que além de destruir a natureza, tem roubado a infância de meninos e meninas, expondo-os a um futuro incerto.
“Mais de 90% dos rios estão contaminados com mercúrio e nós não temos água. Muitas crianças morreram. Se não tivesse invasão, as crianças estariam brincando. Eu já levei e busquei muitos corpos de crianças. E essas crianças morreram devido a contaminação e eu tive que levar e entregar para as famílias esses corpos. E quando você vai resgatar alguém, você também tem que escolher quem vai, porque só cabem dez no avião. Mesmo contaminado a gente toma água desse rio, por isso vocês tem que proteger esse rio. Água é vida”, disse o jovem.
A cada frase, a preocupação no rosto de Júnior era notável: que a tragédia que acontece em seu território pudesse se repetir em outras comunidades. Com imagens e dados, Júnior mostrou para a plenária a luta dos Yanomami pela sobrevivência, ao terem a terra explorada e os rios contaminados.
A jornada do jovem começou no seu território, mas agora é por todo o país e o mundo, para que ninguém esqueça da luta dos Yanomami e os ajudem a proteger seu lar. “Não tenho estudo, mas aprendi a ler para transmitir a voz do meu povo. Tive que aprender para nos defender. Se o governo não quer nos ouvir, tenho que ir para a mídia, para sociedade e gritar que estão deixando a gente morrer”, declarou em português.
Dados do Ministério dos Povos Indígenas (MPI) revelaram que apenas em 2022 morreram 99 crianças Yanomami com menos de 5 anos, na maioria dos casos, por desnutrição, pneumonia e diarreia.
Após a fala do jovem Yanomami, anciões dos povos Rikbaktsa e Enawene Nawe reforçaram a importância de proteger seus territórios das ameaças do garimpo, expressando a urgência de cuidar dos territórios para as futuras gerações. A plenária ainda definiu que fosse criada uma carta em apoio à luta dos Yanomami.
Além da mineração, outro risco foi destaque no festival: as hidrelétricas. Na mesa “A conjuntura das atividades de garimpo e mineração no Tapajós”, o indigenista da Operação Amazônia Nativa (OPAN) e engenheiro de pesca, Ricardo Carvalho, contou que até 31 de janeiro de 2024 foram identificados 180 aproveitamentos hidrelétricos na bacia do Juruena.
Cerca de 46% desses empreendimentos correspondem a centrais geradoras hidrelétricas (CGHs), enquanto 40% são pequenas centrais hidrelétricas (PCHs). Os projetos de grande porte (UHEs) representam 14% do total, conforme Ricardo.
Os dados fazem parte do “Boletim de Pressões e Ameaças às Terras Indígenas na Bacia do Rio Juruena”, que fornece informações sobre o planejamento energético e minerário da região para identificar seus potenciais impactos na vida dos povos indígenas, comunidades tradicionais e outros grupos sociais que vivem na bacia do rio Juruena.
“Nós já estamos sofrendo, mas nossos filhos e netos vão sofrer ainda mais, se nada for feito. Nosso rio vai secar. Nós temos que continuar falando que queremos a floresta em pé”, disse o jovem Piani Kayabi.
Vitórias compartilhadas
A emoção tomou conta da plenária em vários momentos durante o festival. Em especial, quando foi anunciada a vitória da Rede Juruena Vivo, com o arquivamento do licenciamento ambiental da UHE Castanheira pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente de Mato Grosso (SEMA-MT), em 18 de março deste ano.
Após mais de uma década de mobilizações sociais e resistência, a SEMA colocou um ponto final no licenciamento ambiental. O parecer técnico da secretaria, que indicou o arquivamento, foi protocolado um dia depois que a Defensoria Pública da União (DPU) e o Ministério Público Federal (MPF) ingressaram com Ação Civil Pública (ACP) pedindo a suspensão e a federalização do licenciamento.
Terra Indígena reconhecida
A assinatura da portaria declaratória da Terra Indígena Apiaká do Pontal e Isolados pelo ministro Ricardo Lewandowski, do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), que reconheceu a área de 982 mil hectares como pertencente ao território do povo Apiaká, foi outro momento de comemoração.
Lideranças Apiaká lembraram que essa vitória é fruto de muito luta e que os parentes devem se unir e apoiar o reconhecimento do território dos Kajkwakratxi-Tapayuna, que foram obrigados a deixar sua terra tradicional entre o rio Arinos e Sangue, que pertence à bacia do Juruena.
Ao longo dos três dias, as ameaças à floresta e a emergência climática global foram os temas centrais das discussões. A Feira de Saberes, que mostrou a riqueza do que é produzido nos territórios, se tornou um espaço de troca de conhecimentos e experiências.
Já as apresentações culturais, um grito de resistência e de fortalecimento dos laços entre os participantes. Na tarde do último dia (10), os homens Enawene Nawe dançavam só, mas outros povos foram se aproximando e no final o palco foi tomado por uma grande roda que mostrou a diversidade e a riqueza do Festival Juruena Vivo.
O evento deste ano contou com a participação dos povos indígenas Myky, Manoki, Haliti, Nambikwara, Terena, Apiaká, Munduruku, Kawaiwete, Kajkwakratxi-Tapayuna, Yanomami, Enawene Nawe, Balatiponé-Umutina e Rikbaktsa. Além de representantes das populações do campo: Comissão Pastoral da Terra (CPT), Associação de Feirantes e Produtores de Cotriguaçu, Associação Rural Pedreira, Associação de Moradores e Veranistas de Fontanillas e Palmital.
Estavam presentes, ainda, organizações da sociedade civil e movimentos sociais que fazem parte da Rede: OPAN, Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Instituto Centro de Vida (ICV), Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Pacto das Águas, Casa de Umbanda São Sebastião, Movimento Tapajós Vivo, Tapajós de Fato e Movimento pela Soberania da Mineração.
A força dos comunicadores
O Festival Juruena Vivo, além de ser um farol de esperança para a bacia do rio Juruena, é também uma escola para os comunicadores da rede. Neste ano, 21 jovens se reuniram para produzir conteúdos que ecoaram a voz da floresta.
Cada imagem, vídeo e palavra registrada fortaleceu a luta por um futuro mais justo e sustentável para a bacia do rio Juruena e também contribuiu para o desenvolvimento pessoal de cada um dos comunicadores, que vão utilizar essas habilidades em favor de seus territórios.