Por Bruna Pinheiro / Formad
A força da mobilização popular e a importância de sua resistência marcaram mais uma edição das atividades pelo Dia do Rio Paraguai/Pantanal, em Cáceres (MT). A programação contou com a entrega de documentos pela proteção das águas, atos públicos pela cidade, místicas e a tradicional romaria fluvial. O evento tem como objetivo firmar o direito à vida do povo pantaneiro, fortalecer a conservação do bioma e os direitos da natureza e reafirmar a luta contra projetos de morte predatórios que ameaçam o Pantanal, como a instalação da Hidrovia Paraguai Pantanal (HPP) e projetos de instalação de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs).
Há mais de 20 anos, o Dia do Rio Paraguai é celebrado em 14 de novembro, com a concentração de atividades em Cáceres (MT). A cidade, que este ano sofreu com a revogação da inclusão dos Direitos da Natureza na Lei Orgânica Municipal, após interferência do setor ruralista da região, segue com a mobilização dos comitês populares em defesa do meio ambiente, das águas e a proteção de territórios. Na edição deste ano, participaram mais de 10 comitês.
“A resistência popular em Cáceres é referência para todo o Mato Grosso. Temos importantes lideranças aqui, além do surgimento de novos representantes, com a inserção da juventude pantaneira na luta socioambiental. Isso é importante para renovar e ajudar a fortalecer o movimento. O Formad é apoiador das atividades pelo dia do Rio Paraguai/Pantanal e é sempre uma boa oportunidade para reforçar nossos discursos e nos unirmos em prol de diversas bandeiras de luta”, destacou o secretário-executivo do Fórum Popular Socioambiental de Mato Grosso (Formad), Herman Oliveira.
“O Dia do Rio Paraguai é de luta e resistência. Há 23 anos celebramos essa data com os comitês populares, assentamentos, quilombos, movimentos sociais. É para encerrar o ano com uma grande celebração, mas também como reafirmação de que o rio Paraguai é nosso! Ele precisa ser preservado e que cada vez mais pessoas se apaixonem por ele e o defendam”, explicou Vanda dos Santos, da Associação Sociedade Fé e Vida.
O evento é organizado pela Sociedade Fé e Vida, Comitê Popular do Rio Paraguai/Pantanal, Instituto Gaia, ARPA, Escola de Ativismo e Pesquisação e teve atividades realizadas desde o domingo (12.11). Na terça-feira (14.11), a Romaria das Águas marcou o início das homenagens ao Rio Paraguai e mostrou também os impactos da seca no maior afluente do Pantanal. Com o nível da água bem baixo, as embarcações quase não conseguem trafegar pelo rio. A cena é mais um reforço da luta popular em defesa das águas, que contou ainda com um “abraço simbólico” ao rio que já esteve muitos metros acima do que está hoje.
Cota Zero em pauta
Pelo quinto ano consecutivo, a audiência pública requerida pelo deputado estadual Lúdio Cabral (PT) fez parte da programação do evento. Durante a atividade, na terça-feira (14.11), foram realizadas intervenções artísticas e místicas dos comitês populares com alertas e denúncias sobre o avanço de usinas hidrelétricas, uso de agrotóxicos e outras ameaças socioambientais. Uma das pautas também discutidas foi a Lei 12.197/2023, o Cota Zero, que proíbe o armazenamento, comércio e transporte do pescado em Mato Grosso a partir de 2024. Manifestações contrárias à sanção da Lei também foram feitas durante a romaria fluvial e algumas das intervenções artísticas.
“O objetivo dessa audiência é levantar, a partir da escuta da população, para poder acionar as ferramentas que temos à disposição para lutar por seus direitos Uma das grandes ameaças à existência desses povos é a lei da Cota Zero, que proíbe a pesca artesanal, acabando com o modo de vida dessas populações. Não são os pescadores que ameaçam peixes nos rios de Mato Grosso, mas sim as hidrelétricas, os agrotóxicos lançados nas águas, o assoreamento causado pelo desmatamento”, disse o deputado Lúdio Cabral.
Na semana passada, o Formad, junto a outras organizações socioambientais, protocolou um Amicus Curiae com o pedido de inconstitucionalidade e suspensão de artigos da Lei. O documento foi direcionado ao Supremo Tribunal Federal (STF) com o destaque à “urgentíssima necessidade de concessão de medida cautelar”, em vista do pouco tempo de início da proibição (menos de dois meses). Entre os argumentos defendidos pelas organizações estão a inconsistência científica para sustentar a proibição da pesca, violação de direitos humanos, previdenciários e dispositivos constitucionais, e desrespeito à Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Luta pelos Direitos da Natureza
Em 17 de julho deste ano, Cáceres entrou para a história como o primeiro município de Mato Grosso a incluir os Direitos da Natureza em sua Lei Orgânica. A proposta de emenda foi aprovada por unanimidade, porém, em menos de um mês, foi derrubada após uma solicitação do Sindicato Rural da cidade, sob a alegação de inconstitucionalidade. O tema foi bastante relembrado pelos representantes de comitês populares, que reforçaram a importância da inclusão dos Direitos da Natureza na legislação municipal, como compromisso na defesa do meio ambiente.
A advogada do Formad, Bruna Bolzani, destacou que os direitos da natureza são direitos constitucionais, e que a conquista de Cáceres havia sido reconhecida internacionalmente pela Organização das Nações Unidas (ONU). Segundo ela, a luta do município não pode parar. “Existe uma luta no Brasil e no mundo pelos Direitos da Natureza. É uma luta importante, constitucional e legítima. Está em construção pela ONU uma declaração universal sobre o assunto. Então, a luta de vocês, que é linda, está indo longe e tem que continuar! É uma luta pela água, pela terra e pela continuidade da vida”.
Como recomendações da audiência pública ao parlamentar ficaram as propostas para discussão de estratégias de revogação da derrubada da emenda de Cáceres e a criação de uma Lei Estadual pelos Direitos da Natureza.