Por Bruna Pinheiro / Formad
“É a crônica de uma catástrofe anunciada”, assim define o secretário executivo do Fórum Popular Socioambiental de Mato Grosso (Formad), Herman Oliveira, sobre a convocação de uma audiência de conciliação proposta pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a respeito do Cota Zero. O despacho assinado pelo ministro André Mendonça não contempla a participação de representantes de comunidades e colônias de pescadores do estado, que desde o início da tramitação da Lei 12.197/2023 se posicionaram contrários à proibição do comércio, armazenamento e transporte do pescado por cinco anos. A reunião está marcada para acontecer nesta quinta-feira (25), na sede do STF, em Brasília (DF), a princípio, somente com representantes do poder público estadual e federal.
No despacho o ministro afirma que a audiência de conciliação tem como finalidade a solução consensual da controvérsia judicial presente na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7471, proposta pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB), assim como o Partido Social Democrático (PSD), que também ingressou com ação direta no STF. Ambas contestam a proibição das atividades de pesca profissional em Mato Grosso, e questionam sobre a ausência de parâmetros técnicos adequados sobre o tema.
Além dos partidos, foram convocados pelo ministro, em âmbito federativo, representantes da Advocacia-Geral da União, dos Ministérios do Meio Ambiente e Mudança do Clima, e da Pesca e Aquicultura, do ICMBio, do IBAMA e do INSS; e no âmbito estadual, do Governo do Estado, com a participação das secretarias estaduais envolvidas, e da Assembleia Legislativa (ALMT).
“Se assim for feito, teremos uma reunião sem os principais sujeitos da questão, o que é grave do ponto de vista democrático. Toda a problemática do Cota Zero envolve os direitos humanos e ninguém da área foi chamado. Há um descumprimento de tratados diplomáticos internacionais e não haverá nenhum representante para discutir isso. Não faz sentido chamar para uma reunião de teor técnico, órgãos que nem estão por dentro do que está acontecendo em Mato Grosso. Qual o nível de debate disso? E as populações atingidas pela Lei? Quem falará por elas?”, alerta Herman Oliveira, do Formad.
O Fórum, que representa 36 entidades filiadas em Mato Grosso, é uma das organizações socioambientais que pediu ingresso como Amicus Curiae no STF, com o pedido de inconstitucionalidade e a suspensão de artigos. Entre os argumentos defendidos estão a inconsistência científica para sustentar a proibição da pesca, a desproporcionalidade, violação de direitos humanos, previdenciários e dispositivos constitucionais, e desrespeito à Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O documento também é assinado pelo Fórum Nacional de Sociedade Civil na Gestão de Bacias Hidrográficas (FONASC-CBH), Instituto Centro de Vida (ICV) e Instituto de Pesquisa e Educação Ambiental (Instituto GAIA).
“É importante ressaltar que, diferente do que o Governo está tentando induzir, essa audiência é uma etapa do processo. Ainda aguardamos uma resposta aos pedidos de inconstitucionalidade propostos ao STF e muito bem embasados, com argumentos técnico-jurídicos que o próprio Governo até hoje não consegue rebater. No nosso entendimento, a audiência de conciliação não é o encerramento dessa questão”, acrescenta o secretário executivo.
Na última sexta-feira (19), organizações da sociedade civil de Mato Grosso ingressaram no STF com um pedido de admissão na audiência, com o objetivo de participar e contribuir na formação do entendimento consensual do tema. “Desde a tramitação do projeto de Lei pelo Governo, passando pela celeridade dos deputados estaduais em aprová-lo, até a sanção do governador, o que sempre reivindicamos foi uma maior participação popular na discussão. É uma lei que afeta diretamente mais de 15 mil famílias e essas pessoas têm o direito de falarem e serem ouvidas. Contamos com o STF para isso!”, finaliza.
Cota Zero
A Lei 12.197/2023 foi sancionada pelo governador Mauro Mendes em 21 de julho de 2023, com a proibição do armazenamento, comércio e transporte do pescado nos rios de Mato Grosso por cinco anos a partir de 1º de janeiro de 2024. O Governo também estabeleceu o pagamento de um auxílio no valor de um salário mínimo durante o período da proibição, com a obrigatoriedade do cadastramento no Registro Estadual de Pescadores Profissionais (Repesca) para receber o benefício, dentre outras condições desproporcionais. O sistema para o cadastro só foi liberado nos sites das Secretarias de Estado de Assistência Social e Cidadania (Setasc) e de Meio Ambiente (Sema) em 21 de dezembro do ano passado, a menos de 10 dias úteis para o início de vigência da Lei.