Por Bruna Pinheiro / Formad
Às vésperas de completar um ano de apresentação do primeiro projeto de Lei que resultou na reedição do Cota Zero, alguns órgãos envolvidos no caso poderão se pronunciar tecnicamente. Ao menos essa foi a manifestação do procurador-geral da República, Paulo Gonet Branco, nesta segunda-feira (06), em ação no Supremo Tribunal Federal (STF) que julga a inconstitucionalidade da Lei 12.434/2024, que proíbe a pesca de 12 espécies de peixes nas bacias de Mato Grosso. O posicionamento da PGR foi uma determinação do ministro do STF André Mendonça, após encerramento da fase conciliatória sem acordo entre as partes.
Em seu despacho, Paulo Gonet Branco, justifica que “a solução da controvérsia demanda o exame de argumentos especializados, dados técnicos e outros subsídios relevantes. Sugere-se, portanto, a renovação dos esclarecimentos prestados pelos órgãos e autoridades informantes e o pronunciamento complementar da Advocacia-Geral da União a respeito das alterações promovidas pela Lei”. A manifestação retoma a necessidade de elucidações técnicas e informativas dos órgãos federais, unanimemente com posição contrária à proibição, conforme notas técnicas anexadas ao processo.
Para o secretário executivo do Fórum Popular Socioambiental de Mato Grosso (Formad), Herman Oliveira, há dois elementos relativamente contraditórios na manifestação da PGR. Se por um lado, o órgão federal insiste no fato de que especialistas devem ser ouvidos antes de qualquer decisão e pede nova manifestação da Advocacia Geral da União, por outro, isto já ocorreu. “Já disseram que a manutenção dessa Lei é absurda. Do ponto de vista técnico, ela fere direitos previdenciários. É uma Lei que tenta acabar com toda uma categoria pois, mesmo com a proibição parcial de espécies, ainda assim ela resulta em perda de renda, uma vez que as espécies proibidas são as mais rentáveis”.
Consta ainda na manifestação da PGR que, ao pedir a suspensão de efeitos da Lei, a AGU apresentou subsídios da Procuradoria Federal Especializada junto ao Instituto Nacional do Seguro Social – PFE/INSS4, onde se afirma que os pescadores artesanais, segurados especiais, perderão a qualidade de segurado junto ao INSS, de forma definitiva, no período de 12 (doze) meses após a proibição da atividade pesqueira. Com isto, eles deixam de ter direito a benefícios previdenciários específicos como o seguro defeso, o salário-maternidade, a pensão por morte e a aposentadoria especial.
A questão previdenciária é uma das mais preocupantes quando se discute o Cota Zero e até hoje o Governo de Mato Grosso não apresentou alternativas para sanar o problema. Também não há transparência e informações por parte da Secretaria de Estado de Assistência Social e Cidadania (Setasc) quanto ao cadastramento de pescadores e o pagamento do “auxílio pecuniário”, proposto pela gestão estadual. Diante disso, crescem, a cada dia, os relatos de famílias de pescadores/as em situação de vulnerabilidade, insegurança alimentar, além de casos de depressão.
“A cidade de Barão de Melgaço está praticamente parada. Nós não sabemos mais o que fazer, ninguém sabe se pode pescar ou não, temos medo de trabalhar. A falta de comida já chegou, o comércio está falindo. Estamos sobrevivendo com muitas necessidades”, relatou o pescador Pedro (nome fictício) do município de Barão de Melgaço, que não quis se identificar.
Quase um ano de incertezas
Apresentado pelo Governo de Mato Grosso, por meio da Mensagem nº 80/2023, em 31 de maio de 2023, o Projeto de Lei Complementar 1363/2023 acrescentou e alterou dispositivos à Lei nº 9.096/2009, com a proibição do transporte, armazenamento e comercialização do pescado oriundo da pesca em rios de Mato Grosso pelo período de cinco anos. A proposta também estabeleceu a modalidade ‘pesque e solte’ como a única permitida no estado durante a proibição. Com bastante celeridade, o projeto foi aprovado pela Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT) em um mês, sendo publicado como Lei 12.197/2023, em 21 de julho de 2023.
Desde então, organizações socioambientais, representantes de comunidades ribeirinhas e entidades da sociedade civil têm lutado juridicamente pela derrubada da Lei. O caso chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF), no final de 2023, com o ingresso da primeira de três Ações Diretas de Inconstitucionalidade protocoladas. O relator das ações é o ministro André Mendonça que instaurou uma fase conciliatória, mas sem sucesso. Na última tentativa, em abril deste ano, o governo estadual rejeitou a proposta de conciliação apresentada pela AGU de suspender as leis para elaboração de um plano de gestão em parceria com o Ministério da Pesca.
“Não há estudos conclusivos em relação à diminuição das espécies de peixes e se porventura, há diminuição das espécies, não é o esforço de pesca o responsável por essa suposta redução. As instituições envolvidas no julgamento deste caso já se manifestaram. Independente se a proibição é parcial ou total, elas já disseram que sem estudos não há o que se discutir”, finaliza Herman Oliveira.
Foto: Lidiane Barros