Por Bruna Pinheiro / Formad
Em mais uma audiência pública para discutir os impactos da Lei 12.434/24, o Cota Zero, a ausência de estudos científicos e participação popular ficou ainda evidente. Nesta quinta-feira (18/7), centenas de pescadoras e pescadores, lideranças locais, pesquisadores e representantes de órgãos federais debateram as fragilidades da Lei, testemunhando desafios que vêm enfrentando. A declaração de inconstitucionalidade ainda está sob decisão do relator da ação no Supremo Tribunal Federal (STF), ministro André Mendonça. Em último despacho dele, o pedido de suspensão dos efeitos da Lei foi rejeitado.
Representando o Ministério da Pesca e Aquicultura na audiência pública, Cristiano Quaresma, fez questão de reforçar o posicionamento contrário à Lei da instituição, que é ligada ao Governo Federal e já produziu quatro notas técnicas sobre o tema. Ele destacou ainda que a pasta “não está sozinha” e que a posição é acompanhada do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, também contrário ao Cota Zero. Cristiano elencou entre os motivos, questões ambientais, socioeconômicas, com a exclusão e marginalização de pescadores, perda do conhecimento tradicional, racismo ambiental, violação de direitos humanos e o impacto no seguro defeso.
“Enquanto Governo Federal, não podemos pagar o seguro defeso a uma atividade que não está sendo exercida. Com isso, o Governo do Estado cria uma situação de impasse junto ao Federal. Do ponto de vista ambiental, não há evidências científicas de que a pesca artesanal está comprometendo de forma efetiva o estoque pesqueiro em Mato Grosso. Se o Governo estadual entende que é importante a sustentabilidade da pesca, o Ministério se coloca à disposição para criar uma proposta de manejo, inclusive destinando recursos econômicos para um monitoramento da pesca artesanal. Para nós, é fundamental que a pesca continue em Mato Grosso”, destacou o representante do Ministério da Pesca.
O analista ambiental do Ibama, Cesar Esteves Soares, fez uma fala chamando a atenção ao conteúdo da Lei, que não passou por deliberações do Conselho Estadual de Pesca (Cepesca), e ainda assim foi aprovada por 15 deputados* (confira a lista dos parlamentares abaixo) da Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT). Segundo ele, em anos anteriores, o Conselho já havia discutido uma minuta substitutiva à proposta de alteração na Lei da Pesca em Mato Grosso. Porém, as deliberações não tiveram continuidade.
“Entretanto, não dando prosseguimento a análise desse texto, paralelamente, correu-se por fora e colocando-se a favor de um trade turístico, que também tem representação no Cepesca, um segmento foi privilegiado, que é o da pesca amadora. A maioria no Conselho sempre decidiu que nunca haveria uma cota zero para o seguimento da pesca. Nunca se mostrou qualquer estudo técnico que mostrasse que determinada espécie de peixe não deveria mais ser pescada. Pelo contrário, o Ibama já se manifestou pela inconstitucionalidade e reconheceu que as discussões do Cepesca em Mato Grosso é que teriam legitimidade para propor algo para subsidiar uma política de pesca”, justificou.
O presidente do Cepesca, Alex Marega, esteve presente na audiência pública por quatro horas e em nenhum momento se manifestou a respeito da atuação do Conselho nas deliberações e implantação do Cota Zero. Nos bastidores, há relatos de divergências entre os conselheiros sobre o tema e a condução da pauta.
Aceite de ministro ainda é aguardado
A consultora jurídica do Observa-MT, Edilene Amaral, alertou que, desde novembro de 2023, organizações da sociedade civil aguardam pelo aceite do ministro para que façam parte do processo no STF. As entidades são contrárias ao projeto e há mais de um ano denunciam as ilegalidades, riscos previdenciários e impactos na segurança alimentar e financeira das famílias de pescadores. “Não faltam elementos sobre a inconstitucionalidade do Cota Zero. Está nas mãos do ministro André Mendonça decidir sobre isso, sim. A luta tem que continuar. Acredito que no plenário do STF temos chances de reverter. Mas se depender dos deputados estaduais dessa Casa, que agora aparecem com discursos para ajudar os pescadores, ou se depender desse governador, vocês continuarão passando fome”, disse.
Outra organização que também aguarda pelo aceite do STF é a Defensoria Pública da União (DPU). “Seria tão importante que o ministro André Mendonça chamasse uma audiência pública no STF, por exemplo, para ouvir vocês e conhecer a realidade do que está acontecendo em Mato Grosso. O ministro ainda não nos admitiu no processo, para pluralizar e democratizar o debate. Isso é muito ruim, porque não podemos participar da discussão”, acrescentou o defensor público federal, Renan Sotto Mayor.
A audiência pública foi requerida pelo deputado estadual Wilson Santos (PSD) e contou ainda com a presença de representantes do Ministério da Pesca e Aquicultura, Ministério da Agricultura e Pecuária, Ibama e da Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema), além dos deputados estaduais do PT, Lúdio Cabral e Valdir Barranco.
*Deputados estaduais de Mato Grosso que aprovaram o Projeto de Lei 1363/2023, logo promulgada como Lei 12.197/23 e substituída pela Lei 12.434/24
Beto Dois a Um
Carlos Avallone
Claudio Ferreira
Diego Guimarães
Dilmar Dal Bosco
Dr. Eugenio
Fábio Tardin
Gilberto Cattani
Júlio Campos
Max Russi
Paulo Araújo
Reck Junior
Silvano Amaral
Valmir Moretto
Valter Miotto