Trabalhadores viviam em condições degradantes em Nova Monte Verde (MT), sem instalações sanitárias e acesso a água tratada. Grupo não recebia equipamentos ou treinamento para aplicação de agrotóxicos
Quatro trabalhadores em situação análoga à de escravos foram libertados no município de Nova Monte Verde (MT), a 950 km da capital Cuiabá, aplicando veneno em pastagens de uma fazenda de gado bovino para corte. Apesar de exercerem atividade considerada de risco à saúde, pela possibilidade de intoxicação, eles não tinham equipamentos de proteção individual necessários ou treinamento para a aplicação de agrotóxicos. Além disso, o grupo vivia em condições degradantes, sem instalações sanitárias ou acesso à água tratada.
A ação aconteceu em 13 de junho e, além do Grupo Especial de Fiscalização Móvel da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego (SRTE/MT), contou com a participação do Ministério Público do Trabalho (MPT) e apoio de policiais do Grupo de Operações Especiais da Polícia Civil local. Os nomes dos proprietários e do empreendimento não foram divulgados. Após a libertação, os quatro resgatados cadastraram-se no Projeto Qualificação-Ação Integrada, que visa a inserção ao mercado de trabalho formal de trabalhadores vindos de condições análogas à de escravo e é organizado pela SRTE/MT, em parceria com o MPT e a Universidade Federal do Mato Grosso.
Os trabalhadores resgatados lavavam as roupas sujas de veneno em um córrego local, onde ainda tomavam banho. A água para beber ou preparar refeições era retirada de um poço próximo a esse mesmo riacho, sem qualquer tipo de tratamento. Como, além disso, não havia instalações sanitárias no local, os quatro utilizavam o mato como banheiro. E o encarregado pela fazenda não lhes fornecia alimentos, o que os obrigava a conseguir as refeições por conta própria.
A fazenda tem área de 14 mil hectares e presença de cerca de 5 mil cabeças de gado. Mesmo considerando a dimensão do empreendimento, os proprietários não forneciam condições mínimas de habitação aos empregados, segundo a fiscalização. O alojamento era de madeira, rústico e impróprio. “Para realizar a libertação dos trabalhadores, consideramos a degradância [a que o grupo estava submetido], as condições de higiene, a falta de moradia e a água imprópria para o consumo”, detalha o auditor fiscal João Evaristo Pereira Neto, que coordenou a operação.
Sem carteira de trabalho
Contratados para aplicar agrotóxicos, os quatro empregados da fazenda não tinham carteira de trabalho e recebiam o pagamento apenas quando os trabalhos eram terminados. Eles eram tratados como prestadores de serviço autônomos, mas para o coordenador da fiscalização, não restam dúvidas de que “os elementos que caracterizavam vínculo de emprego estavam presentes”.
Segundo o auditor, é possível aferir isso porque, entre outros motivos, o trabalho ocorria de forma não-eventual, ou seja, sem que se esgotasse com apenas uma execução; dependia da pessoalidade, pois era de competência de apenas aquele grupo de quatro pessoas; e porque o capataz tinha o controle das atividades de cada um dos empregados. “Chegamos, portanto, a essa conclusão de que eles não eram empreiteiros autônomos”, completa.
Os quatro foram contratados em um escritório em Alta Floresta (MT). Eles não sabiam, de antemão, o quanto receberiam. “Pelo que identificamos, o capataz [responsável pela supervisão dos empregados] acertou com eles o pagamento só no local”, explica João Evaristo.
Indenizações
Em 10 de julho, uma audiência administrativa realizada entre o MPT e os responsáveis pela fazenda investigada estabeleceu que os infratores pagassem verbas no valor de R$ 5 mil por danos morais individuais aos trabalhadores, e R$ 20 mil por danos morais coletivos a entidades assistenciais. Na ocasião, os fazendeiros firmaram um Termo de Ajuste de Conduta aditivo com o MPT.
Além da indenização, os quatro resgatados também receberam verbas rescisórias, com o montante que a fazenda devia, que totalizaram um valor de R$ 11.300. Ao todo, foram lavrados 20 autos de infração. De acordo com a Procuradora do Trabalho responsável por acompanhar o caso, Monica Delgado Pasetto, o estabelecimento descumpriu no começo do ano outro TAC, firmado em 2007 com o MPT e, por isso, vinha sendo verificado desde então. “A investigação já rodava em torno das condições de trabalho da fazenda, mas, na época [em 2007], eles vieram espontaneamente firmar o TAC”, explica a procuradora.
FONTE: Guilherme Zocchio – Repórter Brasil