Índios de MT estão em pânico com medo de perder reservas

É interessante ouvir, a pouco mais de um metro, um velho índio da etnia Myky falar em língua própria, com muita revolta, sobre a preocupação dele (mas que não é só dele) com a afronta às reservas indígenas e à natureza, em Mato Grosso e no Brasil.

FOTO: Caio BOB

A etnia Myky é uma das 42 que vivem neste Estado. Dessas pelo menos 14 estão representadas no Encontro dos Povos Indígenas de Mato Grosso, que começou hoje, 16 de abril, no auditório da Medicina Veterinária da Universidade Federal de Mato Grosso (Famev-UFMT), em Cuiabá. O encontro vai até dia 18.

Além dessas etnias formalmente reconhecidas, Mato Grosso também é terra de oito povos indígenas ainda isolados, ou seja, que não fizeram contato, sendo que sete vivem dentro do território mato-grossense e dois na fronteira.
O velho Myky foi um dos que se manifestaram na abertura do evento, após a fala contundente da palestrante Francisca Novantino ou Chiquinha Paresi, que fez uma análise de conjuntura. “Não podemos nem contar quantos índios sangraram, lutando pelos nossos direitos até a Constituição de 1988, que em seu capítulo quinto trata sobre as terras indígenas. Não podemos esquecer que a luta do povo indígena é uma luta mais ampla, porque contempla os interesses de todo o povo brasileiro, já que protege o meio ambiente. É uma luta que propõe uma vida melhor, mais natural, um bem viver”.

No Encontro, índios de Mato Grosso farão debates, dias 16 e 17, na SEMANA DE LUTO! contra a PEC 215 e outras mais de 15 que versam sobre terras indígenas, quilombolas e de comunidades originárias, em trâmite no Congresso Nacional. A PEC 215 quer reduzir reservas e ampliar áreas de plantio.

Em nome das comunidades negras, Emílio de Souza, do Morro Cambambe, na Chapada dos Guimarães, disse que, em relação ao movimento indígena, os quilombolas estão “gatinhando que nem tartaruga, mas firmes e conscientes de que têm direitos”. Segundo ele, quilombolas deixam o campo e vão para cidade sofrer nas periferias e isso não é vida!

No dia 18, às 9 horas, sai da praça Ulisses Guimarães, uma marcha de índios, quilombolas e sem-terra que nessa semana também fazem protestos em Cuiabá por reforma agrária. Vão direito aos poderes constituídos, para protestar juntos.

Dia 19 de abril é Dia do Índio, mas o movimento indígena afirma que não há nada a comemorar, nada mesmo.
“Estamos com medo de perder conquistar históricas”, lamenta Gilberto Vieira, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

FOTO: Caio BOB

A primeira coisa que talvez passe na cabeça, ao ouvir o velho Myky, é que o Brasil é de fato um país muito rico culturalmente. “Se tirarem nossas reservas, como vamos fazer nossas roças de milho e batata, caçar e pescar?” – perguntou o manifestante, conforme tradução de um jovem da mesma etnia. A segunda coisa que talvez passe na cabeça, ao ouvi-lo, é que, nas reservas, onde a dinâmica do capitalismo passa longe, o meio ambiente está seguro. O velho Myky também lembrou que todo o território do município onde fica a aldeia dele – Brasnorte – era do povo dele, assim como a faixa da Grande Cuiabá era terra dos Bororo.

Outro índio, Jair Nambiquara, de Comodoro, lembra que, quando os portugueses chegaram ao Brasil, eles, os índios, já estavam aqui, sadios e felizes. “De lá para cá, eles foram invadindo, invadindo, nossas terras…e foi aquela matança”.
Faz muito tempo que não há uma articulação de índios como esta, conforme Vieira, do Cimi. É medo dessas PECs.
“Num piscar de olhos, podemos perder nossas terras, porque são grandes as bancadas ruralista e evangélica no Congresso Nacional e elas estão articuladas contra nós”, reagiu Félix Bororo, que veio de São Félix do Araguaia para o encontro. “A Frente Indigenista, puxada pelo padre Tom (PT-RO) é pequena”.

Para Jair Rikbaktsá, querem acabar com os índios, essa que é a verdade. “Boa parte das pessoas não gostam de nós”, lamenta, se mostrando marginalizado, embora os índios sejam brasileiros como outros quaisquer.

A acadêmica de Enfermagem na UFMT, Jurenilda Chiquitano, propõe que o movimento indígena pense saídas para o longo prazo, o futuro, porque, na visão dela, “se as coisas continuarem assim, nossos filhos e netos não virão os rios que vimos, não vão conhecer nossas tradições, nem nossa cultura, enquanto deixarmos que acabem com nossa terra, nossa gente”.
O velho Myky diz, por fim, que é preciso falar com os “chefes grandes”, que eles também vão fenecer, caso insistam nessa política de destruição.

FOTO: Keka Werneck

 

FONTE: Keka Werneck – Centro Burnier Fé e Justiça

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