ENTREVISTA – “Cúpula dos Povos será contraposição ao discurso da Rio+20”

 Leia a entrevista de Marcelo Durão, da Via Campesina, que discute sobre as perspectivas em torno da Conferência, o que está por trás do conceito de “economia verde”, além de explicar o que será e o que pretende a Cúpula dos Povos.

Confira a entrevista: O que a Via Campesina espera da Conferência da Rio+20?

A Rio+20 é o processo oficial de uma reflexão dos acordos internacionais que saíram da Eco 92 sobre desertificação, biodiversidade, mudanças climáticas, etc. Originalmente, a Rio+20 tinha como proposta a reunião das nações para que se fizesse uma reflexão e avaliação sobre os acordos que foram sendo construídos nos últimos períodos, como o Protocolo de Kyoto, a Agenda 21, as Convenções das Partes (COPs). Num primeiro momento seria isso, foi até uma proposta do Lula em 2007.

No entanto, a proposta de se fazer uma avaliação e reflexão para se pensar novos acordos coletivos – é importante ressaltar que a intenção, no primeiro momento, é que fossem feitos acordos coletivos – se perdeu. Agora (na Rio+20), trata-se de fazer acordos individuais, em que cada nação faria a sua relação com o meio ambiente da forma que melhor lhe coubesse.

Como tivemos uma grande crise do capitalismo, esses acordos irão visar mudanças nas leis trabalhistas e ambientais para facilitarem a acumulação e a centralização de riquezas. Ou seja, o capitalismo e as grandes nações se voltam para o acúmulo de capital a partir do meio ambiente, e aí a necessidade de mudar o Código Florestal, por exemplo. E não é só no Brasil que a legislação ambientalista está sendo alterada, mas em diversos outros países onde ainda tem grandes reservas de natureza.

O foco principal fica nisso. O que se percebe e o que se espera para Rio+20 é de que as nações farão grandes acordos individuais, com as soluções vindas por dentro do mercado, o que chamamos de falsas soluções.

O debate que está colocado em torno da discussão sobre o meio ambiente é a “economia verde”. O que seria de fato essa “economia verde” e no que ela implica?

Em reposta aos diversos problemas sócio-ambientais que está acontecendo no mundo capitalista, as grandes corporações se utilizam do debate de um capitalismo e uma economia verde. Seriam soluções, entre aspas, com preservação ambiental, respeito maior a natureza, mas tudo por dentro do capitalismo real, concreto, selvagem. Dialoga muito com o tal do desenvolvimento sustentável.

Mas isso não passa de uma artimanha do capitalismo para se travestir de verde e continuar acumulando e centralizando riquezas. Por exemplo, uma grande empresa multinacional destina uma parte de seu recurso à compra de créditos de carbono, ou promove uma formação em uma comunidade sobre educação ambiental, sem deixar de continuar poluindo.

Ou o fato de uma única empresa ser dona de Cataventos – como fonte de energia a partir do vento – mas todo mundo que quiser esse tipo de energia terá que se subordinar a essa única empresa. Ou seja, são soluções que vêm por dentro do mercado e que se dizem soluções ecológicas. Isso é uma balela. É o capitalismo se voltando para a natureza.

Outro exemplo: a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura) nunca acreditou na agroecologia. Há poucos anos atrás, porém, foram feitos vários documentos pela FAO falando sobre a agroecologia. Mas os documentos não pautam uma mudança radical e estrutural no uso de agrotóxicos, da monocultura, ficando só num debate muito frágil e superficial.

O conceito “Economia Verde” é apenas uma forma de desviar o debate e o foco principal, que é o próprio capitalismo. A política do REED (Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação), sequestro de carbono, etanol, etc, é que são as falsas soluções. São soluções que vêm por dentro do mercado e sabemos que o mercado centraliza e acumula riqueza nas mãos de poucas empresas e nações.

E como estamos vivendo um momento novo do capitalismo, em que as corporações são os que coordenam o mundo, são mais ricas que as nações, estas ficam reféns das corporações.

Em paralelo à Rio+20, acontecerá a Cúpula dos Povos. O que será essa Cúpula e o que se pretende com ela?

A partir do que estamos identificando dessa reunião dos chefes de estado na Rio+20, diversas organizações , organizadas em redes nacionais e internacionais, como a Via Campesina, estão propondo um espaço alternativo, para contrapor esse debate.

É necessario mostrar ao mundo que existem debates sendo feito, soluções concretas e que não há necessidade de apostar no neodesenvolvimentismo, nesse desenvolvimento para cima da natureza visando dar soluções à sociedade atual.

A ideia é mostrar e fazer um debate: o que nos está afetando globalmente, afetando os povos, o que está acontecendo, como mudança climática, desemprego, degradação ambiental, saúde educação? A ideia da Cúpula dos Povos é fazer uma grande mostra a partir dos próprios povos e demonstrar que não há necessidade de grandes empresas continuarem acumulando e privatizando a riqueza.

Diversos povos, campesinos, quilombolas, sindicatos, organizações que já fazem concretamente uma proposta de sociedade diferente do que está colocada – e que socializa a relação com a natureza, a riqueza, gera trabalho – estarão reunidas nesse espaço.

Serão feitos debates sobre o que nos afeta e apresentar o que os povos já estão fazendo. Por exemplo, a semente da Bionatur, as relações com que índios e pequenos agricultores desenvolvem com a água, o meio ambiento, etc.

A Cúpula dos Povos acontecerá no Aterro do Flamengo, no mesmo período da Rio+20. Estaremos enquanto povos globalmente reunidos. Só a Via Campesina está na expectativa de trazer cerca de 2 mil pessoas para fazermos um grande acampamento e, junto com as outras diversas organizações, faremos mobilizações na rua e debates para se pensar um outro modelo de desenvolvimento, outra maneira do ser humano se relacionar com ele mesmo e com a natureza.

E quais são as propostas para um novo modelo de produção?

As alternativas já vêm acontecendo. O que temos dificuldade é de potencializar e explicitar essas experiências que já se realizam globalmente. Diversas pautas que vem sendo colocada para o mundo enquanto alternativas já são coisas concretas ou discutidas por vários povos, comunidades, movimentos sociais.

Por exemplo, o grande problema dos centros urbanos, com grande quantidade de pessoas vivendo num mesmo espaço, a dificuldade de emprego, educação, saúde e todo caos que isso provoca tem uma solução: descentralizar essas pessoas.

E uma maneira de fazer isso é uma pauta antiga: a Reforma Agrária.

A pequena agricultura e o seu modo de se trabalhar, visando a não utilização de agrotóxicos por meio da agroecologia, já é outra relação com a natureza.

As sementes da Bionatur, sem que tenha uma ou duas empresas controlando a produção de sementes que visam somente o comércio e a centralização de riquezas, também é outra maneira de se pensar. Apropria-se de uma técnica e a dissemina. A Bionatur contribui com o debate e a formação de qualquer comunidade que queira aprender como produzir sementes crioulas.

Em março, vamos para Moçambique para fazer uma grande capacitação dos agricultores para ensinar técnicas de se produzir a própria semente.

O modo de apropriação de terras dos quilombolas, cujo uso e posse é coletiva, sem que haja lote individual, o debate de energia feito pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), o trabalho de forma cooperada, as agroindústrias nas regiões de produção… Isso tudo são alternativas concretas e que colocamos para outra modelo de sociedade.

Repensar o modelo de desenvolvimento é muito importante nesse período. Estamos numa encruzilhada do capitalismo e se ele conseguir se reestruturar sobre o meio ambiente e sobre os trabalhadores, a partir dessas mudanças que estão acontecendo nas leis ambientais e trabalhistas em várias partes do mundo, ele conseguirá ganhar mais força e seremos muito mais massacrados por outro longo período.

Por isso que temos que nos organizar, colocar o povo na rua, criar unidade na luta e construir e socializar cada vez mais essas experiências que já vem acontecendo a partir dos povos.

FONTE: Luiz Felipe Albuquerque – MST

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