Prejuízos socioambientais sofridos em 2022 servem de alerta para novos caminhos no próximo ano

Entre os destaques está a aprovação da “nova Lei do Pantanal”, um risco ao bioma; mobilização popular em MT também teve espaço.

Crédito da foto: Rogério Florentino

Por Bruna Pinheiro/Formad

Um ano que começou com a aprovação de uma licença prévia para construção de portos no Rio Paraguai e termina com um projeto do Governo que altera as regras para a criação das Unidades de Conservação estaduais. Em 2022, as frentes de atuação do campo socioambiental em Mato Grosso foram árduas graças à inércia do Estado em garantir a proteção de territórios e todos aqueles que neles vivem.

Foi também o ano da disputa eleitoral mais importante da era democrática brasileira, em que o futuro do cenário socioambiental está diretamente ligado. Composto por 31 organizações, o Fórum Mato-grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento (Formad) traz um balanço das conquistas, derrotas e traça alguns dos desafios do campo socioambiental para 2023.

Dando início a retrospectiva: uma vitória do povo! Por 20 votos a três, foi derrubado, em agosto, o veto do governador Mauro Mendes ao projeto que proíbe a instalação de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) e Usinas Hidrelétricas (UHEs) no Rio Cuiabá. Muito defendido por entidades socioambientais, comunidades de ribeirinhos, pescadores e moradores da Baixada Cuiabana, o PL 957/2019 acabou sendo rejeitado pelo governador, mesmo tendo sido aprovado com ampla maioria pelos deputados/as. A sessão que resultou no veto foi histórica, com o auditório da Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT) lotado, demonstrando a força da mobilização e luta popular em defesa do meio ambiente.

O Formad atuou fortemente na mobilização e articulação para derrubada, tendo elaborado uma nota técnica que rebateu os argumentos utilizados pelo governador em seu veto. O documento, que foi protocolado na semana anterior à sessão de votação, utilizou quatro pontos para justificar a constitucionalidade da proibição dos empreendimentos às margens do Rio Cuiabá, contrariando o argumento de “inconstitucionalidade formal”. Com a derrubada do veto foi promulgada a lei com a proibição em definitivo de hidrelétricas em toda a extensão do rio.  

“Fica a lição da importância da mobilização, articulação e apoio mútuo de organizações, incluindo algumas que não fazem parte da rede do Fórum, mas são parceiros na luta por proteção socioambiental. É uma vitória que deve ser celebrada por todos nós!” comemorou na época, o secretário executivo do Fórum, Herman Oliveira.

Ainda sobre a questão das águas, dessa vez, de forma prejudicial ao meio ambiente, em 2022, foram aprovadas as licenças prévias para o Terminal Portuário de Barranco Vermelho e o de Paratudal, em Cáceres. Ambas passaram pela deliberação do Conselho Estadual de Meio Ambiente (Consema) de Mato Grosso, que este ano, recebeu muitas críticas por decisões que ferem o meio ambiente, ao invés de protegê-lo. Outro exemplo foi a Resolução 45/2022, que autoriza atividades e empreendimentos, incluindo drenagens, em áreas úmidas, apesar do risco a biomas como o Cerrado e o Pantanal, que dependem da presença da água para a sua manutenção natural.

Nova lei ameaça o Pantanal

Enquanto o Brasil se emocionava com o enredo fictício de uma novela, em 2022, o Pantanal de verdade estava na mira de interesses do agronegócio, com a autorização para atividades exploratórias, pecuária extensiva em Áreas de Preservação Permanente, uso de agrotóxicos sem restrição, empreendimentos de mineração de cascalho e areia, dentre outras liberações que “legalizam” a degradação do bioma. A aprovação do PL 561/2022, por 22 votos a dois, que levou às alterações na Lei 8.830/2008 (a Lei do Pantanal) e sanção do Governo do Estado certamente é um dos episódios lamentáveis de 2022.

Logo após a aprovação, o Formad publicou uma nota de repúdio, que contou com amplo apoio de entidades socioambientais do estado. O texto chama o projeto de “afronta do Código Florestal brasileiro”, com o risco de prejuízos à qualidade da água, às espécies animais e vegetais, ao equilíbrio ecológico e aos povos tradicionais e indígenas da maior planície alagável do mundo. A “nova Lei do Pantanal” também foi pauta de uma campanha pelas ruas de Cuiabá, com um alerta sobre os danos ao bioma, além de atos performáticos como o movimento “Revoada em Defesa do Pantanal” que também foi às ruas em protesto.

Infelizmente, apesar de tanta mobilização e reais perigos ao Pantanal e ao povo pantaneiro, a Lei segue em vigência após negativa do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) ao pedido de suspensão por meio de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI).

Unidades de Conservação sob ataques

O avanço da degradação ambiental em Mato Grosso tem chegado até às Unidades de Conservação, locais que, em tese, deveriam contar com a ação do Estado para sua proteção. Em 2022, algumas delas foram destaques pelas tentativas de extinção e redução de áreas com projetos de leis inconstitucionais, além do crescimento da violência contra as populações tradicionais, a exemplo do Parque Estadual do Cristalino I e II, Parque Estadual da Serra de Ricardo Franco e Reserva Extrativista Guariba Roosevelt.

A necessidade de defender esses territórios levou o Formad a organizar o I Fórum das Unidades de Conservação em Mato Grosso. O encontro aconteceu em novembro, reunindo extrativistas, guias de turismo, organizações socioambientais, pesquisadores e sociedade civil, para a definição de linhas de atuação e cooperação entre entidades visando a defesa e proteção socioambiental das unidades e das pessoas. 

Já no final do ano legislativo, o Governo apresentou à ALMT a Proposta de emenda à Constituição (PEC 12/2022), com alterações aos requisitos para a criação de novas unidades de conservação, condicionando os futuros parques à regularização fundiária e à disponibilidade orçamentária. A proposta, além de não possuir respaldo social, econômico e jurídico, é também um “atestado de culpa” do próprio governo em relação à proteção dessas áreas.  

Defesa de territórios e a luta por um meio ambiente sustentável

Se no campo político e jurídico, o socioambiental em Mato Grosso este ano foi praticamente desastroso, a mobilização popular continuou fazendo a diferença. Além da presença constante em audiências públicas, manifestações e atos em defesa de diversas pautas ambientais, as comunidades tradicionais, agricultores familiares, ribeirinhos e povos indígenas estiveram cada vez mais unidos em 2022. 

No início do ano teve o lançamento da Campanha Pedreira e Palmital Produtiva sobre a importância das comunidades rurais para a economia local, em Juara, com apoio Movimento dos Atingidos por Barragens de Mato Grosso (MAB-MT). A agroecologia foi outra bandeira de luta bastante defendida neste ano, principalmente, por sua potencialidade para reduzir desigualdades sociais e garantir uma alimentação mais saudável e igualitária. Em mais um módulo do Curso de Formação “Agroecologia Pé no Chão”, da FASE Mato Grosso, isso foi reforçado.

A resistência e vigilância do povo quilombola fez com que a experiência de comunidades do Pantanal estivesse entre as 10 selecionadas no Brasil pela pesquisa-ação da Fiocruz do Ceará. Em julho, o Quilombo do Chumbo, em Poconé, sediou uma das etapas do trabalho, em reconhecimento ao protagonismo de quilombolas pela luta de seus territórios e o “escurecimento” de espaços. Em Mato Grosso, são 134 comunidades quilombolas reconhecidas pela Fundação Zumbi dos Palmares, sendo a maioria na Baixada Cuiabana/Pantaneira.

Com o tema “Fortalecendo a luta e tecendo conexões pela vida”, o 9º Festival Juruena Vivo, na Aldeia Apiaká/Kayabi, em Juara, promoveu a integração de povos indígenas, agricultores familiares, pesquisadores, movimentos e organizações socioambientais em importantes discussões. Impactos de hidrelétricas, a importância da agroecologia, além de um grande abraço simbólico à beira do Rio dos Peixes, saudando às lutas históricas de povos tradicionais na defesa de seus territórios e em respeito à natureza, foram algumas das atividades.

A celebração em defesa do Rio Paraguai, em 14 de novembro, em Cáceres (MT), foi um grito de resistência e sobrevivência em prol do principal afluente do Pantanal. Centenas de pessoas, entre ribeirinhos, integrantes de comitês populares, pescadores, comerciantes, agricultores familiares, ativistas e entidades socioambientais participaram das atividades em homenagem ao rio e exigiram mais proteção ao Pantanal.

De olho no futuro e na recuperação ambiental

Em uma eleição histórica que marca a volta de Luís Inácio Lula da Silva à presidência da República, o resultado das eleições 2022 representa uma esperança para o campo socioambiental. Já no primeiro pronunciamento, Lula destacou seu compromisso com o meio ambiente e o fim da ilegalidade em práticas criminosas nos biomas brasileiros. A vitória sinaliza também um “freio” do avanço do agronegócio em áreas protegidas, do desmonte de órgãos de fiscalização e proteção e, principalmente, a recuperação de áreas degradadas.

No cenário estadual, conforme análise do Formad, a reeleição de Mauro Mendes para o Governo e a baixa representatividade de deputados ligados a pautas socioambientais, sinalizam um perigo para Mato Grosso. A situação na Câmara dos Deputados também é motivo de alerta, já que a proposta de autoria do deputado federal Juarez Costa (MDB-MT) que pretende retirar Mato Grosso da Amazônia Legal deve retornar na próxima legislatura.

Com tantos projetos e iniciativas que visam o lucro acima de qualquer proteção socioambiental, o ano de 2023 será bastante desafiador.

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