Por Bruna Pinheiro / Formad
Combate à desinformação, mobilização popular e resistência são alguns dos elementos que marcaram o ano de 2023 no campo socioambiental em Mato Grosso. Com os Poderes Legislativo e Executivo à serviço de interesses econômicos que atacam diretamente o meio ambiente, as comunidades e povos tradicionais, a cultura e ancestralidade, entre outros setores, a resistência foi a marca de organizações socioambientais, a exemplo do Fórum Popular Socioambiental de Mato Grosso (Formad). A rede esteve presente nas principais lutas socioambientais travadas no estado em 2023, como agente mobilizador, de comunicação e articulador de estratégias jurídicas e políticas.
Com a continuidade do governo do Estado nas mãos de Mauro Mendes, a atuação de organizações socioambientais foi fundamental para atrasar e até derrubar propostas anti ambientais, ou pelo menos, causar constrangimento popular. Já no início do ano, o Formad junto com o Observatório Socioambiental de Mato Grosso (Observa-MT), protocolou uma nota técnica que apontava 10 ilegalidades da PEC 12/2022, a PEC das UCs’, apresentada aos “45 do segundo tempo” pelo governo no fim de 2022, e que inviabiliza a criação de novas áreas de conservação ambiental em Mato Grosso.
A PEC que tramitou em regime de urgência, sem justificativa, foi propositalmente acelerada na Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT) a pedido do Governo, sendo duramente contestada pelas organizações que pediram participação da sociedade civil na discussão e estudos técnicos sobre o assunto, mas que não foram apresentados. Desde fevereiro, não há novas movimentações relacionadas à proposta, mas para o secretário executivo do Formad, Herman Oliveira, assim como outras pautas, esta não deve ser esquecida pelo governo tão cedo.
“O governador não irá recuar dessa proposta, assim como nós também não deixaremos de resistir. Se observarmos o Estado, a pujança econômica de Mato Grosso não se traduz em políticas de proteção ambiental e social. Temos muitas cidades com alto IDH, ao mesmo tempo em que há bolsões de miséria no entorno delas, nas periferias. Existe uma aposta do governo estadual em fortalecer a infraestrutura, visando um futuro de prosperidade econômica, com clara ampliação de áreas de plantio. Isso é óbvio em propostas como a PEC das UCs, implantação de drenagem em áreas úmidas, mudanças na Lei do Pantanal, licenciamento de portos para viabilizar hidrovias, entre outras”, analisa.
Mais uma pauta de enfrentamento este ano foi a reedição do Cota Zero, a Lei 12.197/2023. A proposta do governo, que proíbe o comércio, armazenamento e transporte do pescado nos rios de Mato Grosso por cinco anos, acabou passando pela ALMT e, mesmo com mobilização popular, notas técnicas, posicionamentos públicos de órgãos como o Ministério da Pesca, acabou aprovada pela maioria dos deputados estaduais e sancionada por Mauro Mendes para entrar em vigor a partir de 1º de janeiro de 2024.
Vale destacar que a aparente derrota não fez com que as organizações desistissem da pauta. A mobilização continuou, com destaque para a realização da reunião pública “Cota Zero para quem?”, realizada pelo Formad, em Barão de Melgaço e que reuniu cerca de 300 pessoas, em um momento de escuta e tentativa de sensibilização. Já no campo jurídico, o Fórum, junto a outras três organizações, agiu junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) reforçando o pedido de inconstitucionalidade e suspensão de artigos da Lei na condição de Amicus Curie que está sendo analisado pelo ministro André Mendonça, relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade 7471, requerida pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB), em outubro deste ano.
Fortalecimento da rede
Para o Formad, o ano de 2023 foi marcante também pela mudança de nome. Após 31 anos como Fórum Mato-grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento, a rede passou a se chamar Fórum Popular Socioambiental de Mato Grosso. A inclusão do “popular” reflete a atuação do Fórum junto às comunidades e movimentos sociais, e o termo “socioambiental” traduz a integração de pautas ecológicas e demandas sociais, em uma compreensão de que a luta ambiental e a social caminham juntas.
Este ano, o Formad também ganhou cinco novas filiadas, chegando a 36 organizações no estado, uma rede ampla e cada mais vez mais diversa e combativa. Com a atuação fundamentada em três frentes: águas, controle social e zoneamento, o Fórum se prepara para em 2024 ampliar algumas de suas ferramentas e seguir cada vez mais próximo das lutas socioambientais.
“A nossa aposta é no fortalecimento da comunicação, para levar à população a verdade por trás do que acontece no cenário socioambiental e que muitas vezes ela nem imagina. Além do enriquecimento de narrativas jurídicas no enfrentamento político e o aprimoramento da nossa articulação com movimentos sociais, organizações, partidos e demais agentes. É neste tripé que a Secretaria Executiva do Formad vem atuando nos últimos anos e tem sido positivo”.
Herman Oliveira destaca ainda os desafios para o próximo ano. “Travamos e encampamos lutas muito importantes para Mato Grosso este ano e entendo que para 2024 temos que olhar mais para as agendas positivas sem desviar das trincheiras de resistência”, completa Herman Oliveira.
Cenário nacional: esperança e (ainda) poucos avanços
O retorno de Luís Inácio Lula da Silva à Presidência trouxe esperança para o campo socioambiental em 2023, mas ainda carece de conquistas. A criação de novos ministérios ligados às pautas ambientais, indígenas e de igualdade racial são importantes e já representaram mudanças com aprovações importantes e novas legislações.
“Foi realmente um ano de resistência. Não tivemos avanços consideráveis no campo socioambiental de maneira geral. Mesmo com os ministérios criados e o fortalecimento da agenda ambiental com a inclusão do tema das mudanças climáticas, ainda há problemas que estão longe de acabar, a exemplo do combate ao garimpo. É preciso trazer para os territórios as ações e diretrizes federais, já que, em Mato Grosso, há um trabalho incessante por parte do governo estadual em fortalecer a mineração, na contramão do que faz o Governo Federal e o que é terrível para todo nós”, alerta o secretário executivo.
Sobre o Formad
Criado em 1992, o Fórum Popular Socioambiental de Mato Grosso (Formad) é uma articulação da sociedade civil que tem o objetivo de democratizar as informações e o debate socioambiental propondo alternativas de sustentabilidade para a melhoria das condições de vida da população. A rede é composta por 36 entidades filiadas com atuação no campo socioambiental do estado.
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